Não é concebível que, de cada dez encarcerados, quatro cumpram pena sem condenação [enquanto bandidos condenados, porém, endinheirados, permanecem em liberdade, por suprema decisão.]
Na semana passada o Superior Tribunal de Justiça mandou soltar o
ex-governador Luiz Fernando Pezão. Juízes da Sexta Turma do STJ
concluíram que inexistiam “sinais de relevante alteração patrimonial ou
de estilo de vida típico de pessoas que ocupam postos de liderança em
esquemas de corrupção” ou qualquer outra razão para mantê-lo em prisão
preventiva. Quarto governador do Rio a ser preso, e o primeiro no exercício do
mandato, Pezão passou 58 semanas na cadeia, acusado de corrupção, à
espera de sentença judicial.
Não foi um caso isolado. Em situação similar, como presos provisórios,
estão 337 mil pessoas, na maioria homens, jovens, negros e pobres, com
origem na periferia das grandes cidades. Compõem 41,5% da população
carcerária brasileira, segundo censo de agosto passado, a terceira maior
do mundo (total de 818,8 mil presos). Esses presos provisórios estão distribuídos por 2,6 mil cadeias em todo o
país. Foram encarcerados por ordens legítimas de juízes, [especialmente por serem pobres - não podem contratar advogadas, como bem demonstra o ministro Barroso, para apresentar embargo,do embargo que embargou o recurso extraordinário.] baseadas na
interpretação do Código Penal. A maioria está aprisionada há pelo menos
quatro anos, ou 48 meses. Todos aguardam o desfecho de seus casos numa
sentença.
A simples existência desse enorme contingente de detentos em situação de
transitoriedade, à espera de decisão final nos respectivos processos,
demonstra que algo vai muito mal no funcionamento do sistema judiciário
brasileiro, e requer solução urgente. Não é concebível a ideia de justiça efetivamente funcional quando se tem
quatro de cada dez encarcerados cumprindo pena sem condenação. Há uma
Constituição, é bom lembrar, que assegura expressamente “a todos” o
direito à “razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação”. Ela não está sendo respeitada quando o
próprio Poder Judiciário constata que mais de três centenas de milhares
continuam presos, em caráter provisório.
Essa transgressão tem origem em ineficiências do sistema judicial, como
constatou em recente intervenção no plenário do Supremo Tribunal Federal o ministro Luís Roberto Barroso: “Justamente porque o sistema é muito
ruim, perto de 40% dos presos do país são presos provisórios. Muitos,
sobretudo os pobres, já estão presos desde antes da sentença de primeira
instância.”
Nos últimos anos o Conselho Nacional de Justiça chegou a promover
mutirões na tentativa de mitigar os danos. Foram insuficientes, como
registram sucessivos censos penitenciários. Ações pontuais são
louváveis, mas é necessário uma iniciativa definitiva. Ela depende da
resolução da equação de eficiência do Judiciário, cujas despesas já
beiram 1,3% do Produto Interno Bruto. Todo o sistema de administração de
justiça — incluindo advogados — deveria ser mobilizado nessa questão. É
preciso cumprir o que determina o texto constitucional. [ou prendem os criminosos condenados ou libertam os provisórios.]
Editorial - O Globo