Com circulação do vírus, Brasil perde certificado de erradicação da doença dado pela Opas em 2016
[aos inconformados com Bolsonaro presidente e tentam atribuir ao capitão a responsabilidade por tudo de ruim que acontece, lembramos que a crise da volta do sarampo é anterior à posse dele no cargo de presidente da República.]
A decisão já era esperada, mas, nem por isso, a notícia de que o Brasil
perderá o certificado de erradicação do sarampo, conferido pela
Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em 2016, se torna menos
desastrosa. É consequência natural da confirmação, em 23 de fevereiro
deste ano, de mais um caso da doença no Pará, significando que o vírus
já circula há 12 meses no país —a primeira notificação acontecera em 19
de fevereiro de 2018. Motivo suficiente para que o atestado de área
livre do sarampo seja revogado pela instituição.
Na tentativa de estancar o prejuízo, o Ministério da Saúde anunciou que
agirá para retomar o certificado nos próximos 12 meses. Mas será preciso
ir além das boas intenções, já que o cenário da doença no país é
preocupante. Segundo o próprio ministério, o Brasil teve no ano passado
10.302 casos confirmados de sarampo, espalhados por 11 estados, embora
90% deles tenham se concentrado no Amazonas. O pico da doença aconteceu
entre julho e agosto, e pelo menos três unidades da Federação —Amazonas,
Roraima e Pará —enfrentaram surtos.
Isso já seria motivo de preocupação, mas a situação se torna ainda mais
complicada quando se observam os anêmicos índices de vacinação. Pelos
números do Ministério da Saúde em 2018, divulgados mês passado, dos
5.570 municípios, praticamente a metade (49%) não atingiu a meta, que é
de 95%. E as piores coberturas estão justamente nos estados em que elas
são mais necessárias. No Pará, por exemplo, 83% dos municípios estão
desprotegidos; em Roraima, 73,3%, e no Amazonas, 50%.
A reentrada do sarampo no Brasil teria acontecido a partir da vizinha
Venezuela, país que, sob a cleptocracia de Nicolás Maduro, atravessa
grave crise política, econômica e social. Mas o reaparecimento da doença
tem sido verificado também nos EUA e em países da Europa e da África. No Brasil, esse retorno certamente está relacionado ao fato de que, de
modo geral, os índices de vacinação têm despencado na última década,
facilitando o reaparecimento das doenças.
Pode-se supor que em estados de grande extensão territorial, como
Amazonas e Pará, que enfrentam surtos de sarampo, haja problemas de
logística, mas os baixos índices de cobertura em praticamente todo o
país mostram que o motivo não é esse.O que tem de ficar claro é que a vacina é a maneira de se evitar que a
doença se espalhe, levando o país a regredir, como agora, numa área em
que já havia conseguido avançar minimamente.
É evidente que não se deve menosprezar o efeito dos ataques antivacinas
que contaminam as redes sociais, mas, para combatê-los, existem
campanhas educativas. O fundamental é que autoridades dos três níveis de governo se mobilizem
para que sejam alcançadas as metas de vacinação no país. Existem
exemplos bem-sucedidos, como a disponibilização de doses em estações de
transporte, onde há grande circulação. Há muitos outros. Basta querer
agir.
Editorial - O Globo