Ciência nos dá elementos para questionar a ideia de que juízes podem julgar objetivamente
A Folha de terça-feira (6) trouxe duas reportagens de pessoas que, ao
que tudo indica, passaram anos da cadeia por causa de erros judiciais,
mais especificamente de reconhecimentos equivocados. Igor Barcelos, 22, ficou preso por três anos após ter sido identificado
como autor de um roubo de carro, embora haja evidências físicas de que
seria impossível que ele estivesse no local e hora do crime. O Innocence
Project Brasil levantou as provas que o tiraram da cadeia. Ele
permanecerá em liberdade enquanto a Justiça reanalisa o seu caso. Antônio Cláudio Barbosa de Castro amargou cinco anos de prisão por ter
sido apontado como autor de um estupro por uma menina de 11 anos, num
inquérito que a polícia julgou inconclusivo —mas a juíza de primeira
instância não. O Innocence Project também levantou incongruências em seu
processo e ele foi inocentado na segunda instância.
Se é verdade que avanços tecnológicos, como exames de DNA, trouxeram
novas e mais poderosas ferramentas para investigadores e juízes, a
ciência, de modo mais amplo, não tem sido gentil com o direito.
A neurociência mostra, por exemplo, que a memória, base dos
reconhecimentos e dos testemunhos, é absolutamente não confiável. Ela
não funciona como um registro fotográfico, mas como linhas em um diário
que reescrevemos cada vez que tentamos lembrar os fatos. Psicólogos não
têm nenhuma dificuldade em implantar memórias falsas na cabeça das
pessoas. A polícia também não.
E isso é só a ponta do iceberg. Desenvolvimentos da ciência nos dão
elementos para questionar a ideia de que todos os seres humanos são
capazes de conter seus impulsos, de que juízes podem julgar de forma
objetiva e até de que o livre-arbítrio, base do edifício jurídico,
exista. Paradoxalmente, a ciência também nos dá pistas de que, sem algo
parecido com um sistema de Justiça, sociedades humanas entram em
colapso.