Como muitas mulheres com os polegares colados à tela do celular, Chrissie Buckley tem um fraco pelas novidades que surgem no Instagram. Uma das experiências mais arriscadas foram os produtos que ela
experimentou depois que uma influenciadora muito persuasiva a endossou e
por um gasto que ela considerou mínimo. Mas quando acrescentou colágeno em pó ao seu carrinho de compras no início deste ano, seus caprichos tomaram um rumo tenebroso.
Os suplementos de colágeno
dominaram seus feeds das redes sociais por meses, enquanto a
popularidade de novas formulações de marcas como a Bulletproof, Dose
& Co. e Vital Proteins cresciam. Em vez do formato da pílula de
dormir, estas companhias estão vendendo creme de café com colágeno, pós
nas bebidas e barras de proteína para fortalecer pele, cabelo, unhas e
proporcionar articulações saudáveis.
Em fevereiro, um post da modelo Cindy Prado que aderiu aos benefícios para a redução das rugas do pó Vital Proteins Collagen Peptides a Los Angeles. convenceu a fazer uma tentativa. "Vou
fazer 29 anos e quero começar uma nova rotina de cuidados da pele para
combater o envelhecimento, por isso pensei que talvez devesse
experimentar algum tipo de colágeno", disse Chrissie, coordenadora de
equipamentos médicos em Nova York.
Por
mais ou menos um mês, tomou diariamente uma colher do produto no seu
café, e então constatou que não havia mudanças no seu rosto, mas um dedo
estava inchando. Dias mais tarde, o que inicialmente parecia uma picada
de inseto se espalhou pelo anular e pelos dedos mínimos. “A pele
das minhas mãos parecia e eu a sentia espessa, como se tivessem virado
salsichas, a ponto de eu não conseguir dobrá-las”, contou. A ida ao
pronto-socorro não se mostrou produtiva. “Eles não tinham ideia do que
estava acontecendo”.
Como sempre, um arriscado mergulho em profundidade no Google a convenceu de que se tratava de esclerodermia,
uma rara doença autoimune em que o sistema imunológico faz com que o
corpo produza uma quantidade excessiva de colágeno, provocando um
endurecimento e espessamento da pele e dos tecidos conectivos. Horrorizada,
Chrissie jogou fora todos os produtos que mencionavam o colágeno; em
alguns dias o inchaço baixou e ela recuperou a mobilidade dos seus
dedos. “Agora, fujo disso como do diabo”, ela disse.
No entanto,
não há nenhuma evidência a favor ou contra a possibilidade de os
suplementos de colágeno provocarem esclerodermia, disse o dr. Frederick
M. Wigley, diretor do Centro de Esclerodermia do Johns Hopkins,
observando que não foi estudado, mas é biologicamente improvável. “O
organismo é muito eficiente em sua função de regulação, por isso, se
você toma algo em excesso o seu corpo se livrará do excesso e buscará o
equilíbrio”, disse Wigley.
Qualquer que seja a sua origem, a
reação de Chrissie ilustra a falta de pesquisa nas novas formulações de
colágeno - que, como a maioria dos suplementos, não são regulamentadas
pela FDA (Food and Drug Administration), - e chega ao mercado em meio a
uma maré de conversas on-line sobre os efeitos negativos e a falta de
eficácia que mal começa a romper a barreira mais barulhenta da moda. “Ultimamente,
todo mundo pegou carona no colágeno,” disse o dr. Niket Sonpal, um
gastroenterologista de Nova York. “É a nova mania”.
A verdade por trás da propaganda exagerada Os dados de pesquisa do Google refletem esta crescente obsessão:
as
pessoas começaram a procurar o colágeno a uma média de 1,4 milhão de
vezes por mês neste ano, com um salto de 35% em relação ao ano passado,
segundo a empresa de pesquisa Spate. Os pós e as bebidas à base de
colágeno lideram estas pesquisas.
O aumento do interesse dos
consumidores nos chamados alimentos funcionais, que afirmam oferecer
benefícios em relação aos comprimidos dos suplementos tradicionais, é
parcialmente responsável por isto. Como acontece com outras tendências
em matéria de beleza e bem-estar, também há uma Kardashian.
Em outubro de 2020, Khloé Kardashian entrou em uma parceria como porta-voz global da Dose & Co., fabricante de suplementos de colágeno
na Nova Zelândia. Desde então, seus mais de 140 milhões de seguidores
foram inundados por propaganda da estrela acrescentando o produto às
suas vitaminas diárias e compartilhando fotos de antes e depois para
mostram clientes com a pele mais clara e cabelo mais espesso.
Isto
bastou para convencer Witney Joseph, 36 anos, uma mãe que trabalha
remotamente em Stamford, Connecticut, a experimentar o produto. “Depois
que tive o meu primeiro filho, meu cabelo começou a cair e ficou
quebradiço. O que, disse Khloé, também aconteceu com ela, e o que a
ajudou foi o produto”, disse Whitney.
Nada disso aconteceu. Ao
contrário, a sua pele normalmente clara começou a ficar fragilizada em
poucos dias com a adição do suplemento às suas bebidas. Então,
vasculhando a literatura do Reddit ela acabou descobrindo que o
resultado era comum. Quando parou de tomar o produto, sua pele
melhorou. “Tentei muitos suplementos, e agora cansei”, falou.
Como
muitos destes produtos de colágeno incluem uma variedade de outros
ingredientes, como biotina e ácido hialurônico, é difícil destacar o que
desencadeia uma reação negativa. “Muitos deles vêm com proteína de
soro, que contém lactose e pode induzir erupções de acne, além de muito
açúcar”, explicou a dra. Ivy Lee, dermatologista em Los Angeles.
Os
suplementos à base de colágeno procedentes de fontes marinhas, em vez
do colágeno mais comum de fonte bovina, tornaram-se populares porque
muitas pessoas optaram por reduzir o seu consumo de carne. Mas além
disso, eles trazem consigo uma série de novos problemas. Especialistas
informam que muito provavelmente eles desencadeiam reações alérgicas por
causa de uma possível contaminação por mariscos.
Como o colágeno
pode produzir maior saciedade, o que é comum com toda fonte de
proteína, algumas companhias tentaram defini-lo como importante para a
perda de peso, apesar da falta de evidências que corroborem esta
conclusão, segundo a dra. Lee. Em alguns casos, estes produtos podem
realmente produzir o efeito oposto por causa do seu teor frequentemente
elevado de açúcar e carboidratos, assim como a tendência a causar
inchaço.E alguns dos efeitos secundários mais comuns são
gastrointestinais: o dr. Sonpal ouve regularmente as pacientes que os
experimentam queixar-se de diarreia, azia e constipação.
Então, haverá também um lado positivo? Os especialistas afirmam que os estudos que indicam que o colágeno tem um
efeito positivo sobre a elasticidade da pele e, em geral, uma sensação
de juventude, são demasiado escassos e episódicos para dar uma real
legitimidade aos produtos.
“Esta não passa de mais uma oportunidade para
promover a marca para a indústria da beleza, porque as
pessoas estão sempre interessadas em parecer mais jovens”, afirmou a
dra. Rabia De Latour, gastroenterologista e professora assistente de
medicina na New York University.
Em abril, entretanto,
pesquisadores publicaram uma revisão sistemática dos testes clínicos de
suplementos de colágeno orais. “Os resultados respaldam a constatação de
que ingerir colágeno pode reduzir as rugas da pele e melhorar a sua
elasticidade e a hidratação da pele”, disse a dra. Lee. Mas o estudo não
aprofundou a questão das novas fórmulas. “A dificuldade está no fato
de que a pesquisa não identificou as melhores dosagens ou formulações”,
disse ela.
Por esta razão, os médicos recomendam moderação ao
experimentar este produto pela primeira vez. Além de conversar com o seu
médico para ter a certeza de que não irá interferir com outros
medicamentos ou agravar questões crônicas de saúde, Sonpal sugere que
você comece com a metade da dose recomendada e observe a reação do seu
organismo ou se não está reagindo. Verifique se o colágeno é
hidrolisado, processo que permite quebrá-lo em partículas mais fáceis de
absorver. E o mais importante, segundo Sonpal, é que você estabeleça um
prazo, porque os suplementos, qualquer que seja a sua fórmulaa, não
podem ser tomados indefinidamente. Se você não vir resultados após três
meses, será melhor parar com o suplemento.
Embora pareça sem
graça, evitar estes produtos interessantes por via oral ainda é a opção
mais segura. A dra. De La Tour recomenda incorporar outros alimentos
para ajudar o seu organismo a manter o fornecimento de colágeno em sua
dieta: aves, peixe, folhas verdes e alimentos com elevado teor de
vitamina C. Seguir o conselho sobre a proteção solar com a qual você
briga diariamente - usar protetor todos os dias, usar um chapéu e ficar
na sombra - também pode prevenir a fragmentação do colágeno. Além
disso, se você está disposta a gastar, pode consultar um dermatologista
para um tratamento com microagulhas ou laser que mostrou promover a
produção de colágeno.
Diante da propaganda sensual sobre bem-estar e beleza
no Instagram, convém lembrar que por trás de belas avaliações e dos
inúmeros endossos, não existe uma mágica para tornar a sua pele
perfeita. A dra. De La Tour afirma categoricamente: “Não se pode fazer o
tempo voltar com um suplemento alimentar”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
O Estado de S. Paulo - Jessica Schiller, The New York Times - Life/Style