"Não atiramos para acabar com uma vida, mas para salvar outra"
Conheça os snipers brasileiros, atiradores de elite da Polícia Militar que jamais podem errar
Os atiradores de elite da PM de SP M., de 33 anos, e E. de, 34: não há margem para erro
Enquanto Chris Kyle teve que lidar com terroristas dentro do território inimigo, os snipers policiais entram em ação contra assaltantes, traficantes, sequestradores e suicidas. “É a atividade que escolhe você, não você quem escolhe ser um sniper”, diz o Capitão Ricardo Orlandi Folkis, do Gate – Grupo de Ações Táticas Especiais, divisão da polícia militar do estado de São Paulo.
A carreira de um atirador de elite começa com o concurso público para ingressar na PM. Só após dois anos atuando na patrulha é possível se candidatar para ingressar no Gate. As inscrições costumam ter mais de 300 candidatos para cerca de 30 vagas. Após testes físicos e psicológicos, uma avaliação do histórico profissional, que inclui consulta à Corregedoria, e uma prova escrita, os selecionados para o curso do Gate passam um mês em treinamento pesado. Ao final, apenas metade dos estudantes se forma. Mas o Capitão Folkis ressalta que, apesar do treinamento e do curso intensivos, os recém admitidos começam como “estagiários” na tropa.
Ao longo desse período inicial, em que passam por experiências em todas as áreas do Gate, como armamentos e explosivos, os snipers podem ser identificados por uma espécie de “olheiro” da polícia. “Nesse momento, a avaliação do perfil psicológico do candidato a sniper policial é mais rigorosa que a avaliação física ou técnica”, explica o Capitão Folkis. Segundo a PM, diante do menor desvio de conduta ou indicação de um possível problema, o policial é desligado.
O treinamento de um atirador de elite dura cerca de dois anos. Só depois desse período ele começa a atuar sem a supervisão de um instrutor. O fato, no entanto, é que um atirador nunca está totalmente sozinho. Ele trabalha em parceria com o observador. E são necessários mais dois anos de experiência para que o sniper policial possa ter autonomia em uma ação. Autonomia essa que só é concedida em cada caso após o "sinal verde" do comandante da operação.
Desde a fundação do Gate, em 1987, os atiradores de elite só tiveram que disparar em sete situações. Mas são chamados de três a quatro vezes por mês. São requisitados principalmente em casos que envolvem reféns sob mira de alguma arma. Também atuam em ações da táticas da polícia, como incursões em ambientes hostis, rebelião em presídios e proteção de autoridades. Em 2001, durante visita do ex-presidente americano Bill Clinton, atuaram em parceria com o FBI, a polícia federal dos Estados Unidos.
Ex-maridos alcoolizados e inconformados que tomam familiares reféns também são personagens comuns em situações que requerem a presença dos snipers brasileiros. Enquanto a negociação se desenrola, os atiradores devem manter inabalados o foco e a concentração. Podem aguentar horas em posição. “Não tem situação mais ou menos complicada, em todas estamos lidando com vidas”, conta Folkis.
O capitão ressalta que, quando é preciso atirar, “o tiro não é para tirar uma vida, mas para salvar outra”. “A atividade de um sniper da polícia e um sniper das Forças Armadas Americanas pode ser bem diferentes, mas com certeza a pressão do momento e a cobrança são as mesmas", diz Folkis. “Uma diferença importante entre os dois é que, para o militar, de um limite pra trás é tudo inimigo e não há uma negociação. Já o sniper policial não pode errar e tem apenas um alvo”, conclui.
Fuzil belga, FN 30-11
Os atiradores podem acertar um alvo de 3 centímetros a uma distância de 100 metros. O capitão Folkis conta que a maior distância de um alvo atingido por um atirador de elite em uma operação com refém foi de 32 metros. Em casos com refém e com boa visibilidade, a mira é direcionada para um ponto entre o lábio superior e o nariz do suspeito.
O novo modelo de fuzil a ser utilizado, o Remington 700
IstoÉ conversou com dois atiradores de elite do
Gate: M.M., de 33 anos, e G. E. de, 34. Ambos repetem as palavras do
Capitão Folkis ao dizer que é “função que escolhe o policial”, não o
oposto. Como diferencial, listam muito estudo técnico e comprometimento.
“Temos situações em que é preciso saber julgar o que é ético, moral e
legal. Nem tudo que é legal é moral”, diz M. “Não julgamos vidas,
julgamos situações”.E. aponta o estresse, a pressão psicológica e a confiança depositada na função os grandes desafios em uma operação com refém. “Nessas situações, precisamos passar confiança para os outros e para o país”. Nas horas vagas, não há a pressão psicológica nem o estresse. Mas eles continuam a lidar com alvos e munições, já que um passatempo frequente são jogos de videogame como Counter Strike e Sniper Hero. O livro “Não Há Dia Fácil”, que narra a operação que resultou na captura e morte de Osama Bin Laden, chegou a ser inspiração para E., que relatou ter usado passagens da obra em situações reais.
E a empolgação é visível ao falar de “Falcão Negro em Perigo”, filme de ação de Ridley Scott que relata uma desastrosa operação dos Estados Unidos na Somália, e das séries "Flashpoint", "The Unit", "Southland" e "Homeland", todas com temática policial ou de segurança. Perguntado sobre qual o sentimento de atuar numa posição de elite da polícia, M. responde: “é como ser escalado para a seleção brasileira”.
Por: Ana Carolina Nunes