Análise Politica
A evidência de persistir, e crescer, entre nós um desarranjo
institucional vem sendo confrontada com a esperança de que o “banho de urna” represente
um reset, um Ctrl+Alt+Del. O sonho nutre-se, entre outras
fontes, de um certo traço sebastianista, de raízes bem conhecidas na
história luso-brasileira. Nosso surto sebastianista mais atual canta a saudade
dos “bons tempos da fundação da Nova República”. É o mais novo mito a operar
como promessa de tábua de salvação. [A Nova República foi tábua de salvação para os ladrões dos cofres públicos, sendo hours concours a quadrilha petista, comandada pelo descondenado, mas não inocentado, Lula da Silva e que agora tenta desesperadamente voltar ao poder para completar o que iniciaram.]
O sebastianismo da ocasião omite que, quando o eleitor foi chamado pela primeira vez a opinar sobre a Nova República, em 1989 (o estelionato eleitoral de três anos antes não conta), varreu da cena todos os avalistas dela. Restaram apenas três personagens: 1) Fernando Collor, de origem na Arena/PDS; 2) Luiz Inácio Lula da Silva, cujo partido recusara apoiar Tancredo Neves contra Paulo Maluf em 1985; e 3) Leonel Brizola, que, derrotadas as Diretas Já em 1984, preferia dar mais um ano a João Figueiredo e eleições gerais em em 1986.
Mas Paulo Pontes tinha mesmo razão, a profissão preferida do brasileiro é a esperança, e neste ciclo ninguém soube até agora interpretar isso melhor que Lula. Por fortuna ou virtù, ou ambas, calhou de na caminhada de agora encontrar um Geraldo Alckmin perambulando pela estrada da política depois de colher um mau resultado em 2018 e de ver-se abandonado pelo partido no qual um dia foi prócer. E tudo se encaixou perfeitamente para revigorar a narrativa sebastianista do “como teria sido melhor de PT e PSDB não tivessem brigado” em 1994.
E lá vamos nós a mais um “banho de urna”, do qual emergirá um vitorioso eleitoral apenas para, em seguida, bater de frente com o fato cruel de ter chegado tarde na festa. Notará que, fruto das estruturas e das crises legadas pela Nova República, o poder real em Brasília já vem previamente distribuído. O orçamento está na prática sob o comando do Congresso Nacional, e o Supremo Tribunal Federal instituiu-se como uma versão para o século 21 do Poder Moderador (com maiúsculas) formalmente abolido junto com a Monarquia ainda no século 19.
E vem aí a onda pelo semipresidencialismo, um
parlamentarismo repaginado com a missão de colocar no papel e dar base legal à
realidade que se vem impondo na prática. Palpite: é mais fácil esse expediente
ser absorvido por um eventualmente reeleito Jair Bolsonaro ou por um nome da
terceira via raiz do que por um Lula renascido das cinzas da Lava Jato ou por um
Ciro Gomes que insiste em ter ideias próprias a respeito do que fazer com o
Brasil depois de três décadas e meia de Nova República.[Ops ... quem, e quando, vão mexer na Constituição para implantar um semipresidencialismo? do alto da nossa ignorância jurídica, entendemos que o artigo que estabelece quem exerce o Poder Executivo, terá que ser modificado e vai complicar. Além do que o presidente Bolsonaro reeleito para o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil, com em primeiro turno, com larga margem sobre o resto, não vai aceitar ser um presidente meia sola, exceto com prévia mudança na Constituição Federal.]
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político.