Merval Pereira disse tudo
quando deu o título de “A vez dos oligarcas” à coluna em que tratou da
diligência da Polícia Federal nas casas e escritórios de políticos
envolvidos na Lava-Jato. Da Casa da Dinda do senador Fernando Collor
saíram uma Lamborghini, uma Ferrari e um Porsche. A frota do
ex-presidente deve à Viúva R$ 343 mil de IPVA, e o sócio do posto de
gasolina de Maceió em cujo nome está o Porsche nunca ouviu falar dele.
Os brinquedos do senador sexagenário deram cores cinematográficas à
operação policial, mas no centro do problema estão as informações dadas
pelo empreiteiro Ricardo Pessoa e pelo operador Alberto Youssef à
Lava-Jato. Eles teriam pagado R$ 29 milhões a Collor em troca de favores
na Petrobras.
O senador foi à tribuna e acusou a Polícia Federal
de ter sido truculenta, extrapolando “todos os limites” da legalidade
(as diligências foram autorizadas por três ministros do Supremo Tribunal
Federal). Chegando a vez dos oligarcas, começava o espetáculo da
reação da oligarquia. Collor é um ex-presidente da República, filho de
senador, neto de ministro. Na mesma diligência, a PF foi à casa do
senador Fernando Bezerra Coelho, no Recife. Polícia na casa de um Coelho
foi coisa nunca vista. FBC foi ministro da doutora Dilma, é pai de
deputado, sobrinho de ex-governador, neto do coronel Quelê, condestável
de Petrolina, onde o sobrenome da família honra o aeroporto, o estádio,
um parque, um bairro e uma orquestra.
Noves fora a reação de
Collor, o presidente do Senado, Renan Calheiros, ex-vice-presidente da
Petroquisa, ministro da Justiça de FHC e pai de Renan Filho, atual
governador de Alagoas, disse que a ação da Polícia Federal “beira a
intimidação”. Renan é investigado pelo Supremo. Além disso, rola no
tribunal um processo em que é acusado de pagar mesada à mãe de uma filha
extraconjugal com dinheiro da empreiteira Mendes Junior.
Coube
ao vice-presidente Michel Temer o brilho do rubi da coroa da rainha da
Inglaterra. Ele disse que “temos que buscar no país uma certa
tranquilidade institucional porque essas coisas estão, digamos assim,
abalando um pouco a natural tranquilidade que sempre permeou a atividade
do povo brasileiro”. A pedra da coroa da rainha não é rubi, mas um
espinélio, e a frase de Temer, digamos assim, não quer dizer nada. Que
“coisas”? A Lava-Jato, a diligência autorizada pelos ministros do
Supremo, ou as petrorroubalheiras? Soltou o enigma e viajou com a
família para Nova York. Renan Calheiros disse também que a
democracia está em jogo. Falso. Ela vai bem, obrigado. O que está em
jogo é a definição do alcance das leis.
O esperneio oligárquico,
bem como as ameaças de Eduardo Cunha, revelam a tática de fim do mundo.
Articulam o fim dos tempos, interessados em criar uma crise
institucional cujo propósito exclusivo é abafar a Lava-Jato.
Lastimavelmente, a doutora Dilma não conseguiu se tornar um fator de
estímulo aos procuradores e magistrados. Ficou neutra contra. Podendo
ser parte da solução, pedala como parte do problema.
O golpe do parlamentarismo
A
repórter Raquel Ulhoa avisou: arma-se no Congresso um golpe para
mutilar a Presidência da República estabelecendo um regime
parlamentarista. Numa ponta dessa conversa, para logo, já se viu o
senador Renan Calheiros. Noutra, defendendo a ideia para mais adiante,
entrou o deputado Eduardo Cunha. Pairando sobre ambos há uma parte do
tucanato, desencantada com as bandeiras do impedimento, das contas do
TCU e dos processos do Tribunal Superior Eleitoral. [não é só o tucanato que está desencantado com as grandes possibilidades de Dilma e a petralhada saírem impunes.
O povo também está e por isso qualquer medida que puna Dilma e a petralhada terá o apoio popular.]
A manobra
depende da existência de um clima de inquietação, com a economia em
queda e o desemprego em alta. Disso, a doutora vem cuidando. Para
piorar, o Congresso aprova maluquices que agravam as dificuldades. O
caldo entornará com as manifestações de agosto (desprezando-se a
possibilidade de surgimento de manifestantes contra golpes, ladroagens e
truques dos suspeitos de sempre).
O parlamentarismo pode ser
instituído com a aprovação por maioria de três quintos das duas Casas do
Congresso, em duas votações. São necessários 51 dos 81 senadores e 308
dos 513 deputados. Isso só se consegue com uma crise do tamanho da de
1961, quando o país esteve à beira da guerra civil, e aprovou-se uma
emenda parlamentarista, mutilando o mandato de João Goulart.
É
muito comum ouvir-se falar em “golpe paraguaio” ou “golpe boliviano”. A
manobra criaria o “golpe brasileiro”, superando de longe os dois outros.
O parlamentarismo foi rejeitado pela população em dois plebiscitos,
sempre por larga maioria. O primeiro deu-se em 1963, e o segundo, em
1993. Nele, o regime parlamentar teve 16,5 milhões de votos, contra 37,2
milhões dados ao presidencialismo. O restabelecimento da monarquia teve
6,8 milhões.
De acordo com o processo legislativo e a
Constituição, seria mais fácil revogar a Lei Áurea, sancionada a partir
de um simples projeto de lei votado pelos deputados e senadores. Ela
nunca foi submetida a um referendo, quanto mais a dois. A velha e boa
plutocracia nacional deve reconhecer que essa mágica é impossível, mas
ela haveria de lhe fazer o gosto.
A ruína do Inca
As
convicções partidárias do ministro Arthur Chioro conseguiram o que a
ditadura nem tentou: degradar o Instituto Nacional do Câncer, no Rio de
Janeiro. Os generais mantiveram na direção do serviço Moacir
Santos Silva, o médico de Jango. Com Chioro, um sindicato de servidores
públicos federais na Saúde ganhou uma sala no Inca, enquanto cinco das
11 salas de cirurgia estão fechadas por falta de anestesistas.
A
média de espera para uma cirurgia, que já foi de 20 dias, está em dois
meses, tempo suficiente para tornar inútil o procedimento.
Estou fora
No dia do fatídico
jantar da doutora com José Eduardo Cardozo e o presidente do STF,
Ricardo Lewandowski, na cidade do Porto, Teori Zavascki estava no mesmo
hotel, pois compareceria ao mesmo evento que juntaria o colega e o
ministro da Justiça
Se tivesse sido convidado, não iria. Se o convidaram, não foi.
Fonte: O Globo - Elio Gaspari