Em vez de vender a prova do crime, Petrobras deveria pedir na Justiça suspensão da compra danosa
Em 19 de março de 2014, O Estado de S. Paulo
publicou reportagem de Andreza Matais e Fábio Fabrini, da Sucursal de
Brasília dando conta de que documentos até então inéditos revelavam que a
presidente Dilma Rousseff decidira, em 2006. A favor da compra de 50%
da polêmica refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). A petista era
ministra da Casa Civil e comandava o Conselho de Administração da
Petrobras. Os repórteres informaram, ainda, que, “ao justificar a
decisão ao Estado, ela disse que só apoiou a medida porque recebeu ‘informações incompletas’ de um parecer ‘técnica e juridicamente falho’”.
Refinaria Pasadena comprada pela Petrobrás no Texas (EUA) (Gilberto Tadday/VEJA)
Essa foi sua primeira manifestação
pública sobre o tema e esse “sincericídio” é apontado como tendo sido o
ponto de partida para o processo que a levou ao desfecho do impeachment,
que a apeou da Presidência da República em 12 de maio de 2017. À época
em que a reportagem foi publicada, a aquisição da refinaria já era
investigada pela Polícia Federal (PF), pelo Tribunal de Contas da União
(TCU), pelo Ministério Público Federal (MPF) e até pelo Congresso, por
suspeita de superfaturamento e evasão de divisas.
O conselho da Petrobras, que Dilma
presidiu de 2003 a 2010, quando era ministra de Minas e Energia e,
depois, chefe da Casa Civil, no primeiro desgoverno de seu companheiro,
padrinho e antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, apoiou a compra de 50%
da refinaria por US$ 360 milhões. Posteriormente, por causa de cláusulas
do contrato, a estatal foi obrigada a ficar com 100% da unidade, antes
compartilhada com uma empresa belga, e acabou tendo que desembolsar US$
1,18 bilhão – cerca de R$ 2,76 bilhões.
Na resposta dada ao jornal, a
ex-presidente, em seu estilo habitualmente pouco inteligente e muito
confuso, disse, então, que o material que fundamentara sua decisão em
2006 não trazia justamente a cláusula que obrigaria a Petrobras a ficar
com toda a refinaria. Trata-se da cláusula Put Option, que manda
uma das partes da sociedade comprar a outra em caso de desacordo entre
os sócios. A Petrobras desentendeu-dr sobre investimentos com a belga
Astra Oil, sua sócia. E por isso acabou ficando com 100% da refinaria.
O relatório a que ela se referiu na nota em resposta à informação publicada no Estado,
foi preparado e apresentado no conselho pelo então diretor
internacional da companhia, Nestor Cerveró, que foi preso pela Operação
Lava Jato por envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras. Ele
confessou e, em troca de delação, passou da prisão fechada à domiciliar,
usando tornozeleira. O documento omitia cláusulas do contrato
consideradas prejudiciais à estatal.
Em 5 de maio passado, reportagem do correspondente do Estado em
Genebra, Jamil Chade, deu conta de que a Suíça apura propina de
Pasadena e Abreu e Lima (em Pernambuco). Ou seja, depois de algum tempo
relegado ao esquecimento, o assunto voltou à baila. É muito bom que isso
aconteça, pois o caso da famigerada “Ruivinha” do Texas não pode ser
esquecido. Afinal, trata-se de um tema muito grave e sobre o qual Dilma,
que acaba de ser desmascarada pelo marqueteiro João Santana e pela
mulher dele, Mônica Moura, não deu explicações convincentes que
desmentissem sua incapacidade, como presidente do Conselho de
Administração da estatal, de perceber um negócio tão absurdamente
ruinoso para a maior empresa do Brasil, a joia da coroa estatal
brasileira.
O negócio causou um prejuízo à
Petrobras de US$ 792 milhões. Antes da delação dos marqueteiros, que só
foi revelada na sexta-feira 12 de maio, por decisão do relator da Lava
Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Edson Fachin, o
ex-senador Delcídio Amaral, ex-líder do governo Dilma no Senado, também
em delação premiada, confessou que só ele recebeu do Cerveró US$ 1
milhão oriundo da propina nessa compra. E que a propina global da
“Rusty” atingiu US$ 15 milhões. Até agora, Dilma Rousseff e o então
presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, não foram investigados nem
processados a respeito. Além de Paulo Roberto Costa, o famoso “Paulinho
do Lula”, ex-diretor de Abastecimento e pioneiro entre os delatores da
Lava Jato, só enfrenta as barras da lei o citado ex-diretor da Área
Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró.
Dilma, Gabrielli e Cerveró acusam o Citigroup de ter dado uma fairness opinion,
ou seja, aval de especialista para a compra. Guido Mantega, à época
ministro da Fazenda, também meteu o bedelho e jogou toda a culpa no aval
do Citigroup. Mas esta grande instituição financeira americana tem
desmentido sistematicamente todos eles e afirmado que a fairness opinion
é apenas um instrumento de apoio e não pode substituir a obrigação e
responsabilidade pela tomada de decisão, que recai exclusivamente sobre
os corpos diretivos da estatal. Por mais dúvidas que essa posição do
banco levante, o certo é que não é possível passar ao largo da culpa dos
citados no negócio danoso ao interesse público.
A Operação Lava Jato está apurando os
ilícitos que quase quebraram a Petrobras, entre os quais a aquisição da
“Ruivinha do Texas”, da qual Dilma, Gabrielli e Cerveró participaram e
que terão muito a esclarecer sobre o maior tsunami de corrupção da
História, o chamado petrolão. O coordenador da força-tarefa, procurador
Deltan Dallagnol, refere-se em seu livro A Luta contra a Corrupção,
à venda nas livrarias, a esse episódio grotesco, entre os muitos que
constituem a corrupção a cargo de sua equipe e de policiais federais
responsáveis pela investigação e pela acusação e pelo julgamento dos
culpados, a ser dado pelo juiz Sergio Moro, titular da 13.ª Vara Federal
de Curitiba.
No começo de maio, coincidindo com a notícia do interesse mostrado no caso pelo Ministério Público suíço, o Estado
deu a excelente notícia de que a Petrobras teve lucro de R$ 4,449
bilhões no primeiro trimestre deste ano, revertendo o prejuízo de R$
1,246 bilhão no mesmo período do ano passado. Isso mostra que a empresa
segue por um bom caminho.
No noticiário do grande feito, o
presidente da estatal, Pedro Parente, afirmou estar satisfeito com esses
resultados. Só que, um dia antes dessa boa nova, dada na semana
passada, o jornal também noticiou que a empresa incluiu refinaria de
Pasadena entre os ativos que vai vender para atingir a meta de US$ 21
bilhões de investimentos até o fim do ano que vem. Acontece que Pasadena
custou US$ 1,2 bilhão, pago pela então maior empresa brasileira à
antiga proprietária, a belga Astra Oil, que, meses antes, a havia
adquirido por US$ 42,5 milhões. Pelas contas do TCU, a estatal perdeu
US$ 792 milhões ao fechar o negócio. É simplesmente impossível que a
Petrobras reverta esse prejuízo com a venda. Para o ministro de Minas e
Energia, Fernando Coelho Filho, a estatal tem autonomia para vender
Pasadena e não se deve prender ao fato de a refinaria ser alvo de
investigação por corrupção.
Mas ele está redondamente enganado. O
correto seria a Petrobras entrar na Justiça aqui e nos Estados Unidos
tentando anular a compra da “Ruivinha” do Texas e pedindo ressarcimento
pelo prejuízo de US$ 792 milhões causados à empresa e, portanto, à
União, que representa seus acionistas majoritários, os cidadãos
brasileiros, por essa aquisição danosa e gravosa. Vender a refinaria de
Pasadena é arcar com esse prejuízo, aceitando-o como líquido e certo. A
Petrobras tem o dever de ofício de obter reparações e processar o cartel
de empreiteiras.
O negócio danoso para a estatal e, em
consequência, para o cidadão e contribuinte brasileiro, tem de ser
investigado a fundo e, já que não há como recuperar nem parte ínfima dos
prejuízos, a Petrobras deve participar ativamente dessas investigações,
exigindo reparações na Justiça e punição dos responsáveis por esses
danos. Em nome da excelente gestão que Pedro Parente está realizando na
empresa, é seu dever não deixar essa bola passar por baixo das pernas.
Transcrito da Coluna do Augusto Nunes - VEJA