Com o apoio de pares e ímpares, Dilma e Cunha ganharam fôlego
O “PT” disse. O “PSDB” disse. O “PMDB” disse. O “Cunha” disse. O “blogueiro” disse. A “mídia” disse. O “Lula” disse. O “Aécio” disse. O “ministro” disse. E o mais importante: a “Dilma” disse. Já está comprovado: se a presidente disse, está dito, não é mesmo? Os crédulos acreditam em tudo. A credibilidade é seletiva. E as interpretações também. Escolhemos em quem acreditar. Além do papa Francisco, está difícil.Num país em que as torcidas pelo impeachment de Dilma e pela cassação de Cunha se engalfinham, mas também se aliam, está claro que os eleitores são apenas marionetes e que ninguém no poder diz a verdade. No terreno das aspas, diz-se o que interessa divulgar. Querem todos salvar a própria pele. Você já decidiu se quer blindar alguém? Blindar políticos costuma custar caro. Custa o senso de ridículo.
Uma hora Cunha é adulado pela oposição e também pelo governo – todos lembram quando Dilma, em abril, o condecorou (a ele e ao Ronaldo Caiado) com a Ordem do Mérito Militar. Medalha no peito, olho no olho. Encontros acontecem, às claras ou não. No dia seguinte, todos querem se mostrar o mais longe possível de Cunha, o homem-bomba da Câmara. Aécio Neves e o PSDB repentinamente defendem a saída dele. Versões de acordos se tornam “as mais deslavadas mentiras”. E desmentidos passam a ser as novas verdades.
O que aconteceu de concreto na semana passada é que tanto Dilma quanto Cunha ganharam fôlego para se manter em seus cargos.
No caso dela, o Supremo Tribunal Federal julgou que Cunha atropelava todos os ritos democráticos e constitucionais ao pressionar no Congresso pelo impeachment de Dilma, usando um atalho, o acostamento. Foi uma decisão “técnica” dos juízes. No caso dele, foram os pares e os ímpares que reduziram a pressão por sua cassação – porque não interessa a ninguém, nem à oposição nem ao governo e muito menos a Lula, implodir o presidente da Câmara. Sabe-se lá o que pode vir à tona se Cunha rodar a baiana (não o Baiano).
Ao longo da semana, os holofotes saíram de Dilma para o filho e a nora de Lula – que, segundo o delator e lobista Fernando Soares ou Fernando Baiano, teriam recebido milhões para gastos pessoais. Ao longo da semana, os holofotes saíram de Cunha para a mulher e a filha dele. Entrou a família. Entraram os figurantes, saíram os protagonistas.
As pedaladas fiscais de Dilma se tornaram “políticas sociais” legítimas e viraram peça de propaganda populista – lembrando que quem se beneficiou mesmo das pedaladas foram os ricos. E as contas de Cunha na Suíça passaram a ser questionadas pela origem, lícita ou ilícita – lembrando que o “ilícito” pode, nesse caso, se confundir com o petrolão. Dilma sempre diz que não sairá da Presidência. Cunha sempre diz que não sairá da presidência. Em pelo menos um traço de caráter – na arrogância –, são parecidos.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello disse ao jornal Folha de S.Paulo que há uma forma “não traumática” para o país superar a crise: a “renúncia coletiva” de Dilma, do vice Michel Temer e de Cunha. Segundo o ministro, “o mal maior, a crise econômica”, está sendo deixado “em segundo plano” por “interesses políticos”. A possibilidade de renúncia não existe. Mas ninguém suporta mais esse mimimi que não chega a lugar nenhum. A favor do ajuste. Contra o ajuste. A favor da CPMF. Contra a CPMF. A favor do Levy. Contra o Levy. A favor da Dilma e contra a Dilma. A favor do Cunha e contra o Cunha.
Uma hora Dilma é carregada no colo por Lula e por (alguns) aliados como “a guerreira”. No dia seguinte, Lula a critica ao microfone no congresso da CUT: “Ganhamos as eleições com um discurso e os nossos adversários perderam as eleições com um discurso. Mas a impressão é que adotamos o discurso de quem perdeu. (...) O que a Dilma tem de saber é que este país não pode ficar falando em corte mais uma semana ou um mês. Temos de falar em crescimento, com geração de emprego e distribuição”. Dilma só falou disso na última campanha eleitoral. Falou e disse. E olha onde estamos agora.
O embate ideológico nas redes sociais, distorcido e preconceituoso, está longe de representar o povo. Nisso, concordo com Miguel Torres, presidente da Força Sindical: “O impeachment da Dilma e se cai ou não Eduardo Cunha passam longe do debate nas fábricas. Aonde chego, as pessoas reclamam da inflação e temem perder o emprego”.
Lula diz que “a oposição fez a autoestima do povo ficar em baixa”. Com essa declaração, Lula subestima o povo, superestima a oposição e ignora a realidade do trabalhador. O poder de compra do salário foi-se, as taxas só aumentaram e o eleitor caiu na real.
E só quem roda é o Baiano?
Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época