A entrevista concedida pelo general Eduardo Villas Bôas, comandante do
Exército, à Folha deste domingo gerou barulho no PT. Por quê? Já vamos
ver. Noto, de saída, que foi uma boa entrevista, em que ele rechaçou,
mais uma vez, a eventual intervenção das Forças Armadas na política,
expressando, adicionalmente, preocupação com a eventual politização dos
militares em razão da ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência.
Sobre a tal intervenção, foi explícito: “Intervenção
militar constitucional, até hoje não descobri como é que faz isso. Até
houve discussões de juristas sobre isso, que o Exército teria um mandato
para intervir, e isso foi verbalizado pelo general Mourão, gerando uma
pequena crise [em 2015]. Em função dessa pressão, elaboramos diretrizes
que transmiti internamente e que passaram a preencher espaço
externamente. A conduta seria baseada em três pilares. Primeiro, a
manutenção da estabilidade. Segundo, a legalidade: o Exército jamais
agiria fora de preceitos legais, dentro do artigo 142 da Constituição e
leis subordinadas.”
Bem, meus
caros, o que vai acima não tem nada de ambíguo: o general está dizendo
que não cabe uma ação unilateral dos militares. E ponto final. Na
conversa, o comandante do Exército chegou a apontar o que considera de
aspectos “messiânicos” na forma como Bolsonaro se manifesta e deixou
claro que o fato de ele ter sido militar não implica que se vá ter um
governo militar. Lembrou, o que é correto, que a pauta do presidente
eleito, quando deputado, era mais corporativista do que ligada à defesa
do país.
Mas um
trecho de sua fala gerou barulho - íntegra da entrevista, aqui. Comentando dois tuites por ele
publicados no dia 3 de abril, véspera da votação no STF do habeas corpus
que pedia a liberdade de Lula, ele disse:
“Eu reconheço que houve um
episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte
da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós
conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas
sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me
expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis
identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática.
Me lembro, a gente soltou [o post no Twitter] 20h20, no fim do Jornal
Nacional, o William Bonner leu a nossa nota.”
Cumpre aqui lembrar o conteúdo dos dois tuites então publicados pelo general:
“Nessa situação que vive o
Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está
pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado
apenas com interesses pessoais?”
“Asseguro
à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos
os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição,
à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais.”
O que eu
tenho a dizer? Considerei então que havia, sim, ali a sombra de uma
tutela. Afinal, se o que o general diz na entrevista de domingo vale,
inexiste interferência das Forças Armadas no processo político à revelia
da Constituição que não seja golpe. Parece-me que o “limite” a que ele
se refere é justamente o limite possível da legalidade: qualquer coisa
além daquelas palavras, e se trataria de uma ameaça.
Entendo,
por óbvio, os protestos do PT. Mas cumpre lembrar que Villas Bôas não
participou daquela sessão do Supremo. Votaram contra o habeas corpus
Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux
e Cármen Lúcia. Votaram a favor Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Convenham: não dá para
afirmar que seis ministros ficaram com medo do general e que cinco
decidiram enfrentá-lo, certo?
Eu
realmente não creio que os tuítes de Villas Bôas tenham tido algum peso
na votação. Parece-me que sua fala de agora revela outra coisa: ele se
manifestou no que chamou “limite” para evitar eventual indisciplina nos
quarteis. E isso, sim, é preocupante. Não que eu ache que um golpe, no
velho modelo latino-americano, possa ser desfechado ou, se desfechado,
possa prosperar.
Se, no
entanto, o comandante do Exército se viu compelido a ir “ao limite” para
evitar a bagunça, então convém que se fique atento. Não para evitar o
golpe que não haverá, mas para impedir a baderna de setores militares. Os
petistas deveriam considerar, em sua reação, que não é exatamente
esperto jogar todas as Forças Armadas no colo de Jair Bolsonaro. Até
porque isso é falso. Basta ler direito a entrevista do general Villas
Bôas.
Blog do Reinaldo Azevedo
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[Comentário:
O Brasil, ainda, a república da Banânia, é o único país em que uma Lei Municipal, de autoria de um vereador em um municipio que poucos brasileiros já ouviram falar, é capaz de ter repercussão nacional e servir de supedâneo para que o STF decida tornar a decisão sobre a constitucionalidade (estadual) da mesma, assunto de repercussão geral - o que obriga todos juízes a seguirem, sem delongas, a suprema decisão.]