O problema de Macron é a falta de meios para impor-se a Bolsonaro no terreno, se não tiver o apoio político e operacional de Donald Trump. Como no judô, o francês conseguiu boa pegada no quimono adversário. Mas faltam-lhe músculos para executar o ippon. E chegamos à situação curiosa: a Doutrina Monroe talvez venha a servir para seu anunciado propósito original, avisar aos europeus que fiquem longe das Américas. [e ainda temos a do 'Big Stick'.]
As coisas estão meio desarrumadas nesse assunto, a ponto de uma bandeira histórica da esquerda, “A Amazônia é nossa”, passear agora pelas mãos da direita, enquanto o progressismo parece acreditar que as potências ditas ocidentais querem salvar o planeta. E o General Eduardo Villas Bôas, referência política maior do Exército, recordou com viés positivo a memória do comunista Ho Chi Minh para dizer o que pensa a respeito dos ímpetos coloniais franceses. [os franceses não são confiáveis;
certamente o ilustre articulista lembra que na Guerra das Malvinas, os franceses forneciam mísseis 'exocet' para os hermanos e ao mesmo tempo passavam os códigos operacionais para os ingleses, traição que foi fator decisivo na derrota argentina.]
É sempre bom ter cautela nestas situações, os laços de solidariedade entre os países do chamado mundo livre costumam prevalecer quando se trata de impor a ordem neocolonial. Que o diga Leopoldo Galtieri, miseravelmente abandonado por Ronald Reagan na Guerra das Malvinas. [foi uma ingenuidade pueril o general argentino confiar nos EUA da América em um conflito Argentina x Inglaterra.] Ficar mais inteligente com o infortúnio alheio, no caso um infortúnio argentino, também é sinal de sabedoria. E dói muito menos para quem precisa aprender. Algumas lições já estão disponíveis do episódio. Uma é a exigência de profissionalismo nas relações com outros países. Outra, e muito mais importante: nas Américas e no dito Ocidente persiste uma contradição potencial entre buscar a soberania nacional e alinhar-se ao ocidentalismo radical, hoje na moda. A contradição não é insolúvel, mas precisa ser administrada com cuidado porque a chance de desandar é permanente.
Para complicar, o mundo anda em guerra, por enquanto comercial e de informação, mas não só. A Europa ambiciona estender sua área de influência contra a Rússia mais e mais a leste, os Estados Unidos estimulam o separatismo entre os chineses e fazem tudo pera evitar que o Império do Meio assuma a liderança da economia mundial, inevitável se os herdeiros de Mao continuarem se beneficiando das khruschevistas coexistência e competição pacíficas.
Haja desarrumação.
Bolsonaro precisa então, simultaneamente,
1) continuar amigo de Trump confiando que este vai protegê-lo do apetite europeu/francês,
2) não se afastar tanto assim da China e da Rússia pois ninguém sabe o dia de amanhã,
3) explorar a contradição entre a França, que resiste a precisar importar mais comida brasileira, e a Alemanha, que quer exportar mais máquinas para o Brasil, e
4) administrar a opinião pública interna, intoxicada pela narrativa benevolente pró globalização com face humana.
Talvez a tarefa de aprender a pilotar o avião em pleno voo e com fortes turbulências acabe convencendo o presidente de duas coisas. A primeira: ideologia demais atrapalha. A segunda, e um princípio fundamental da política: nunca seja tão amigo de alguém a ponto de não poder romper com ele, nem tão inimigo que você não possa um dia se aliar. Principalmente quando você não é a força dominante no tabuleiro político, ou militar.
Sempre é tempo de aprender e melhorar. Uma dica: a biografia de Getúlio Vargas do Lira Neto. Especialmente o trecho sobre a Segunda Guerra. Outra dica: os livros do Elio Gaspari sobre a ditadura, especialmente o pedaço das relações de Ernesto Geisel com os americanos. Uma terceira dica: um inimigo externo sempre é útil nas crises, mas estimular permanentemente a divisão doméstica cobra um preço quando a ameaça real vem de fora.
Análise Política - Alon Feuerwerker, jornalista e analista político