Joaquim Levy não tem alternativa: demitir-se ou ser demitido
Estão em campo dois Jair Bolsonaro: o populista paz e amor e o poderoso
arrogante, capaz de confrontar os outros Poderes, humilhar o presidente
do BNDES em público e demitir três generais na mesma semana, um deles,
Santos Cruz, prestigiado como “pitbull” na campanha e defenestrado como o
“pitbull” que reagiu ao guru Olavo de Carvalho e defendeu os colegas
militares.
[Bolsonaro ao assumir o governo cometeu uma série de erros, alguns por afobação, outros por inexperiência, outros por confiar em que não merece confiança - seja por ter a tendência de ser traidor ou até mesmo por ter vontade de ajudar e sua ajuda, quando aceita, só atrapalha;
e vai continuar cometendo alguns erros - afinal, ele é humano (é um 'mito' mas, humano.
Apesar de ser um erro POLÍTICO, o confronto com Judiciário e Legislativo é mais uma reação do presidente Bolsonaro a atos praticados pelos confrontados. Com a agravante que no Legislativo além de uma oposição sistemática ao seu governo, Bolsonaro ainda tem que suportar os ataques do Rodrigo Maia - que do alto dos seu setenta e pouco mil votos, age como quinta coluna contra o capitação.
Semana passada Bolsonaro cometeu dois erros - destacados no primeiro parágrafo - e um meio erro (definição aceitável desde que exista também meia gravidez), sendo este o de não demitir Joaquim Levy.
Erro total foi quando aceitou nomear um ex-petista, que serviu a escarrada ex-presidente Dilma, para o seu governo.]
O Jairzinho Paz e Amor participa de toda e qualquer solenidade militar,
como ontem, quando foi até Santa Maria (RS) para o Dia da Infantaria,
uma das Armas mais nobres do Exército. [atualizando: o Dia da Infantaria é o dia 24 de maio; ontem foi comemorado o Dia da Artilharia, com homenagens ao seu patrono - Marechal Emilio Luiz Mallet.] Há, inclusive, uma relação de
causa e efeito entre a demissão de Santos Cruz na quinta-feira e a
solenidade militar no sábado. Primeiro, morde, demitindo um general
prestigiado. Depois, assopra, confraternizando com as forças e
amenizando o desgaste.
Bolsonaro também descobriu onde voltar a ser aplaudido e reverenciado
como na campanha: nos estádios de futebol, como o general Emílio Médici,
no auge do regime militar. [O general Médici era flamenguista, já o presidente Bolsonaro, sua opção por time de futebol é um dos seus erros, é palmeirense.] A lembrança, aliás, é do próprio Bolsonaro.
No jogo Flamengo x CSA, com o ministro Sérgio Moro, ambos foram mimados
com aplausos e camisetas flamenguistas.
Foi a partir daí que, quatro dias depois do início da chamada “crise
Moro”, com o vazamento de conversas do então juiz com procuradores da
Lava Jato, que tanto Bolsonaro fez declarações a favor do ministro
quanto o próprio deu entrevista ao Estado desafiando a publicação de
novas mensagens. Confirmou-se no estádio, ao vivo e em cores, que a sociedade não está
dando bola para os diálogos de Moro com procuradores, que tanto
impactaram o mundo jurídico, principalmente advogados e até mesmo
ministros do Supremo. Moro continua sendo o grande herói do combate à
corrupção e o maior troféu do governo.
Mas o Jair Bolsonaro beligerante continua em ação. A última foi
virtualmente demitir Joaquim Levy do BNDES numa entrevista a
jornalistas: “Estou com ele por aqui”, disse ontem, demonstrando que o
poder está lhe subindo à cabeça e deixando uma só alternativa ao
economista: sair ou sair. Os dois outros generais demitidos foram Franklimberg Ribeiro de Freitas,
da Funai, e Juarez de Paula Cunha, que, como Levy, soube pela imprensa
da sua demissão dos Correios. Assim como Santos Cruz sucumbiu ao “grupo
ideológico”, Franklimberg, que é indígena, não resistiu ao “grupo
ruralista”. Já Juarez Cunha cometeu um erro: discordou da privatização
dos Correios, que o presidente defende. Os militares relevaram essas
duas demissões, mas não se pode dizer o mesmo no caso de Santos Cruz.
Enquanto se considera forte, Bolsonaro também confronta, ora o
Judiciário, ora o Legislativo. Depois alivia para um e para outro, até a
nova investida. Na própria sexta-feira, criticou a decisão do Supremo de criminalizar a homofobia e insistiu num ministro evangélico, ideia
rechaçada na Corte. Para alguns, soa como provocação. [salvo a existência de uma Constituição secreta, a exemplo de outras coisas secretas que existem, a competência constitucional para indicar ministros do STF é do presidente da República e a de aprovar o indicado é do Senado da República.
Conforme a Constituição vigente, o STF não escolhe nem veta (exceto se por decisão política não marcar a data da posse do indicado - atitude que o STM fez nos tempos em que o ex-governador, Aluísio Alves, já falecido, foi indicado.
Pode também o Supremo, se provocado (apesar de uns tempos para cá o STF agir 'de ofício') julgar eventual ação, fundamentada, contra o indicado.]
Não por isso, mas muito significativamente, o STF impôs uma derrota ao
presidente no primeiro julgamento de interesse do governo, vetando o uso
de decretos para a extinção de conselhos criados por lei. No mesmo dia,
duas outras derrotas: no Senado, a CCJ considerou inconstitucional o
decreto de porte de armas, uma das obsessões da família Bolsonaro,
enquanto a Câmara anunciava que Estados e municípios ficariam de fora da reforma da Previdência. Também
durão, o ministro Paulo Guedes acusou o Congresso de “ceder ao lobby” e
“abortar a reforma” ao reduzir a economia prevista para dez anos.
Rodrigo Maia deu o troco, chamando o governo de “usina de crises”.
Enquanto Bolsonaro for identificado (com ou sem razão) como o único
capaz de impedir o PT e combater a corrupção, a sociedade não lhe
cobrará os erros e lhe atribuirá as vitórias conquistadas pelos outros.
Só não se sabe até quando.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo