José Casado
Construção do impedimento está se tornando fato político
Quem assistiu ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril pôde
confirmar: o governo resolveu preencher com palavras o vazio de ideias
sobre a crise humanitária. Morreram mais de 16 mil pessoas até ontem. São 1.105% mais vítimas do
que o país possuía apenas um mês atrás. É como se, em quatro semanas,
houvesse desaparecido a população inteira de cidades do tamanho de
Sumidouro, no Rio, Pindorama, em São Paulo, ou Canudos, na Bahia. As cenas gravadas são de inusual crueza. O Planalto surge como centro de
um pandemônio político na pandemia. Bolsonaro e alguns ministros se
desqualificam em atmosfera de vulgaridades, incapazes de discernir entre
a realidade e a fantasia autoritária. Confirmam a ironia do vice
Hamilton Mourão: “Está tudo sob controle... só não se sabe de quem.”
O vídeo contém fragmentos de um processo de suicídio político, em câmera
lenta. É parte do mosaico de autoflagelo que justifica pressões
crescentes, hoje materializadas em três dezenas de pedidos de
impeachment. Elas aguardam decisão do presidente da Câmara, Rodrigo
Maia. [atenção: a decisão do deputado Maia, se favorável, apenas encaminha o processo ao plenário da Câmara dos Deputados para decidir se aceita ou não.
Se o mínimo de 342 deputados votarem pela aceitação, o processo seguirá para o passo seguinte.
Se apenas 341 aceitarem, o pedido irá para o arquivo = lixo.
Com quórum de 341 deputados a sessão não será sequer aberta.] Há pedido no STF para impor à Câmara uma rápida resolução dos
requerimentos sobre o impedimento de Bolsonaro. O Supremo vai decidir
sobre o tempo de Maia para aceitar ou recusar. [O Supremo decide sobre tudo; se conveniente, o STF pode decidir á que se tratando do impeachment do presidente Bolsonaro, 257 votos a favor, valem por 342.] O caso é relatado pelo
juiz Celso de Mello e tem desfecho previsto para esta semana. Maia
alegou que não há prazo regimental, mas especialistas acham que o
tribunal tende a reconhecer o direito de petição, e a obrigação de
resposta diligente do servidor público.
A construção do impedimento está se tornando fato político, a despeito
da decisão do procurador-geral sobre eventual crime de responsabilidade
ou de Maia rejeitar os atuais pedidos de impeachment.
É impossível prever o desfecho, mas Bolsonaro percebeu o quanto já
aumentou o custo da sua permanência no poder. Ontem entregou ao grupo de
Valdemar Costa Neto, do PL, notório ex-presidiário do mensalão, o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde se gasta por ano o
equivalente a 20% do orçamento do Ministério da Saúde.
José Casado - Coluna em O Globo