Cápsulas roubadas ou desviadas de um lote comprado pela Polícia Federal ainda estão circulando, nas mãos de criminosos, tirando a vida de pessoas inocentes
O
assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson
Gomes, completa uma semana amanhã, ainda com poucos elementos que permitam
elucidar o caso. Por enquanto, sabe-se que os dois foram executados por
bandidos que planejaram cada detalhe da ação. O Chevrolet Agile branco onde
eles estavam foi perseguido desde que deixou as imediações da Casa das Pretas,
na Rua dos Inválidos, na Lapa. E os tiros foram disparados no Estácio, num
ponto onde não havia câmeras.
Mas o que foi revelado até agora já merece ampla
reflexão por parte da sociedade. Segundo a polícia, as cápsulas de pistola 9mm
pertenciam a um lote comprado pela Polícia Federal. Ou seja, foram adquiridas
pelo próprio Estado, com recursos públicos. Seriam para equipar a PF, mas,
roubadas ou desviadas, acabaram nas mãos de criminosos. Reportagem
da TV Globo mostrou que a munição — 1,85 milhão de cápsulas — foi vendida pela
Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), à Polícia Federal de Brasília, no dia
29 de dezembro de 2006. Parte do material teria sido distribuída para as
superintendências de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Sabe-se
que cápsulas desse mesmo lote foram usadas na maior chacina ocorrida em São
Paulo: 17 pessoas assassinadas nas cidades de Barueri e Osasco, em 13 de agosto
de 2015. Três policiais militares e um guarda civil foram condenados pelos
crimes.
Também já
é do conhecimento das autoridades que as cápsulas foram usadas para matar cinco
pessoas em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, entre 2015 e 2017. Os
assassinatos foram atribuídos à guerra entre facções.
Mas, por
que as balas, compradas com nota fiscal, estão, mais de dez anos depois,
alimentando a criminalidade? Pelo jeito, nem as autoridades parecem ter a
resposta. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, dissera que parte da
munição teria sido roubada da sede dos Correios na Paraíba e que outra parte
teria sido desviada por um escrivão na Superintendência da PF no Rio. Os
Correios, porém, afirmaram desconhecer o fato. Ontem, o Ministério da Segurança
informou, em nota, que o ministro não associou diretamente o roubo na Paraíba
ao caso Marielle.
Editorial - O Globo