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sexta-feira, 4 de março de 2022

Os negros e o Partido Republicano - Revista Oeste

John James, Candace Owens, Larry Elder, Winsome Sears, Vernon Jones e Herschel Walker | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
John James, Candace Owens, Larry Elder, Winsome Sears, Vernon Jones e Herschel Walker | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O mundo assiste hoje, e quase em tempo real, à guerra na Ucrânia. Imagens de soldados russos e ucranianos, assim como de civis fugindo do terror da guerra, são divulgadas pelas redes sociais numa velocidade impressionante. No entanto, mesmo em um mundo globalmente conectado devido aos grandes avanços tecnológicos, checar a veracidade de imagens e informações pode ser uma tarefa difícil. Em meio a tanques e armamento militar pesado, a guerra das narrativas também é um estado atual do conflito na Ucrânia. A propaganda que os lados divulgam, no entanto, não é uma arma recente em situações como essa. Propagandistas na mídia atuam como soldados disciplinados. E nem é preciso um mundo conectado à tecnologia como o atual para que um ataque à verdade seja iniciado, bastam os jornalistas certos para as causas de cada lado.

Na década de 1890, o governo espanhol e os nacionalistas cubanos começaram a lutar pelo desejo de Cuba de ser independente da Espanha. Em 1895, Cuba e Porto Rico eram as últimas propriedades coloniais daquele país no hemisfério ocidental e, para lutar contra as revoltas, o governo espanhol começou a realocar vilas cubanas para suprimir qualquer ajuda que os rebeldes pudessem estar recebendo. Ao mover essas aldeias, milhares de civis começaram a passar fome, adoecer e morrer.

Enquanto alguns líderes cubanos não queriam que os Estados Unidos interferissem, outros procuraram os Estados Unidos em busca de ajuda. Na América, as pessoas simpatizavam com os cubanos que lutavam pela independência de seu país natal, uma vez que sua luta lembrava a batalha das colônias pela independência dos britânicos, em 1776. Os Estados Unidos entrariam na Guerra Hispano-Americana em abril de 1898 para ajudar Cuba a alcançar a independência — e um dos fatores que contribuíram para que os cidadãos norte-americanos exigissem que o país entrasse no conflito foi o chamado “jornalismo amarelo”.

O yellow journalism nada mais era do que o sensacionalismo de histórias na mídia. Durante o final dos anos 1800, os gigantes da mídia americana William Randolf Hearst e Joseph Pulitzer competiam para vender jornais. Para ganhar leitores, Hearst e Pulitzer frequentemente permitiam que seus repórteres exagerassem nos fatos e nos detalhes de suas histórias. O modus operandi da imprensa de hoje não é uma coisa tão nova assim.

A luta cubana pela independência, claro, ganhou a atenção de Pulitzer e Hearst, que enviaram repórteres a Cuba para contar as histórias dos campos de concentração cubanos liderados pelo general espanhol Butcher Weyler. A cobertura sobre os conflitos e o sofrimento que ocorriam em Cuba chamou a atenção do público norte-americano, envolvendo emocionalmente os leitores. Para aumentar a indignação e as tensões entre os países, uma carta roubada de Enrique Depuy de Lome, ministro espanhol, com comentários negativos sobre o presidente norte-americano William McKinley foi publicada — embora esse não tenha sido o estopim para a entrada norte-americana na guerra. Então, em 15 de fevereiro de 1898, o navio americano USS Maine explodiu no Porto de Havana, evento que colocaria os Estados Unidos de vez no conflito. O governo dos EUA havia enviado originalmente o Maine a Cuba para proteger os interesses econômicos norte-americanos e prover informações sobre a batalha, mas Pulitzer e Hearst publicaram rapidamente que a explosão tinha sido um ataque espanhol.

A Marinha dos Estados Unidos começou a investigar a explosão do navio e determinou que ela não havia sido resultado de atos subversivos, mas de um mau funcionamento do navio. Enquanto as descobertas da Marinha dos EUA eram anunciadas, a cobertura jornalística sensacionalista da explosão motivou o público norte-americano a pedir ao governo que declarasse guerra à Espanha. Nunca houve retratação pelas fakes news da época.

O racismo republicano
Mas esse “jornalismo amarelo” não é exclusividade de eventos em guerras apenas. A maneira como esses agentes atuam, seja na imprensa seja com revisionismos factuais, pode ser eficiente e apagar as verdadeiras páginas dos livros de história. Uma atuação eficaz, que rende frutos até hoje na sociedade norte-americana, foi o brilhante twist histórico entoado por centenas de historiadores e jornalistas militantes de que o Partido Republicano nos EUA, o GOP, é um partido racista, que sempre pregou a segregação das minorias, principalmente dos negros.

Fundado em 1854, o Partido Republicano foi criado para promover a igualdade afro-americana e lutar pela liberdade dos negros, um dos pilares da Guerra Civil, o conflito que mais matou norte-americanos na história. Abraham Lincoln e os Republicanos Radicais no Congresso lutaram para acabar com a escravidão e dar aos negros cidadania plena. A própria Guerra Civil desmonta a falácia de que republicanos são racistas desde a sua origem, já que o partido foi criado exatamente para combater os racistas democratas do sul. Regimentos compostos de negros durante a Guerra Civil Americana existiram apenas no norte, onde os republicanos abolicionistas conduziam seus Estados livres. (Recomendo o filme “Tempo de Glória”, de 1989, com Denzel Washington, Morgan Freeman e Matthew Broderick, que conta a história real do 54º Regimento de Infantaria de Massachusetts, o primeiro regimento afro-americano do Exército da União na Guerra Civil Americana.) Intelectuais, jornalistas e professores negros eram todos atrelados ao Partido Republicano, que promovia a congregação de todos os cidadãos.

Logo após a Guerra de Secessão e nas décadas seguintes, os primeiros políticos eleitos — com muito suor e luta contra o preconceito — eram todos do Partido Republicano. Os democratas administravam praticamente todos os Estados do sul e, mesmo após a Guerra Civil, trataram de aprovar legislações segregacionistas, as chamadas Jim Crow Laws — leis que excluíam e separavam os negros da vida cotidiana na sociedade norte-americana.

Por mais que tentem esconder nos porões do atual debate público, o conservadorismo negro e suas raízes antirracistas estão enraizados em várias comunidades de ascendência africana nos EUA. Os conservadores negros enfatizam o tradicionalismo, o patriotismo, a autossuficiência e o forte apelo cultural e social dentro do contexto da igreja cristã. A era da Reconstrução iniciou a maior mudança de afro-americanos conservadores na história moderna da política norte-americana. Durante esse período, os eleitores negros começaram a se alinhar mais com o Partido Republicano e suas ideologias conservadoras, que promoviam a liberdade, não apenas física, mas intelectual.

O preconceito da imprensa
Nas últimas três décadas, um tipo de conservadorismo defendido por um grupo de intelectuais negros tornou-se um marco no cenário político da América, promovendo debates políticos sobre alguns dos assuntos mais urgentes que confrontam a sociedade norte-americana contemporânea. Suas ideias foram negligenciadas por estudiosos da experiência afro-americana, e grande parte da responsabilidade de explicar o significado histórico e contemporâneo do conservadorismo negro recaiu sobre jornalistas altamente alinhados com o Partido Democrata. Normalmente, esses “especialistas” retratam os conservadores negros como estúpidos e incoerentes. Condolezza Rice, Ben Carson, Larry Elder, Candace Owens, o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas, os escritores e economistas Shelby Stelle e Walter Williams, Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr, e até o espetacular e necessário Thomas Sowell são constantemente chamados de Uncle Toms, uma expressão pejorativa, algo como “capitão do mato” no Brasil.

A mídia continua a se voltar preguiçosamente para o Black Lives Matter, como se esse grupo falasse por todos os negros

Thomas Sowell já se acostumou com um certo olhar da mídia progressista, geralmente de entrevistadores brancos. Eles sempre questionam como um conservador negro consegue lidar com críticas dos colegas negros. Em uma entrevista recente, Sowell, agora com 90 anos, desafiou a premissa de que os negros estão mais alinhados com as políticas dos progressistas democratas: “Não sei se podemos dizer que vou contra a corrente dos afro-americanos”, disse. “Não acho que colegas intelectuais negros sejam diferentes dos intelectuais brancos. Todos eles estão desalinhados com o que a comunidade, de fato, pensa. Negros regularmente me param em público e elogiam minhas opiniões. Quando saí do meu hotel nesta manhã, o segurança negro veio e disse: ‘Você é o Sowell?’; eu disse, ‘sim’. Ele andou comigo por todo o corredor e conversamos sobre isso e sobre aquilo… Então, não é Sowell contra negros. São os intelectuais progressistas negros”.

Sowell tem um escopo distinto de trabalho em teoria social e história econômica que é separado de seus estudos sobre raça, cultura e desigualdade. O grande volume dos textos e artigos de Thomas Sowell é superado por poucos contemporâneos, negros ou não. A amplitude e a profundidade de sua erudição tornam o rótulo “conservador negro”, seja qual for a definição do termo, limitada demais. Sua vasta obra será estudada e apreciada por muito tempo depois que ele partir.

Black Lives Matter
E a longa história de confundir os interesses de norte-americanos negros com os de organizações negras, jornalistas negros, acadêmicos negros e outras elites segue firme. 
A mídia continua a se voltar preguiçosamente para esses grupos, como o Black Lives Matter, como se eles falassem por todos os negros. 
Felecia Killings, uma jovem negra e CEO do Movimento Conservador Consciente, viaja o país contando sua história e despertando jovens negros das correntes que muitos têm com os democratas progressistas. Killings conta que seu pai a criou para ser conservadora e explica ainda que os negros norte-americanos são conservadores em seus valores. 
 
Sua organização, Conscious Conservative, tenta preencher a lacuna de educação e treinamento entre os negros norte-americanos e o conservadorismo, defendido pelo Partido Republicano: “Trata-se de entender a história negra, trata-se de entender que essa história está do lado do conservadorismo e, se pudermos adotar essas mensagens de uma maneira mais firme, em oposição a uma maneira degradante e desumanizante, veremos mais negros norte-americanos, millennials negros, especialmente entre os eleitores negros do sexo masculino; e começaremos a ver mais deles se alinhando com a política conservadora. Só o conservadorismo protege nossa liberdade e nossa crescente riqueza que estamos construindo avidamente dia após dia”.

Os comentários da jovem Killings vieram depois que Winsome Sears, vice-governadora eleita da Virgínia, tornou-se a primeira mulher negra a ser eleita em todo o Estado. Sears, candidata do Partido Republicano, atribuiu sua vitória ao fato de os eleitores estarem cansados de ver negros e brancos sendo colocados uns contra os outros: “Eles estão cansados de negros contra brancos e asiáticos contra latinos. Eles estão cansados disso e estão cansados de políticos que não deixam as feridas do passado cicatrizarem”.

Apesar de sua derrota nas eleições de 2020, o ex-presidente Donald Trump pode se gabar de um sucesso que intrigou os pesquisadores — ele era mais popular entre os eleitores de minorias étnicas do que em 2016, e o republicano presidencial com o maior número de votos nesses grupos desde 1969. Alguns podem achar isso surpreendente, já que seus críticos o acusaram durante quatro anos de racismo. Trump negava as acusações e acusava os democratas de subestimar os eleitores afro-americanos. Enquanto na Casa Branca o republicano foi ativo em políticas como independência financeira para as comunidades negras e latinas, com a implementação de programas eficazes de isenção fiscal, entre eles o “Opportunity Zones” para condados com baixo investimento do capital privado. Também cortou fundos federais para a indústria do aborto e suas clínicas espalhadas principalmente nas comunidades negras, o que fez elevar sua aprovação entre negros e latinos cristãos.

Questões como a imigração, sobre a qual o presidente Trump foi notoriamente linha-dura, a comunidade latina se mostrou menos monolítica do que alguns supõem. Uma pesquisa Gallup de 2017, por exemplo, descobriu que 67% dos hispânicos disseram que se preocupavam muito ou bastante com a imigração ilegal — número maior do que a proporção de brancos não hispânicos (59%), que responderam da mesma maneira. O presidente republicano ganhou seis pontos porcentuais entre os homens negros em 2020 e cinco pontos porcentuais entre as mulheres hispânicas. Isso significa que alguns eleitores mudaram de ideia, depois de não votar nele ou votar em outro candidato em 2016.

(...)

Quando em 2022 um lado do espectro político-ideológico ainda prega a segregação silenciosa, baseada na ideia de que a cor de sua pele pode predominar sobre o seu caráter, o que eu posso dizer é que sinto muito por essas pessoas. Por pura cegueira ideológica, alimentada por sementes vis de políticos racistas e inescrupulosos, eles deixam de ler e conhecer homens como Wilson William e Thomas Sowell. Homens que além, muito além da cor da pele engrandecem, expandem e enriquecem o mundo das ideias de todos nós.

Leia também “Tempo de escolha”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste