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quinta-feira, 14 de março de 2019

Atirador enganou pai horas antes do ataque em escola de Suzano

'Nunca imaginamos que fariam isso’, dizem vizinhos; adolescente havia largado estudos

Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, levantou ainda de madrugada e caminhou com o pai até a estação de trem, onde costumava chegar às 5h30. Os dois trabalhavam juntos com serviços gerais, retirada de entulho e capinagem. Na estação, Luiz disse ao pai que não estava se sentindo bem, tinha dor de garganta e febre e voltaria para casa. Não voltou. Foi encontrar com o amigo G.T.M., de 17 anos, com quem cometeu o massacre a Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, que deixou cinco alunos e duas funcionárias mortos “A mãe do Luiz me chamou por volta das 9 horas, preocupada, porque o pai disse que o menino tinha voltado para casa e me pediu para ligar para o celular dele”, relatou o aposentado Cesar Abidel, de 53 anos, que mora entre as residências dos dois atiradores.

Os vizinhos estavam acostumados a ver Luiz e o amigo juntos. Todos os dias, por volta das 17 horas, sentavam em frente a uma das casas e passavam horas conversando.  “Só sentavam aí na frente, conversavam e davam risada. Nunca poderíamos imaginar que eles fariam isso”, diz Cida Abidel, de 53 anos, que conhece os pais de Luiz há mais de 30 anos. Filho mais novo (tinha dois irmãos, de 40 e 42 anos), Luiz era muito protegido pelos pais. “Faziam de tudo por ele.” 

Os amigos costumavam ir três a quatro vezes por semana a uma lan house a cinco quadras de suas casas. Ali jogavam os games Call of Duty, Counter Strike e Mortal Kombat. “Se restringiam a dizer boa noite e obrigado”, conta a funcionária Nadia Cordeiro, de 23 anos. 

Reservada
Já a família de G.T.M. é conhecida entre os vizinhos por ser mais reservada. Não se sabe nem ao menos se a mãe morava com ele. Na pequena casa térrea, com muitos brinquedos espalhados no quintal, dizem que ele vivia com duas irmãs, de 7 e 9 anos, e o avô. A avó morreu há alguns meses. “Nunca vimos nada suspeito na casa ou com ele. Só percebíamos que era quieto demais, sempre cabisbaixo”, disse o ajudante geral Michel Aparecido, de 28 anos. Nas redes sociais, G.T.M. costumava publicar comentários sobre jogos de tiros. 

Fora da escola desde 2018, G.T.M. havia abandonado os estudos. Nos últimos cinco meses, fez bico em lanchonetes e trailers no centro. “Sempre na dele, não falava com ninguém. Parecia um pouco deprimido, por ser quieto demais, mas não era capaz de machucar ninguém. Nunca nem o vi levantar a voz”, contou o autônomo Diego Ribeiro, de 20 anos. 
“Ele voltou à escola alegando que iria à secretaria para retomar os estudos”, afirmou nesta quarta-feira, 13, o secretário estadual da Educação, Rossieli Soares. No Instituto Médico-Legal, a mãe de G.T.M. disse a um conhecido não se conformar com o que o filho havia feito, principalmente matar o tio, Jorge Antonio de Moraes, de 51 anos, irmão da mãe. 

Uma equipe do grupo antiterrorismo da Polícia Federal esteve na Escola Estadual Professor Raul Brasil na tarde desta quarta-feira para participar da investigação do ataque que deixou 10 mortos. Segundo fontes da Prefeitura de Suzano, não há ainda indícios de uma ação terrorista maior - os dois atiradores teriam agido sozinhos e de forma pontual, mas nenhuma hipótese está descartada.


O Estado de S. Paulo

 


 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Snipers brasileiros - Nós atiramos para salvar

"Não atiramos para acabar com uma vida, mas para salvar outra"

Conheça os snipers brasileiros, atiradores de elite da Polícia Militar que jamais podem errar

  Os atiradores de elite da PM de SP M., de 33 anos, e E. de, 34: não há margem para erro

Oficialmente, as Forças Armadas dos Estados Unidos registram 160 inimigos abatidos pelo sniper americano Chris Kyle durante as guerras no Iraque e no Afeganistão. Em sua autobiografia, que virou filme indicado ao Oscar, Kyle alega que o número de alvos atingidos com sucesso passa de 200. A história de guerra, heróis, inimigos e patriotismo - com direção de Clint Eastwood - não agradou a academia e levou apenas uma estatueta - melhor edição de som -, das seis a que tinha sido indicada. Aqui no Brasil, onde as atividades das nossas Forças Armadas são mais limitadas, os atiradores de elite são menos requisitados. Mas em um país que figura entre os mais violentos do mundo, são os snipers policiais que estão sempre em alerta.
Enquanto Chris Kyle teve que lidar com terroristas dentro do território inimigo, os snipers policiais entram em ação contra assaltantes, traficantes, sequestradores e suicidas. “É a atividade que escolhe você, não você quem escolhe ser um sniper”, diz o Capitão Ricardo Orlandi Folkis, do Gate Grupo de Ações Táticas Especiais, divisão da polícia militar do estado de São Paulo.

A carreira de um atirador de elite começa com o concurso público para ingressar na PM. Só após dois anos atuando na patrulha é possível se candidatar para ingressar no Gate. As inscrições costumam ter mais de 300 candidatos para cerca de 30 vagas. Após testes físicos e psicológicos, uma avaliação do histórico profissional, que inclui consulta à Corregedoria, e uma prova escrita, os selecionados para o curso do Gate passam um mês em treinamento pesado. Ao final, apenas metade dos estudantes se forma. Mas o Capitão Folkis ressalta que, apesar do treinamento e do curso intensivos, os recém admitidos começam como “estagiários” na tropa.

Ao longo desse período inicial, em que passam por experiências em todas as áreas do Gate, como armamentos e explosivos, os snipers podem ser identificados por uma espécie de “olheiro” da polícia. “Nesse momento, a avaliação do perfil psicológico do candidato a sniper policial é mais rigorosa que a avaliação física ou técnica”, explica o Capitão Folkis. Segundo a PM, diante do menor desvio de conduta ou indicação de um possível problema, o policial é desligado.

O treinamento de um atirador de elite dura cerca de dois anos. Só depois desse período ele começa a atuar sem a supervisão de um instrutor. O fato, no entanto, é que um atirador nunca está totalmente sozinho. Ele trabalha em parceria com o observador. E são necessários mais dois anos de experiência para que o sniper policial possa ter autonomia em uma ação. Autonomia essa que só é concedida em cada caso após o "sinal verde" do comandante da operação.

Desde a fundação do Gate, em 1987, os atiradores de elite só tiveram que disparar em sete situações. Mas são chamados de três a quatro vezes por mês. São requisitados principalmente em casos que envolvem reféns sob mira de alguma arma. Também atuam em ações da táticas da polícia, como incursões em ambientes hostis, rebelião em presídios e proteção de autoridades. Em 2001, durante visita do ex-presidente americano Bill Clinton, atuaram em parceria com o FBI, a polícia federal dos Estados Unidos.

Ex-maridos alcoolizados e inconformados que tomam familiares reféns também são personagens comuns em situações que requerem a presença dos snipers brasileiros. Enquanto a negociação se desenrola, os atiradores devem manter inabalados o foco e a concentração. Podem aguentar horas em posição. “Não tem situação mais ou menos complicada, em todas estamos lidando com vidas”, conta Folkis.

O capitão ressalta que, quando é preciso atirar, “o tiro não é para tirar uma vida, mas para salvar outra”. “A atividade de um sniper da polícia e um sniper das Forças Armadas Americanas pode ser bem diferentes, mas com certeza a pressão do momento e a cobrança são as mesmas", diz Folkis. “Uma diferença importante entre os dois é que, para o militar, de um limite pra trás é tudo inimigo e não há uma negociação. Já o sniper policial não pode errar e tem apenas um alvo, conclui.


 Fuzil belga, FN 30-11
 
Um fuzil FN 30-11, de fabricação belga, é a ferramenta de trabalho, ao lado do uniforme com colete à prova de balas, do telemetro (que mostra distância do alvo e velocidade do vento), do rádio comunicador e de uma luneta. No momento, uma licitação internacional está em curso para a troca do FN pelo fuzil Remington 700, de fabricação americana, calibre 7.62.

Os atiradores podem acertar um alvo de 3 centímetros a uma distância de 100 metros. O capitão Folkis conta que a maior distância de um alvo atingido por um atirador de elite em uma operação com refém foi de 32 metros. Em casos com refém e com boa visibilidade, a mira é direcionada para um ponto entre o lábio superior e o nariz do suspeito.


O novo modelo de fuzil a ser utilizado, o Remington 700
IstoÉ conversou com dois atiradores de elite do Gate: M.M., de 33 anos, e G. E. de, 34. Ambos repetem as palavras do Capitão Folkis ao dizer que é “função que escolhe o policial”, não o oposto. Como diferencial, listam muito estudo técnico e comprometimento. “Temos situações em que é preciso saber julgar o que é ético, moral e legal. Nem tudo que é legal é moral”, diz M. “Não julgamos vidas, julgamos situações”.

E. aponta  o estresse, a pressão psicológica e a confiança depositada na função os grandes desafios em uma operação com refém. “Nessas situações, precisamos passar confiança para os outros e para o país”. Nas horas vagas, não há a pressão psicológica nem o estresse. Mas eles continuam a lidar com alvos e munições, já que um passatempo frequente são jogos de videogame como Counter Strike e Sniper Hero. O livro “Não Há Dia Fácil”, que narra a operação que resultou na captura e morte de Osama Bin Laden, chegou a ser inspiração para E., que relatou ter usado passagens da obra em situações reais.

E a empolgação é visível ao falar de “Falcão Negro em Perigo”, filme de ação de Ridley Scott que relata uma desastrosa operação dos Estados Unidos na Somália, e das séries "Flashpoint", "The Unit", "Southland" e "Homeland", todas com temática policial ou de segurança. Perguntado sobre qual o sentimento de atuar numa posição de elite da polícia, M. responde: “é como ser escalado para a seleção brasileira”.

Por:  Ana Carolina Nunes