"Não atiramos para acabar com uma vida, mas para salvar outra"
Conheça os snipers brasileiros, atiradores de elite da Polícia Militar que jamais podem errar
Os atiradores de elite da PM de SP M., de 33 anos, e E. de, 34: não há margem para erro
Oficialmente, as Forças Armadas dos Estados Unidos registram 160
inimigos abatidos pelo sniper americano Chris Kyle durante as guerras no
Iraque e no Afeganistão. Em sua autobiografia, que virou filme indicado
ao Oscar, Kyle alega que o número de alvos atingidos com sucesso passa
de 200. A história de guerra, heróis, inimigos e patriotismo - com
direção de Clint Eastwood - não agradou a academia e levou apenas uma
estatueta - melhor edição de som -, das seis a que tinha sido
indicada. Aqui no Brasil, onde as atividades das nossas Forças Armadas
são mais limitadas, os atiradores de elite são menos requisitados. Mas
em um país que figura entre os mais violentos do mundo, são os snipers
policiais que estão sempre em alerta.
Enquanto Chris Kyle teve que lidar com terroristas dentro do território
inimigo, os snipers policiais entram em ação contra assaltantes,
traficantes, sequestradores e suicidas. “É a atividade que escolhe
você, não você quem escolhe ser um sniper”, diz o Capitão Ricardo
Orlandi Folkis, do Gate – Grupo de Ações Táticas Especiais, divisão da
polícia militar do estado de São Paulo.
A carreira de um atirador de elite começa com o concurso público para
ingressar na PM. Só após dois anos atuando na patrulha é possível se
candidatar para ingressar no Gate. As inscrições costumam ter mais de
300 candidatos para cerca de 30 vagas. Após testes físicos e
psicológicos, uma avaliação do histórico profissional, que inclui
consulta à Corregedoria, e uma prova escrita, os selecionados para o
curso do Gate passam um mês em treinamento pesado. Ao final, apenas
metade dos estudantes se forma. Mas o Capitão Folkis ressalta que,
apesar do treinamento e do curso intensivos, os recém admitidos começam
como “estagiários” na tropa.
Ao longo desse período inicial, em que passam por experiências em
todas as áreas do Gate, como armamentos e explosivos, os snipers podem
ser identificados por uma espécie de “olheiro” da polícia. “Nesse
momento, a avaliação do perfil psicológico do candidato a sniper
policial é mais rigorosa que a avaliação física ou técnica”, explica o
Capitão Folkis. Segundo a PM, diante do menor desvio de conduta ou
indicação de um possível problema, o policial é desligado.
O treinamento de um atirador de elite dura cerca de dois anos. Só
depois desse período ele começa a atuar sem a supervisão de um
instrutor. O fato, no entanto, é que um atirador nunca está totalmente
sozinho. Ele trabalha em parceria com o observador. E são necessários
mais dois anos de experiência para que o sniper policial possa ter
autonomia em uma ação. Autonomia essa que só é concedida em cada caso após
o "sinal verde" do comandante da operação.
Desde a fundação do Gate, em 1987, os atiradores de elite só tiveram
que disparar em sete situações. Mas são chamados de três a quatro vezes
por mês. São requisitados principalmente em casos que envolvem reféns
sob mira de alguma arma. Também atuam em ações da táticas da polícia,
como incursões em ambientes hostis, rebelião em presídios e proteção de
autoridades. Em 2001, durante visita do ex-presidente americano Bill
Clinton, atuaram em parceria com o FBI, a polícia federal dos Estados
Unidos.
Ex-maridos alcoolizados e inconformados que tomam familiares reféns
também são personagens comuns em situações que requerem a presença dos
snipers brasileiros. Enquanto a negociação se desenrola, os atiradores
devem manter inabalados o foco e a concentração. Podem aguentar horas em
posição. “Não tem situação mais ou menos complicada, em todas estamos
lidando com vidas”, conta Folkis.
O capitão ressalta que, quando é preciso atirar, “o tiro não é para
tirar uma vida, mas para salvar outra”. “A atividade de um sniper da
polícia e um sniper das Forças Armadas Americanas pode ser bem
diferentes, mas com certeza a pressão do momento e a cobrança são as
mesmas", diz Folkis. “Uma diferença importante entre os dois é que, para
o militar, de um limite pra trás é tudo inimigo e não há uma
negociação. Já o sniper policial não pode errar e tem apenas um alvo”,
conclui.
Fuzil belga, FN 30-11
Um fuzil FN 30-11, de fabricação belga, é a ferramenta de trabalho,
ao lado do uniforme com colete à prova de balas, do telemetro (que
mostra distância do alvo e velocidade do vento), do rádio comunicador e
de uma luneta. No momento, uma licitação internacional está em curso
para a troca do FN pelo fuzil Remington 700, de fabricação americana,
calibre 7.62.
Os atiradores podem acertar um alvo de 3 centímetros a uma distância de
100 metros. O capitão Folkis conta que a maior distância de um alvo
atingido por um atirador de elite em uma operação com refém foi de 32
metros. Em casos com refém e com boa visibilidade, a mira é direcionada
para um ponto entre o lábio superior e o nariz do suspeito.
O novo modelo de fuzil a ser utilizado, o Remington 700
IstoÉ conversou com dois atiradores de elite do
Gate: M.M., de 33 anos, e G. E. de, 34. Ambos repetem as palavras do
Capitão Folkis ao dizer que é “função que escolhe o policial”, não o
oposto. Como diferencial, listam muito estudo técnico e comprometimento.
“Temos situações em que é preciso saber julgar o que é ético, moral e
legal. Nem tudo que é legal é moral”, diz M. “Não julgamos vidas,
julgamos situações”.
E. aponta o estresse, a pressão psicológica e a confiança depositada
na função os grandes desafios em uma operação com refém. “Nessas
situações, precisamos passar confiança para os outros e para o país”. Nas horas vagas, não há a pressão psicológica nem o estresse. Mas
eles continuam a lidar com alvos e munições, já que um passatempo frequente são jogos de videogame como Counter Strike e Sniper Hero. O
livro “Não Há Dia Fácil”, que narra a operação que resultou na captura e
morte de Osama Bin Laden, chegou a ser inspiração para E., que relatou
ter usado passagens da obra em situações reais.
E a empolgação é visível ao falar de “Falcão Negro em Perigo”, filme
de ação de Ridley Scott que relata uma desastrosa operação dos Estados
Unidos na Somália, e das séries "Flashpoint", "The Unit", "Southland" e
"Homeland", todas com temática policial ou de segurança. Perguntado sobre qual o sentimento de atuar numa posição de elite da
polícia, M. responde: “é como ser escalado para a seleção brasileira”.
Por: Ana Carolina Nunes