Com isso, elas passam a ter a chance de um dia alcançarem a
patente mais alta da instituição (a de general de Exército, já que o título de
marechal só existe em tempos de guerra) e, inclusive, de alcançarem o posto de
Comandante do Exército, atualmente ocupado por Eduardo Villas Bôas. Emily sabe
bem o peso disso. — Temos
uma responsabilidade muito grande. Fazemos parte de um projeto, e tudo depende
de nós para que ele dê certo — diz a cadete, enquanto participava de um
treinamento de campo na Fazenda Boa Esperança, que fica dentro da área da Aman.
Na noite
anterior, a turma do primeiro ano havia realizado uma instrução noturna, em que
todos percorreram cerca de oito quilômetros a pé, com uma mochila que pesa
cerca de 20 quilos e um capacete de quase dois quilos. Os últimos cadetes a
completar a missão alcançaram o local de acampamento por volta de meia-noite e
meia e se levantaram para a “alvorada” às 5h30, de onde seguiram para
atividades como tiro de metralhadora calibre .50. Esse é apenas um — e nem de
longe o mais puxado — de vários treinamentos que homens e mulheres precisam
realizar até o fim do curso de quatro anos, que também inclui disciplinas
teóricas como Geopolítica, Cibernética e Filosofia, em uma carga horária que
soma nove mil horas.
— A
mulher já faz parte do Exército há bastante tempo, mas em outras áreas. Agora,
é a primeira vez que estamos formando uma oficial de carreira que vai para o
combate. Nós as preparamos para os desafios que elas vão encarar quando
chegarem aos corpos de tropa que vão liderar — explica o tenente-coronel Vitor
Hugo Bergamaschi, comandante do curso básico da Aman.
Ele
garante que o tratamento dado às mulheres é idêntico ao destinado aos homens.
Mesmo em menor número, elas têm conseguido se destacar: na manhã daquele dia, a
vez foi da cadete Tamara Diehl, de 18 anos, que recebeu uma menção positiva dos
oficiais.
— Ontem,
houve um obstáculo que não conseguia ultrapassar. Mas não desisti. Acho que
mostrei a eles que eu realmente queria aquilo — diz Tamara, sobre o motivo do
destaque.
Se o
desempenho das mulheres tem impressionado positivamente os oficiais, ele não é
tão inesperado assim. A entrada delas na Aman aconteceu após a realização de
concurso público, em 2016, em que apenas 10% das vagas foram destinadas ao sexo
feminino. Para chegar à academia, elas tiveram que superar 192 candidatas cada
uma, contra uma relação candidato/vaga de 55 entre os homens. No momento em que
visitamos a academia, uma das maiores promessas era a paranaense Milena
Canestraro, de 20 anos, então a segunda mais bem colocada (entre ambos os
sexos) da turma. Pentatleta, ela não é filha de militares, mas se viu atraída
pela carreira após ingressar no Colégio Militar. É uma trajetória comum entre
as cadetes: das 30 mulheres que permanecem no curso, 16 passaram pela
instituição.
— Nós
somos o teste. Se não dermos certo, atrapalhamos todo o futuro das próximas
gerações de mulheres que sonham em ser militares — diz Milena, sobre o
pioneirismo da turma.
Além da
necessidade de provarem a si mesmas, as cadetes também tiveram de lidar com a
desconfiança dos rapazes. A ala reformada para o alojamento das meninas, nova
em folha, chegou a despertar ciúmes num primeiro momento. — Muita
gente olha diferente, subestima, mas elas estão lidando bem com isso, superando
esses preconceitos e mostrando que são capazes — defende Filipi Lisboa, de 23
anos, colega delas na primeira turma mista.
Antes de
ingressar na Aman, os aprovados no concurso de cadetes passam um ano na Escola
Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas. O ingresso das
mulheres aconteceu por determinação da ex-presidente Dilma Rousseff, ainda em
2012. A lei sancionada deu cinco anos para a EsPCEx e a Aman se adequarem.
— As
adaptações foram imensas e não incluíram apenas reformas na escola, mas
mudanças na mentalidade — afirma o tenente-coronel Jean Lawand Júnior,
comandante do Corpo de Alunos da EsPCEx. — Havia brincadeiras que fazíamos com
os garotos que não poderíamos fazer com elas. Mas o impressionante é que elas
eram as primeiras a não querer diferenciação.
Lawand
destaca que foram realizadas palestras entre alunos e oficiais para evitar
casos de preconceito e assédio. Em caso de namoro entre eles, os cadetes devem
informar o chefe de pelotão. E manifestações de afeto são proibidas dentro dos
muros das instituições, seja entre cadetes ou oficiais. Carícias, só nas
folgas.
Apesar do
sucesso na integração, a inserção das mulheres no ensino bélico ainda é
limitada. Quando chegam ao segundo ano, os cadetes escolhem a quais armas,
quadros ou serviços pertencerão para o resto da carreira. Para elas haverá a
opção de escolher entre os cursos de Intendência ou Material Bélico, ligados à
logística do combate. A escolha de armas, como Infantaria e Cavalaria, ainda é
restrita. Segundo o Exército, a decisão foi tomada após um estudo entre outros
países que já tinham mulheres em suas forças. —
Preferimos um meio termo, para fazermos uma inserção mais leve e depois
verificar como elas se portariam — conta Lawand.
Coautora
de um estudo de dois anos sobre a presença das mulheres nas Forças Armadas, a
pesquisadora do Instituto Igarapé Renata Giannini lembra que a atuação delas em
todas as situações de combate já é permitida em diversos países, como Espanha,
Suécia, Estados Unidos e Chile. A pesquisadora também comenta a inserção das
mulheres em um cenário em que o Exército retorna ao centro do debate público,
diante da intervenção federal no Rio de Janeiro:
—
Historicamente, a entrada das mulheres no Exército se relaciona com a tentativa
de melhorar a imagem da instituição. Foi da mesma forma no período da
redemocratização, quando elas foram autorizadas a ingressar nos chamados corpos
profissionais.
Para Lawand,
a inserção de mulheres no quadro de combatentes pode beneficiar o
relacionamento com civis: — O
Exército americano já faz isso muito bem, ao empregá-las para lidar com a
população. Digo isso não só em operações em favelas, mas em grandes eventos
também.
Seja como
for, a tijucana Maria Luísa Medella, de 22 anos, festeja ter nascido na época
certa. Ela estava no sexto período da faculdade de Direito quando ficou sabendo
que poderia ingressar na Aman. Não hesitou em largar o curso. — Vejo
tantas mulheres mais velhas que queriam ter tido essa oportunidade e não
tiveram. Privilegiadas pode ser, sim, uma palavra para nos descrever.