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domingo, 13 de fevereiro de 2022

Mentira integral - O Estado de S. Paulo

 J. R. Guzzo

É óbvio que Lula está querendo exatamente o contrário do que querem os trabalhadores; eles falam com o seu bolso, Lula fala com os seus interesses

A realidade, mais talvez que qualquer outra coisa, tem o dom de deixar a esquerda brasileira fora de si. A realidade atrapalha o tempo todo, revela mentiras e, sobretudo, não vai embora quando é ignorada – simplesmente continua onde está, façam o que fizerem. Acontece o tempo inteiro e, é claro, tem de acontecer muito nas campanhas eleitorais. Está acontecendo de novo, na presente campanha de Lula para voltar à Presidência da República.

Os fatos são bem simples. Você se lembra do imposto sindical que ficou pagando durante anos a fio, não lembra? 
Foi uma das piores modalidades de extorsão jamais inventadas contra o trabalhador neste país, com o roubo anual de um dia de salário de cada brasileiro, e sua entrega de presente para os sindicatos. Essa praga foi eliminada cinco anos atrás, numa das realizações mais notáveis do governo Michel Temer e do Congresso Nacional, dentro da reforma maior da legislação trabalhista – o principal passo para a modernização das relações de trabalho dos últimos 80 anos no Brasil.
 
Ficou assim, então. Em 2017, último ano em que o imposto sindical foi cobrado, os sindicatos enfiaram no bolso R$ 3 bilhões, arrancados diretamente do esforço de quem trabalha. 
De lá para cá, o pagamento passou a ser voluntário. 
Só paga quem quer, e quem acredita em sindicato; quem não quer não paga. E o que aconteceu? Aconteceu que ninguém pagou mais. No ano passado a arrecadação do imposto sindical caiu para R$ 65 milhões – [ queda superior a 95%] ou seja, praticamente sumiu. 
 
É uma simetria perfeita. Poucas vezes se viu um benefício financeiro para o trabalhador tão direto como esse. 
Poucas vezes os sindicatos ficaram tão irados com um prejuízo. Foi automático: quem trabalha gostou e continua gostando, os sindicatos detestaram e continuam detestando.  
Eis aí exatamente a quantas andam, medindo em dinheiro, o apreço, a simpatia e a solidariedade do trabalhador brasileiro por seus sindicatos; assim que foi permitido pagar ou não, todo mundo sumiu. É esse o valor que dão ao sistema que a esquerda nacional acha essencial para a sua proteção. Realidade é isso.

É óbvio que Lula está querendo exatamente o contrário do que querem os trabalhadores; eles falam com o seu bolso, Lula fala com os seus interesses. Um dos pontos-chave do “programa de governo” de Lula,[o descondenado, jamais inocentado,luladrão.]  justamente, é ressuscitar a cobrança do imposto sindical. Trata-se, à sua maneira, de outro ataque frontal às realidades. É um clássico, em matéria de mentira integral: ele diz em público que vai salvar o operário, mas, na vida real, o que quer é tirar o seu dinheiro. É só isso.

J. R. Guzzo, colunista -  O Estado de S.Paulo


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Projeto de lei para energia solar prevê geração distribuídate para quem já tem sistema - Folha de S. Paulo

Arthur Cagliari  

Proposta em análise estabelece cobrança só a partir de 2022 e para novos investidores

O Projeto de Lei que trata de novas regras para a cobrança de tarifas sobre a autoprodução de energia solar, a chamada geração distribuída, estabelece isenção permanente para quem já colocou ou vai adotar placas fotovoltaicas até o fim de 2021. “Para quem já tem [as placas], está instalando ou tem parecer de acesso não muda nada. Para sempre, porque essas pessoas fizeram o contrato quando as regras não previam as tarifas”, afirmou o deputado federal Lafayette de Andrada  (Republicanos-MG).

Na proposta, além da manutenção eterna da isenção para quem já possui o sistema, está prevista uma tarifa mais branda do que a proposta pela Aneel em seu relatório no ano passado. A ideia é cobrar apenas o serviço da distribuição, que equivale a 28% da tarifa cheia e de forma gradativa. O relatório da agência de 2019 propunha, além do pagamento da distribuição, a cobrança da transmissão, bem como de encargos e perdas do sistema elétrico, o que representaria 62% da tarifa cheia.Segundo Andrada, no caso da geração distribuída local (quem tem placa no próprio telhado), a proposta é que o pagamento da tarifa comece a partir de 2022, quando os donos dessas placas pagarão 10% da tarifa da distribuição. De forma escalonada, a cada dois anos, a alíquota crescerá 20 pontos percentuais, chegando a 100% em 2032.
No caso da geração remota (aquela que não é gerada no local do consumo), o deputado afirmou que a proposta é cobrar a tarifa de 100% da distribuição já em 2022. Também haveria uma transição escalonada para a geração compartilhada (local ou remota), hoje com representatividade irrisória. Nesta, a partir de 2022 a alíquota subiria para 50% da distribuição e, em dez anos, chegaria a 100%. Questionado sobre a não cobrança de encargos, como a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, onde estão subsídios a programas do governo), o deputado disse que, como a geração distribuída reduz o consumo de energia de fontes mais caras, como a termelétrica, há um barateamento natural na conta que compensa a isenção.
“Quando gero energia solar e a injeto no sistema, ela é diluída para toda a estrutura [de distribuição]. Todo mundo usa. Se eu faço isso, eu deixo de comprar energia térmica, a carvão, a diesel, que é caríssima, poluidora e suja. Então as pessoas que têm energia solar nas suas casas barateiam a conta de luz para todo mundo.”​
O deputado disse que conversou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que o aconselhou a esperar algumas semanas para apresentar o PL. Segundo Andrada, Maia estaria estudando o caminho mais rápido para a tramitação, se por comissão especial ou por regime de urgência. Pessoas que acompanham o assunto disseram à Folha, em condição de anonimato, que a expectativa é que o projeto seja apresentado ao Congresso já no início de fevereiro. Um empecilho, porém, pode vir com a substituição de Caio Megale por Esteves Colnago na relação do Ministério da Economia com o Congresso.
Colnago é considerado muito alinhado com a proposta da equipe do ministro Paulo Guedes de trabalhar pela redução de subsídios, mesmo que sejam para energias limpas como a solar. Conforme reportagem publicada na semana passada, a ideia da pasta é reiniciar um trabalho de convencimento com Bolsonaro e líderes do Congresso.
Arthur Cagliari, coluna na Folha de S. Paulo/UOL
 
 
 

terça-feira, 5 de junho de 2018

A receita dos sindicatos

A contribuição sindical continua existindo. Ela apenas deixou de ser obrigatória

A reforma trabalhista alterou significativamente as receitas dos sindicatos. Antes, uma vez por ano era descontado do salário do funcionário o equivalente a um dia de trabalho a título de contribuição sindical. Não havia escolha. Todos os empregados eram obrigados a repassar parte da sua renda ao sindicato da sua categoria profissional. Com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as contribuições sindicais tornaram-se voluntárias. Elas só podem ser descontadas do salário "desde que prévia e expressamente autorizadas", diz o novo art. 578 da CLT.

O caráter facultativo da contribuição sindical fez despencar as receitas dos sindicatos. Em reação, várias entidades recorreram à Justiça com o objetivo de relativizar a necessidade de autorização do empregado. Almejam, por exemplo, que a autorização individual possa ser suprida por uma aprovação coletiva em assembleia. Tal manobra, como é óbvio, fere o que está previsto na Lei 13.467/2017 e cabe à Justiça dar o devido rechaço a essa liberalidade com o salário do empregado.

A voracidade dos sindicatos parece, no entanto, não ter limites. Recentemente, foi noticiado um novo arranjo para avançar sobre o salário do empregado sem o seu consentimento. O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias dos Estados do Maranhão, Pará e Tocantins (Stefem) firmou com a Vale um acordo que, entre outros pontos, cria uma nova contribuição a ser feita pelo empregado, chamada de "cota negocial", para custeio das despesas do sindicato. A empresa fará um desconto anual, equivalente a meio dia de trabalho, do salário de cada empregado.  Na tentativa de dar à "cota negocial" uma aparente conformidade com a reforma trabalhista, o acordo estabeleceu que os funcionários não sindicalizados não serão obrigados a contribuir com o valor previsto. Para tanto, eles terão de manifestar expressamente que não estão de acordo com a cobrança. Essa exigência é uma inversão em relação ao que prevê a Lei 13.467/2017, que fala em autorização prévia do empregado. Além disso, o acordo não prevê que os funcionários sindicalizados possam manifestar sua oposição à nova cota.

O mais estranho nessa história é que o vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Renato de Lacerda Paiva, referendou o tal acordo, como se ele não contivesse patentes ilegalidades. Segundo o ministro, "o acordo é resultado de várias negociações, fruto de um consenso entre trabalhadores e empresa, com anuência do Ministério Público do Trabalho". Este, pelo visto, também não se deu conta de que a CLT tem agora novos requisitos para a cobrança de contribuição em favor do sindicato. [desde quando a anuência do Ministério Público - seja o federal, o do trabalho, ou qualquer outro - pode atropelar disposição legal e autorizar que um sindicato, ou qualquer outra porcaria, avance sobre o salário do trabalhador;

senhor ministro: por entendimentos da natureza desse de Vossa Excelência é que a cada dia se torna mais corrente a convicção de que a Justiça do Trabalho não é necessária - atrapalha mais que ajuda.]   

A Justiça do Trabalho é tão cara e tão lenta em sua prestação de serviços à sociedade que, caso ela fosse destituída e o Estado indenizasse seus requerentes, seria mais rápido e mais barato”, acredita a ministra aposentada Eliana Calmon, ex-corregedora do Conselho Nacional.



Com a Lei 13.467/2017, o trabalhador tem o direito de decidir se deseja ou não contribuir com o sindicato. Não existe acordo capaz de extinguir ou relativizar o exercício desse direito. Vale lembrar também que esse direito do trabalhador não é uma afronta ao sindicato. Antes, deve ser um poderoso estímulo para que essas entidades assumam a sua verdadeira missão, que é representar o interesse dos empregados.

A reforma trabalhista não extinguiu a fonte de receita dos sindicatos. A contribuição sindical continua existindo. Ela apenas deixou de ser obrigatória. É um equívoco, portanto, pensar, como às vezes se diz, que a Justiça do Trabalho teria agora de se preocupar em criar fontes alternativas de renda para essas entidades. O que é necessário é uma mudança de atitude dos sindicatos, para adequar-se à lei e também ao seu próprio caráter de órgão de representação. Em primeiro lugar, eles têm de perceber que o equívoco não está na situação atual, mas no regime anterior, que forçava o trabalhador a contribuir, em confronto com a liberdade de associação sindical prevista na Constituição.  A receita continua disponível aos sindicatos, mas, para obtê-la, eles devem necessariamente se aproximar do trabalhador e defender claramente os seus interesses. De outra forma, parece impossível que alguém se disponha a dar parte do seu salário a entidades interessadas primordialmente na boa vida de seus dirigentes.


Mais informação: clique aqui = FIM DO PELEGUISMO



- EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/06

sábado, 17 de março de 2018

Execução foi recado [ou cobrança, estilo Comando Vermelho]

No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto entre os donos do poder e o crime organizado

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) na noite de quarta-feira, crime que comoveu o país e mobilizou milhares de pessoas no Rio de Janeiro e outras cidades do país, entre as quais Brasília, desafia a intervenção federal no Rio de Janeiro. Não fosse o mandato popular e sua importância na luta contra a violência e em defesa dos direitos humanos, teria a mesma importância dada a outros assassinatos, assim como o de seu motorista Anderson Gomes, também executado. Ou seja, seria apenas um número a mais nas estatísticas de assassinatos não esclarecidos no Rio de Janeiro, estado no qual apenas 11% dos suspeitos de homicídio são denunciados à Justiça.

Marielle e Anderson foram mortos dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, por volta das 21h30 de quarta-feira. Segundo a polícia, bandidos emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de balas no local. Não foi latrocínio, foi execução: os criminosos fugiram sem levar nada. O carro onde estava teria sido perseguido por cerca de quatro quilômetros. “É triste, muito triste, mas essa condição da morte da Marielle não é uma novidade. Basta ver o que aconteceu com a juíza Patrícia Acióli, assassinada em Niterói por combater PMs corruptos. No Brasil é assim: qualquer um que lute contra a corrupção e defenda os direitos humanos está em risco. E as forças de segurança, é claro, não fazem nada”, disse o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) no velório da vereadora.

As autoridades evitam declarações sobre as razões do crime, mas o assassinato abriu uma disputa política pela agenda da violência, que vinha sendo um monopólio do governo federal desde a decretação da intervenção. Marielle era contra a medida. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente as investigações.

Banda podre
A investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Não será  surpresa se surgir uma versão de que a vereadora foi executada por traficantes. Nos bastidores da intervenção federal, porém, já havia a preocupação com uma possível retaliação da chamada “banda podre” das polícias Civil e Militar. O caso da juíza Patrícia Aciolli citado pelo deputado Chico Alencar é exemplar. O assassinato da vereadora, porém, tem todas as características de retaliação política não somente às atividades desenvolvidas por ela contra as milícias e a violência policial. Os mandantes do crime têm plena consciência de que haveria repercussão política nacional e internacional, com poder de desmoralizar o interventor federal, general Braga Neto, e o recém-nomeado Jungmann.

Os dois estão na berlinda, depois de um mês de intervenção federal, com assassinatos diários de inocentes em assaltos, confrontos entre traficantes ou destes com a polícia. As operações diárias do Exército na Vila Kennedy, por exemplo, para retirada de obstáculos instalados nas ruas, e que são recolocados durante a noite, já estavam começando a ser ridicularizadas. Foram compensadas pela prisão de um delegado corrupto e a vistoria do Exército num quartel da Polícia Militar. As autoridades federais estão desafiadas a identificar os criminosos e puni-los exemplarmente.

Numa entrevista, o traficante Antônio Bonfim Neto, de 41 anos, o Nem da Rocinha, que está preso na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, ao jornal espanhol El Pais, pôs o dedo na ferida ao apontar associação entre o tráfico de drogas e a banda podre da polícia fluminense. Há um “cluster” de negócios nas favelas do Rio de Janeiro, do qual fazem parte as bocas de fumo, os gatos elétricos, as TVs piratas, a distribuição de gás e o achaque aos comerciantes e empreendedores a título de proteção. No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto e perverso entre os donos do poder e o crime organizado. Será duro desalojá-los.

[exercendo seu direito de ser bem informado, tendo acesso a mais de uma fonte de notícia,  clique aqui.

Blog nas Entrelinhas - CB - jornalista Luiz Carlos Azedo 
 

domingo, 12 de março de 2017

A cobrança dos netos

Se essa reforma ficar apenas no cosmético e nas gambiarras, a atual geração corre o risco de ser acusada de egoísmo; a definição de um limite de idade é tecnicamente imprescindível.  A reforma da Previdência Social é inevitável e inexorável, mas será incompleta.  Além disso, enfrenta grave potencial de conflito entre gerações e algumas grandes contradições. O que deixar de ser feito agora será dolorosamente cobrado no futuro, porque a conta será descarregada sobre os que vêm vindo aí.

 Infográficos/Estadão

Se essa reforma ficar apenas no cosmético e nas gambiarras, a atual geração corre o risco de ser acusada de egoísmo, de excessivamente acomodada e de falta de compromisso com filhos e netos. Quanto maior for o rombo futuro da Previdência, tanto maior será o tamanho da conta a ser descarregada sobre os que estiverem começando. A definição de um limite de idade é tecnicamente imprescindível. Mas enfrenta uma contradição. Quanto mais tempo tiver de esticar sua vida ativa para fazer jus ao benefício da aposentadoria, tanto mais o trabalhador manterá fechada sua vaga para os que vêm depois. Em outras palavras, o aumento do limite de idade tende, por esse lado, a contribuir para o desemprego entre os mais jovens.

Essa conclusão não pode ser absolutizada porque, entre os problemas permanentes do mercado de trabalho em quase todos os setores, está a baixa oferta de emprego para os cinquentões. Esse é fator que tira importância à contradição anterior, mas leva a outra. Se não encontrar emprego depois dos 50 anos e tiver de esperar até os 65 anos para se aposentar, o trabalhador terá dificuldade em honrar sua contribuição para a Previdência e, nessas condições, não ajudará a cobrir o déficit. Há quem argumente que essa faixa etária tende a migrar para o trabalho autônomo, especialmente para o setor de serviços. É o caso do metalúrgico que vira motorista do Uber ou o da funcionária de indústria têxtil que passa a vender cosméticos de porta em porta.

O problema aí é que, mesmo que esses autônomos garantam o pagamento da própria contribuição mensal para o INSS, ficará faltando a parte da empresa na cobertura do rombo. Não é apenas o envelhecimento da população e outros determinismos demográficos (veja o gráfico) que vêm sabotando o esquema convencional de financiamento da Previdência. A radical metamorfose do emprego também contribui para isso. Toda atividade econômica enfrenta hoje revolução tecnológica altamente poupadora de mão de obra.



A inteligência artificial, a internet das coisas, a tecnologia da informação e toda a parafernália digital vieram para ficar e por onde ficam fecham empregos. São os bancos que transformam celulares e iPads em agências bancárias; são as vendas do comércio pela internet que dispensam instalação de lojas e contratação de vendedores; é a nova arrumação da produção e a automação industrial que levam as empresas a operar com uma fração do contingente de funcionários com que operavam antes.

Ou seja, embora inevitável para conter a trajetória em direção à insolvência, a reforma da Previdência que vem aí será necessariamente insatisfatória. No dia seguinte à sua aprovação pelo Congresso, será necessário começar a pensar nas etapas seguintes, de maneira a não deixar as novas gerações na rua da amargura.


Fonte: Celso MIng - O Estado de S. Paulo 
Transcrito do Blog do Murilo
 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

J.R. Guzzo: Para quem quer

A morte do ministro Teori Zavascki foi a mais recente comprovação da atitude nacional de pouco-caso diante de comportamentos oficiais que não fazem nexo


O Brasil de hoje é provavelmente um dos países do mundo que melhor convivem com o absurdo. Fomos desenvolvendo na vida pública brasileira, ao longo de anos e décadas, uma experiência sem igual em aceitar a aberração como uma realidade banal do dia a dia, tal como se aceita o passar das horas ou o movimento das marés – “No Brasil é assim mesmo”, dizemos, e com isso as coisas mais fora de propósito se transformam em fatos perfeitamente lógicos. A morte do ministro Teori Zavascki, dias atrás, na queda de um turbo-hélice privado no litoral do Rio de Janeiro, foi a mais recente comprovação da atitude nacional de pouco-caso diante de comportamentos oficiais que não fazem nexo. É simples. O ministro Zavascki não podia estar naquele avião, porque o avião não era dele ─ estava viajando de favor, e um magistrado do Supremo Tribunal Federal não pode aceitar favores, de proprietários de aviões ou de qualquer outra pessoa. Nenhum juiz pode, seja ele do mais alto tribunal de Justiça do Brasil, seja de uma comarca perdi­da num fundão qualquer do interior.


 Primeira sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal), na abertura do ano Judiciário de 2017. Substituto de Teori Zavascki deverá ser conhecido nesta quarta-feira em sessão no Supremo - 01/02/2017 (Alan Marques/Folhapress)

Da morte de Teori Zavascki já se falou uma enormidade, e sabe lá Deus o que não se falou, ou talvez ainda se fale. Foram feitas indagações sobre o dono do avião, um empresário de São Paulo, seus negócios e suas questões junto ao Poder Judiciário. Foram apresentados detalhes sobre as suas relações pessoais, seus projetos empresariais e seu estilo de vida. Foram examinadas as circunstâncias em que se originou e evoluiu seu relacionamento com o ministro Zavascki. Não apareceu nada que pudesse sugerir qualquer decisão imprópria por parte do magistrado ─ ao contrário, sua conduta à frente dos processos da Operação Lava Jato continua sendo descrita como impecável. Mas o problema, aqui, não é esse. O problema é que ninguém, entre os que tomam decisões ou influem nelas, estranhou o fato de que um dos homens mais importantes do sistema de Justiça brasileiro, nos trágicos instantes finais de sua vida, estivesse viajando de carona no avião de um homem de negócios que não era da sua família nem do seu círculo natural de amizades. Não se trata de saber se o empresário era bom ou ruim. Sua companhia não era adequada, apenas isso, para nenhum magistrado com causas a julgar.

A questão não se limita aos empresários. Não está certo para um juiz, da mesma maneira, frequentar ministros de Estado e altos funcionários do governo. Ele também não pode andar com sócios de grandes escritórios de advocacia – grandes ou de qualquer tamanho. Entram na lista, ainda, diretores de “relações governamentais” de empresas, dirigentes de órgãos que defendem interesses particulares e políticos de todos os partidos. Não dá para aceitar convites de viagem com “tudo pago”, descontos no preço e qualquer coisa que possa ser descrita como um favor. Não é preciso fazer a lista completa ─ dá para entender perfeitamente do que se trata, a menos que não se queira entender. O ministro Zavascki não era, absolutamente, um caso diferente da maioria dos membros do STF e de uma grande parte, ninguém poderia dizer exatamente quantos, dos 17 000 magistrados brasileiros de todas as instâncias. Seu comportamento era o padrão – com a diferença, inclusive, de ser mais discreto que muitos. Ninguém nunca viu nada de errado no que fazia ─ e ele, obviamente, também não.

Cobrança exagerada? Diante dos padrões de moralidade em vigor na vida pública nacional, é o caso, realmente, de fazer a pergunta. Mas não há exagero nenhum em nada do que foi dito acima. Ao contrário, essa é a postura que se observa em qualquer país bem-sucedido, democrático e decente do mundo. Na verdade, não passa na cabeça de ninguém, nesses países, levar uma vida social parecida à que levam no Brasil os ministros do STF e de outros tribunais superiores, desembargadores e juízes de todos os níveis e jurisdições. Muitos magistrados brasileiros também acham inaceitável essa confusão entre comportamento privado e função pública. Não falam para não incomodar colegas, mas não aprovam – e não agem assim. Têm a solução mais simples para o problema: só falam com empresários etc. no fórum, e nunca a portas fechadas. Para todos eles, “conversa particular” é algo que não existe. Nenhum deles vê nenhum problema em se comportar assim. Eles aceitam levar uma vida pessoal com limites; só admitem circular na própria família, com os amigos pessoais e entre os colegas. Fica mais difícil, sem dúvida, mas ninguém é obrigado a ser juiz, nem a misturar as coisas. Só quem quer.

Publicado na edição impressa de VEJA

 

domingo, 29 de janeiro de 2017

Utilidade Pública - Da (i)legalidade da cobrança de tarifa mínima de água


Comprou imóvel novo? Não está ocupando o imóvel? Mesmo assim estão lhe cobrando a tarifa mínima?


Poucas pessoas sabem, e, menos ainda questionam a legalidade da cobrança de tarifa mínima de água em imóvel desocupado. Quando afinal a cobrança é abusiva ou não?
No Estado do Rio de Janeiro a jurisprudência caminha no sentido de abusividade. Nestes termos, entre tantos outros recursos julgados pelo Tribunal de Justiça daquele Estado:
"Apelação cível. Ação declaratória c. C. Repetição de indébito. Cedae. Cobrança progressiva da tarifa de água. Relação de consumo. Ilegalidade prática abusiva. A cobrança da tarifa de água pelo sistema progressivo não encontra amparo na legislação vigente, posto que o Decreto n. 82.587/1978 que regulamentou a Lei n. 6.258/1978 e previa o sistema progressivo, foi revogado pelo Decreto sem numero de 5.9.1991, além de contrariar a norma do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Comprovada a cobrança indevida, impõe-se a restituição de valores pagos, mas não em dobro. Desprovimentos dos recursos." (Apelação nº 0048827-35.2003.8.19.0001; REL.: DES. ODETE KNAACK DE SOUZA; OITAVA CÂMARA CIVEL; Data do Acórdão: 11/07/2005).
Porém, neste caso a cobrança é legal!
Conforme Súmula nº 407 do STJ: "É legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo".
Mas, normalmente, o cliente vem com fotos do hidrômetro que comprovam que o consumo é menor da tarifa mínima cobrada, a qual entende "ser absurda".
No entanto, a Lei Federal nº 11.445 estabelece no inciso IV do artigo 30 que:
"Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores:"[...]
"IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas;"

Em complemento o artigo 11, § 2º do Decreto nº 82.587/78 estipula:
"Art. 11 - As tarifas deverão ser diferenciadas segundo as categorias de usuários e faixas de consumo, assegurando-se o subsídio dos usuários de maior para os de menor poder aquisitivo, assim como dos grandes para os pequenos consumidores".
[...] "§ 2º - A conta mínima de água resultará do produto da tarifa mínima pelo consumo mínimo, que será de pelo menos 10 m³ mensais, por economia da categoria residencial."
Portanto, não há ilegalidade na estipulação de tarifa mínima, por mais que não haja consumo (com o relógio instalado e possível a utilização), ou mesmo que o consumo seja inferior a quantia estipula de tarifa mínima.
Neste sentido, inclusive: AgRg no REsp 815.373-RJ; AgRg no REsp 873.647-RJ; REsp 485.842-RS; REsp 776.951-RJ; REsp 861.661-RJ; REsp 1.113.403-RJ, todos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Porém, qual é o caso em que a cobrança é considerada abusiva?
Em caso de condomínio residencial com um único hidrômetro, a cobrança de tarifa mínima multiplicada não é considerada legal, devendo a cobrança ser realizada pelo consumo real aferido.
Nestes termos, o Recurso Repetitivo Resp nº 1166561 / RJ (2009/0224998-4):
"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. FORNECIMENTO DE ÁGUA. TARIFA MÍNIMA MULTIPLICADA PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (ECONOMIAS). EXISTÊNCIA DE ÚNICO HIDRÔMETRO NO CONDOMÍNIO. 1. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido. 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento de não ser lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. 3. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil." (STJ - Resp nº 1166561 / RJ (2009/0224998-4); REL. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO; Primeira Seção; JULGADO: 25/08/2010; DJe: 05/10/2010).
Tal entendimento, provém da teoria de que se for cobrada a tarifa mínima de todos os moradores do condomínio, condomínio esse com um único hidrômetro, se faz presumir que todos estariam consumindo um determinado x, de modo que não pode ser aceita a cobrança de serviço público por estimativa, até porque normalmente esse x estimado é acima do quanto realmente foi consumido.
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"É que o serviço público, por definição, existe para satisfazer necessidades públicas e não para proporcionar ganhos ao Estado. Aliás, esta mesma Lei 8.987, em seu art. , após considerar que toda concessão ou permissão pressupõe serviço adequado, no § 1º dele, esclarece que serviço adequado é o que satisfaz, entre outras condições, a 'modicidade das tarifas', a qual, de resto, é um princípio universal do serviço público. Assim, serviço público desenganadamente não é instrumento de captação de recursos para o Poder Público. Este não é um capitalista a mais no sistema." (Curso de Direito Administrativo, 26ª edição, Editora Malheiros, São Paulo: 2008, p. 712).
Desta forma, conclui-se que a cobrança de tarifa mínima de uma casa ou de uma empresa, mesmo com consumo muito baixo está de acordo com o quanto fixado em lei.
Todavia, nos casos de condomínio com um único hidrômetro, a cobrança da tarifa mínima para todos os condôminos não se mostra lícita, de maneira que neste caso deve ser cobrado o volume real aferido de cada condômino.

Advogado pós graduado em Direito Civil e Direito do Consumidor (2014), e, com título de especialização L.LM. em Direito de Negócios (2016).
 
Fonte: Jus Brasil