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sexta-feira, 4 de março de 2022

Os negros e o Partido Republicano - Revista Oeste

John James, Candace Owens, Larry Elder, Winsome Sears, Vernon Jones e Herschel Walker | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
John James, Candace Owens, Larry Elder, Winsome Sears, Vernon Jones e Herschel Walker | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O mundo assiste hoje, e quase em tempo real, à guerra na Ucrânia. Imagens de soldados russos e ucranianos, assim como de civis fugindo do terror da guerra, são divulgadas pelas redes sociais numa velocidade impressionante. No entanto, mesmo em um mundo globalmente conectado devido aos grandes avanços tecnológicos, checar a veracidade de imagens e informações pode ser uma tarefa difícil. Em meio a tanques e armamento militar pesado, a guerra das narrativas também é um estado atual do conflito na Ucrânia. A propaganda que os lados divulgam, no entanto, não é uma arma recente em situações como essa. Propagandistas na mídia atuam como soldados disciplinados. E nem é preciso um mundo conectado à tecnologia como o atual para que um ataque à verdade seja iniciado, bastam os jornalistas certos para as causas de cada lado.

Na década de 1890, o governo espanhol e os nacionalistas cubanos começaram a lutar pelo desejo de Cuba de ser independente da Espanha. Em 1895, Cuba e Porto Rico eram as últimas propriedades coloniais daquele país no hemisfério ocidental e, para lutar contra as revoltas, o governo espanhol começou a realocar vilas cubanas para suprimir qualquer ajuda que os rebeldes pudessem estar recebendo. Ao mover essas aldeias, milhares de civis começaram a passar fome, adoecer e morrer.

Enquanto alguns líderes cubanos não queriam que os Estados Unidos interferissem, outros procuraram os Estados Unidos em busca de ajuda. Na América, as pessoas simpatizavam com os cubanos que lutavam pela independência de seu país natal, uma vez que sua luta lembrava a batalha das colônias pela independência dos britânicos, em 1776. Os Estados Unidos entrariam na Guerra Hispano-Americana em abril de 1898 para ajudar Cuba a alcançar a independência — e um dos fatores que contribuíram para que os cidadãos norte-americanos exigissem que o país entrasse no conflito foi o chamado “jornalismo amarelo”.

O yellow journalism nada mais era do que o sensacionalismo de histórias na mídia. Durante o final dos anos 1800, os gigantes da mídia americana William Randolf Hearst e Joseph Pulitzer competiam para vender jornais. Para ganhar leitores, Hearst e Pulitzer frequentemente permitiam que seus repórteres exagerassem nos fatos e nos detalhes de suas histórias. O modus operandi da imprensa de hoje não é uma coisa tão nova assim.

A luta cubana pela independência, claro, ganhou a atenção de Pulitzer e Hearst, que enviaram repórteres a Cuba para contar as histórias dos campos de concentração cubanos liderados pelo general espanhol Butcher Weyler. A cobertura sobre os conflitos e o sofrimento que ocorriam em Cuba chamou a atenção do público norte-americano, envolvendo emocionalmente os leitores. Para aumentar a indignação e as tensões entre os países, uma carta roubada de Enrique Depuy de Lome, ministro espanhol, com comentários negativos sobre o presidente norte-americano William McKinley foi publicada — embora esse não tenha sido o estopim para a entrada norte-americana na guerra. Então, em 15 de fevereiro de 1898, o navio americano USS Maine explodiu no Porto de Havana, evento que colocaria os Estados Unidos de vez no conflito. O governo dos EUA havia enviado originalmente o Maine a Cuba para proteger os interesses econômicos norte-americanos e prover informações sobre a batalha, mas Pulitzer e Hearst publicaram rapidamente que a explosão tinha sido um ataque espanhol.

A Marinha dos Estados Unidos começou a investigar a explosão do navio e determinou que ela não havia sido resultado de atos subversivos, mas de um mau funcionamento do navio. Enquanto as descobertas da Marinha dos EUA eram anunciadas, a cobertura jornalística sensacionalista da explosão motivou o público norte-americano a pedir ao governo que declarasse guerra à Espanha. Nunca houve retratação pelas fakes news da época.

O racismo republicano
Mas esse “jornalismo amarelo” não é exclusividade de eventos em guerras apenas. A maneira como esses agentes atuam, seja na imprensa seja com revisionismos factuais, pode ser eficiente e apagar as verdadeiras páginas dos livros de história. Uma atuação eficaz, que rende frutos até hoje na sociedade norte-americana, foi o brilhante twist histórico entoado por centenas de historiadores e jornalistas militantes de que o Partido Republicano nos EUA, o GOP, é um partido racista, que sempre pregou a segregação das minorias, principalmente dos negros.

Fundado em 1854, o Partido Republicano foi criado para promover a igualdade afro-americana e lutar pela liberdade dos negros, um dos pilares da Guerra Civil, o conflito que mais matou norte-americanos na história. Abraham Lincoln e os Republicanos Radicais no Congresso lutaram para acabar com a escravidão e dar aos negros cidadania plena. A própria Guerra Civil desmonta a falácia de que republicanos são racistas desde a sua origem, já que o partido foi criado exatamente para combater os racistas democratas do sul. Regimentos compostos de negros durante a Guerra Civil Americana existiram apenas no norte, onde os republicanos abolicionistas conduziam seus Estados livres. (Recomendo o filme “Tempo de Glória”, de 1989, com Denzel Washington, Morgan Freeman e Matthew Broderick, que conta a história real do 54º Regimento de Infantaria de Massachusetts, o primeiro regimento afro-americano do Exército da União na Guerra Civil Americana.) Intelectuais, jornalistas e professores negros eram todos atrelados ao Partido Republicano, que promovia a congregação de todos os cidadãos.

Logo após a Guerra de Secessão e nas décadas seguintes, os primeiros políticos eleitos — com muito suor e luta contra o preconceito — eram todos do Partido Republicano. Os democratas administravam praticamente todos os Estados do sul e, mesmo após a Guerra Civil, trataram de aprovar legislações segregacionistas, as chamadas Jim Crow Laws — leis que excluíam e separavam os negros da vida cotidiana na sociedade norte-americana.

Por mais que tentem esconder nos porões do atual debate público, o conservadorismo negro e suas raízes antirracistas estão enraizados em várias comunidades de ascendência africana nos EUA. Os conservadores negros enfatizam o tradicionalismo, o patriotismo, a autossuficiência e o forte apelo cultural e social dentro do contexto da igreja cristã. A era da Reconstrução iniciou a maior mudança de afro-americanos conservadores na história moderna da política norte-americana. Durante esse período, os eleitores negros começaram a se alinhar mais com o Partido Republicano e suas ideologias conservadoras, que promoviam a liberdade, não apenas física, mas intelectual.

O preconceito da imprensa
Nas últimas três décadas, um tipo de conservadorismo defendido por um grupo de intelectuais negros tornou-se um marco no cenário político da América, promovendo debates políticos sobre alguns dos assuntos mais urgentes que confrontam a sociedade norte-americana contemporânea. Suas ideias foram negligenciadas por estudiosos da experiência afro-americana, e grande parte da responsabilidade de explicar o significado histórico e contemporâneo do conservadorismo negro recaiu sobre jornalistas altamente alinhados com o Partido Democrata. Normalmente, esses “especialistas” retratam os conservadores negros como estúpidos e incoerentes. Condolezza Rice, Ben Carson, Larry Elder, Candace Owens, o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas, os escritores e economistas Shelby Stelle e Walter Williams, Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr, e até o espetacular e necessário Thomas Sowell são constantemente chamados de Uncle Toms, uma expressão pejorativa, algo como “capitão do mato” no Brasil.

A mídia continua a se voltar preguiçosamente para o Black Lives Matter, como se esse grupo falasse por todos os negros

Thomas Sowell já se acostumou com um certo olhar da mídia progressista, geralmente de entrevistadores brancos. Eles sempre questionam como um conservador negro consegue lidar com críticas dos colegas negros. Em uma entrevista recente, Sowell, agora com 90 anos, desafiou a premissa de que os negros estão mais alinhados com as políticas dos progressistas democratas: “Não sei se podemos dizer que vou contra a corrente dos afro-americanos”, disse. “Não acho que colegas intelectuais negros sejam diferentes dos intelectuais brancos. Todos eles estão desalinhados com o que a comunidade, de fato, pensa. Negros regularmente me param em público e elogiam minhas opiniões. Quando saí do meu hotel nesta manhã, o segurança negro veio e disse: ‘Você é o Sowell?’; eu disse, ‘sim’. Ele andou comigo por todo o corredor e conversamos sobre isso e sobre aquilo… Então, não é Sowell contra negros. São os intelectuais progressistas negros”.

Sowell tem um escopo distinto de trabalho em teoria social e história econômica que é separado de seus estudos sobre raça, cultura e desigualdade. O grande volume dos textos e artigos de Thomas Sowell é superado por poucos contemporâneos, negros ou não. A amplitude e a profundidade de sua erudição tornam o rótulo “conservador negro”, seja qual for a definição do termo, limitada demais. Sua vasta obra será estudada e apreciada por muito tempo depois que ele partir.

Black Lives Matter
E a longa história de confundir os interesses de norte-americanos negros com os de organizações negras, jornalistas negros, acadêmicos negros e outras elites segue firme. 
A mídia continua a se voltar preguiçosamente para esses grupos, como o Black Lives Matter, como se eles falassem por todos os negros. 
Felecia Killings, uma jovem negra e CEO do Movimento Conservador Consciente, viaja o país contando sua história e despertando jovens negros das correntes que muitos têm com os democratas progressistas. Killings conta que seu pai a criou para ser conservadora e explica ainda que os negros norte-americanos são conservadores em seus valores. 
 
Sua organização, Conscious Conservative, tenta preencher a lacuna de educação e treinamento entre os negros norte-americanos e o conservadorismo, defendido pelo Partido Republicano: “Trata-se de entender a história negra, trata-se de entender que essa história está do lado do conservadorismo e, se pudermos adotar essas mensagens de uma maneira mais firme, em oposição a uma maneira degradante e desumanizante, veremos mais negros norte-americanos, millennials negros, especialmente entre os eleitores negros do sexo masculino; e começaremos a ver mais deles se alinhando com a política conservadora. Só o conservadorismo protege nossa liberdade e nossa crescente riqueza que estamos construindo avidamente dia após dia”.

Os comentários da jovem Killings vieram depois que Winsome Sears, vice-governadora eleita da Virgínia, tornou-se a primeira mulher negra a ser eleita em todo o Estado. Sears, candidata do Partido Republicano, atribuiu sua vitória ao fato de os eleitores estarem cansados de ver negros e brancos sendo colocados uns contra os outros: “Eles estão cansados de negros contra brancos e asiáticos contra latinos. Eles estão cansados disso e estão cansados de políticos que não deixam as feridas do passado cicatrizarem”.

Apesar de sua derrota nas eleições de 2020, o ex-presidente Donald Trump pode se gabar de um sucesso que intrigou os pesquisadores — ele era mais popular entre os eleitores de minorias étnicas do que em 2016, e o republicano presidencial com o maior número de votos nesses grupos desde 1969. Alguns podem achar isso surpreendente, já que seus críticos o acusaram durante quatro anos de racismo. Trump negava as acusações e acusava os democratas de subestimar os eleitores afro-americanos. Enquanto na Casa Branca o republicano foi ativo em políticas como independência financeira para as comunidades negras e latinas, com a implementação de programas eficazes de isenção fiscal, entre eles o “Opportunity Zones” para condados com baixo investimento do capital privado. Também cortou fundos federais para a indústria do aborto e suas clínicas espalhadas principalmente nas comunidades negras, o que fez elevar sua aprovação entre negros e latinos cristãos.

Questões como a imigração, sobre a qual o presidente Trump foi notoriamente linha-dura, a comunidade latina se mostrou menos monolítica do que alguns supõem. Uma pesquisa Gallup de 2017, por exemplo, descobriu que 67% dos hispânicos disseram que se preocupavam muito ou bastante com a imigração ilegal — número maior do que a proporção de brancos não hispânicos (59%), que responderam da mesma maneira. O presidente republicano ganhou seis pontos porcentuais entre os homens negros em 2020 e cinco pontos porcentuais entre as mulheres hispânicas. Isso significa que alguns eleitores mudaram de ideia, depois de não votar nele ou votar em outro candidato em 2016.

(...)

Quando em 2022 um lado do espectro político-ideológico ainda prega a segregação silenciosa, baseada na ideia de que a cor de sua pele pode predominar sobre o seu caráter, o que eu posso dizer é que sinto muito por essas pessoas. Por pura cegueira ideológica, alimentada por sementes vis de políticos racistas e inescrupulosos, eles deixam de ler e conhecer homens como Wilson William e Thomas Sowell. Homens que além, muito além da cor da pele engrandecem, expandem e enriquecem o mundo das ideias de todos nós.

Leia também “Tempo de escolha”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


sábado, 11 de dezembro de 2021

Critério de antiguidade para o STF - Modesto Carvalhosa

O Globo

A Constituição de 1988 outorga ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do STF, dos tribunais superiores e ainda a de nomear os desembargadores federais. Esse poder absoluto do chefe de Estado suscita crescente desconforto e inconformismo na sociedade brasileira, diante da progressiva distorção dos critérios utilizados para o preenchimento das vagas nesses tribunais.

Para ingressar no STF, a Constituição exige do indicado notório saber jurídico e reputação ilibada, requisitos indispensáveis para a qualidade e a imparcialidade dos julgados e para o distanciamento de influências políticas no sagrado mister de decidir sobre matéria constitucional. [exemplos recentes colocam em dúvida se o critério notório saber jurídico é sempre atendido.]

A prerrogativa do chefe do Executivo de escolher os magistrados na esfera federal tem sua origem na fundação dos EUA, nos fins do século XVIII, visando a permitir que a frágil União possuísse uma Alta Corte dedicada a construir um arcabouço jurídico harmonizador dos diversos interesses dos 13 estados fundadores. Mais de um século depois, nossa Constituição de 1891 copiou literalmente, sem maiores reflexões históricas, o sistema norte-americano.

Ocorre que, com o passar do tempo, esse poder outorgado ao chefe de Estado foi se distorcendo, tanto lá como cá. Assim é que nos Estados Unidos, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), os juízes da Suprema Corte passaram a refletir sucessivamente o viés político conservador ou liberal do partido no poder. E, a partir de 2017, o ex-presidente Trump passou a adotar o critério não apenas político-conservador, mas religioso-confessional, indicando três juízes fundamentalistas e supremacistas para a Suprema Corte (Gorducho, Kavanaugh e Barrett). Resultado: seis juízes ultraconservadores e três liberais. Consequência: a Suprema Corte sinaliza que limitará o direito ao aborto, implantado naquele país há 50 anos. [o decurso de 50 anos apenas serviu para comprovar que o aborto continua sendo um crime covarde, nojento, odioso e repugnante.]

Essas escolhas expõem claramente o novo discurso e a ação da extrema direita, que é substituir o Estado Democrático laico por regimes autoritários fundamentalistas. [se chamam preservar a VIDA, especialmente de seres humanos inocentes e indefesos é fundamentalismo, somos todos fundamentalistas.
Curioso é que muitos dos covardes defensores do aborto tem a cara de pau de acusar o ditador norte-coreano, Kim Jong-Un.] Esse sinistro projeto se espalha pelo mundo afora, sendo mais notórios os regimes implantados na Hungria, na Polônia e na Turquia.

Entre nós ocorre o mesmo. O plano autoritário tomou o rumo religioso-confessional diante do fracasso de arrastar nossas Forças Armadas e sublevar as polícias militares nessa aventura. E, para tanto, a conspiração totalitária procura o domínio da cúpula do Poder Judiciário, mediante a nomeação de ministros com a missão de impor uma pauta confessional para respaldar o sonhado regime ditatorial. Com esse intento, o Congresso tenta aprovar uma PEC antibengala, para que o atual presidente nomeie, ainda em 2022, mais dois ministros ungidos pela centelha divina e, ainda, no caso de eventual reeleição, mais dois fundamentalistas, alcançando, assim, uma maioria teológica naquela Corte.

Por tudo isso, se impõe a mobilização da cidadania para exigir que constitucionalmente seja adotado o critério de nomeação de ministros do STF, dos tribunais superiores e de desembargadores federais pelo critério de antiguidade. [nossa modesta opinião é que o critério de nomeação permaneça o mesmo, apenas com mais rigor na aferição das exigências constitucionais a serem preenchidas pelos indicados; entendemos que os ministros do STF devem ter um mandato de no máximo 10 anos e para os tribunais superiores mandato de 5 anos - sendo vedada a recondução, com os indicados tendo no máximo 60 anos,  na época da indicação.]  E que, ainda, o exercício da jurisdição dos magistrados do Supremo e dos tribunais superiores venha a ser de oito anos, tempo necessário para a consolidação da jurisprudência constitucional e, nela, o reconhecimento de novos direitos civis e demais avanços da sociedade.

Cessariam, com o sistema de antiguidade, as injunções político-ideológicas nessas nomeações.

O Globo - Advogado e autor de “Uma nova Constituição para o Brasil”


sábado, 22 de junho de 2019

Fruto proibido

Se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam?

“Não fazemos política.” Ash Carter, secretário da Defesa sob Barack Obama, sintetizou desse modo sua crítica a um pequeno, mas significativo, incidente recente. O sujeito oculto da frase são as Forças Armadas dos EUA. A lição precisa ser ouvida pela cúpula militar brasileira, que parecia tê-la aprendido 35 anos atrás.

O incidente foi objeto de indagação numa entrevista de Carter à The Atlantic (14/6). Durante a visita de Donald Trump ao Japão, no final de maio, uma ordem transmitida por algum funcionário da Casa Branca a alguém na Marinha determinou que se ocultasse o nome do destroyer USS McCain, fundeado numa base naval americana. Motivo: o navio foi batizado em homenagem ao falecido senador republicano John McCain (e também a seu pai e a seu avô, todos oficiais da Marinha), antigo inimigo político do presidente. A ordem foi cumprida, manchando uma valiosa tradição democrática.

A “violação da natureza apolítica das Forças Armadas”, na qualificação de Carter, parece pouca coisa. Não é: a estabilidade do sistema democrático da maior potência militar do planeta depende da subordinação absoluta dos militares ao poder civil. Nos EUA, generais fazem política (e um deles, Eisenhower, presidiu o país entre 1953 e 1961), mas só depois de passarem à reserva. No episódio do USS McCain, a subversão da tradição emergiu como perigoso precedente. E se, amanhã, o presidente for recebido numa base militar por soldados com os bonés MAGA (“Make America Great Again”) das campanhas de Trump?

Os que não têm armas cuidam da política; os que têm armas ficam proibidos de fazer política. Bolsonaro liga menos ainda para a regra de ouro que Trump. Até agora, nossa cúpula militar parecia engajada em conservá-la —mas isso já não é tão certo. Mourão, Augusto Heleno e Santos Cruz, a troika militar original, foi constituída por generais da reserva. A separação era mais formal que efetiva, pois o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas opera como ponte entre a troika e o atual comandante, Edson Pujol. Os três traçaram um prudente círculo de ferro discursivo, distinguindo-se da radicalização ideológica bolsonarista. O metal, porém, começa a sofrer visível corrosão.

As manifestações intempestivas de Heleno, na esteira da revelação dos métodos heterodoxos da Lava Jato, não podem ser tratadas como as declarações de um qualquer Onyx Lorenzoni (“Moro ajudou a salvar o Brasil do PT”). O general que identifica Moro à pátria e clama pela condenação de Lula à prisão perpétua ainda mantém, no armário, a sua farda estrelada. Há mais. No lugar do general da reserva Santos Cruz, uma voz da moderação, o núcleo militar governista ganha a presença do general Luiz Eduardo Ramos. O novo ministro da Secretaria de Governo também exibe perfil moderado, mas é da ativae seu cargo tem peso estratégico muito maior que os de Bento Albuquerque (ministro de Minas e Energia) e Rêgo Barros (porta-voz da Presidência), os outros generais da ativa no primeiro escalão. O risco é a contaminação dos quartéis: se os generais podem, por que tenentes, sargentos e soldados não poderiam? Perto disso, o episódio do USS McCain não passa de folguedo infantil.

A história conta. Os EUA nasceram sob o signo do poder civil, que não foi abalado nem mesmo pela Guerra de Secessão. No Brasil, o Império civilista deu lugar a uma República parida pelas baionetas, no rastro da Guerra do Paraguai. A pulsão da intervenção castrense ritmou a política nacional, do 15 de novembro de 1889 ao 31 de março de 1964, passando pelo suicídio de Vargas, no 24 de agosto de 1954. Um fruto positivo da ditadura militar, que desgastou a imagem das Forças Armadas, foi a apreensão do valor do princípio explicitado pelo americano Carter: “Não fazemos política”. Contudo, sob Bolsonaro, nossa cúpula militar flerta com a tentação de experimentar, uma vez mais, o fruto proibido.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

FBI alertou governo Trump sobre racistas

FBI alertou governo Trump sobre racistas em maio: 'Mataram mais que qualquer grupo extremista doméstico nos últimos 16 anos'

A tragédia do fim de semana em Charlottesville não pegou de surpresa o FBI (polícia federal americana) e o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.  Em maio, um relatório assinado pelos dois órgãos informou o governo dos Estados Unidos que os supremacistas e grupos de extrema-direita americana são responsáveis por mais mortes do que qualquer outro grupo extremista doméstico do país nos últimos 16 anos.
"Extremismo supremacista branco impõe ameaça persistente de violência letal" é o título do informe.
"Eles provavelmente continuarão a representar uma ameaça de violência letal durante o próximo ano", informava o documento, revelado nesta segunda-feira pela revista Foreign Policy.

Ainda de acordo com o relatório apresentado pela inteligência americana, os supremacistas foram responsáveis por 49 homicídios em 26 ataques contabilizados no período. O boletim conjunto foi entregue ao governo Donald Trump há pouco mais de três meses com "o objetivo de oferecer novos dados sobre os alvos dos supremacistas e extremistas brancos e a situação da violência praticada por estes grupos nos EUA".  O relatório pretendia ainda servir como base para investigadores federais, estaduais e locais contra o terrorismo, além de polícias e agências de segurança privada, "na contenção, prevenção ou combate a ataques terroristas nos EUA

 Segundo o relatório, a maior parte dos ataques foi realizada com armas de fogo(Reuters)

'Unir a Direita'
Supremacistas, neonazistas e nacionalistas radicais organizaram marchas e protestos neste fim de semana na cidade de Charlottesville, no Estado americano da Virgínia. O "Unite the Right" (ou "Unir a Direita") resultou em pelo menos 19 feridos e três mortos. A violência registrada nos protestos foi tamanha que o governo da Virgínia declarou estado de emergência para permitir a mobilização de mais forças de segurança, incluindo tanques e helicópteros.

Carregando escudos, usando capacetes e ostentando suásticas e símbolos nazistas, os manifestantes de extrema-direita protestavam contra os planos da cidade de remover a estátua do General Robert E. Lee, um militar comandou as forças dos Estados Confederados durante a Guerra Civil Americana (também conhecida como Guerra de Secessão) entre 1861-1865.

Na sexta-feira, em uma marcha que não foi autorizada pela polícia e a prefeitura da cidade, supremacistas brancos acenderam tochas - em uma clara referência ao grupo Ku Klux Klan - e gritaram palavras de ordem como "Vidas Brancas importam" e "Vocês não vão nos substituir" ao marchar pela Universidade da Virgínia, que fica na pequena cidade de 50 mil habitantes.

No sábado, quando o protesto parecia controlado, um homem de 20 anos avançou de carro contra uma multidão e matou Heather Heyer, uma advogada de 32 anos. Nesta segunda-feira, James Alex Fields Jr. teve um pedido de pagamento de fiança para aguardar julgamento em liberdade negado pela justiça local.

Ataques
Só em 2016, segundo o relatório da inteligência americana, grupos supremacistas e extremistas brancos cometeram um ataque letal e outros cinco com potencial de mortes. Todos tinham como alvo minorias relogiosas ou raciais, "incluindo latinos, afro-americanos, um estudante chinês e uma pessoa identificada como judia".  A maior parte dos ataques foi realizada com armas de fogo - em seguida vieram os ataques com facas.

Uma estudante chinesa foi atacada com uma machadinha enquanto tirava fotos para um trabalho universitário, em fevereiro de 2016. Segundo o tribunal local que julga o caso, o suspeito teria se auto-identificado como um supremacista e dito que queria matar a estudante por sua "raça".  Dez dias depois, em Los Angeles, três homens pertencentes a um grupo racista foram presos após atacar um grupo de latinos. Eles teriam gritado ofensas raciais antes de avançar sobre os homens e atualmente aguardam julgamento. 

Há um ano, em 21 de agosto de 2016, um homem que também se declarou como supremacista foi preso como suspeito de matar um homem negro com uma faca no Estado de Indiana, também motivado por ódio racial. 

O relatório oficial entregue ao governo americano inclui outros casos e também citava membros da Ku Klux Klan como potenciais mobilizadores de ataques contra minorias. Desde 2000, as minorias raciais são o principal alvo de ataques realizados por extremistas brancos nos EUA. Em seguida vêm brancos moradores de rua, traficantes, estupradores e outros supremacistas brancos "identificados como desleais ao movimento".


Agências
Procurado pela revista Foreing Policy, um porta-voz do FBI disse que a agência não pode comentar relatórios específicos de inteligência. "O FBI compartilha rotineiramente informações sobre potenciais ameaças para melhor habilitar a aplicação da lei para proteger as comunidades", disse a corporação.

Já o Departamento de Segurança Interna, que também assina o relatório conjunto, preferiu comentar apenas o episódio de Charlottesville. "O pessoal do DHS tem mantido contato com o estado da Virgínia e com as autoridades policiais locais para oferecer qualquer assistência necessária para lidar com o incidente violento horrível registrado em Charlottesville", afirmou o órgão, em nota.
A Casa Branca ainda não comentou publicamente os dados do relatório.

Fonte: BBC Brasil