Acionistas e executivos têm um histórico de governança cataclísmica
Desde que trocou a vida nômade em tendas no gélido deserto canadense
pelo escritório aquecido na York Street, em Toronto, o britânico
Jonathon Paul Rollinson, 56 anos, passa o tempo imaginando formas mais
baratas de aumentar a extração de ouro em três continentes. No Brasil cortou custos, aumentou produção (25%) e lucros. Ano passado, o
chefe da Kinross embolsou R$ 29 milhões em salário e bônus.
A mina de ouro brasileira está dentro de Paracatu (MG), oito mil
quilômetros ao sul de Toronto. Ali, dinamitam-se rochas. O ouro é
extraído a céu aberto. Por cada grama, libera-se em média 2,8 quilos de
arsênio. É um ambiente tóxico, onde vivem 80 mil pessoas, com
prevalência de múltiplas doenças. A Kinross represa 60 mil toneladas de
puro veneno a 500 metros dos bairros mais pobres.
O medo avança na esteira da lama química, política e corporativa que já
devastou Mariana e Brumadinho. Empresas como Vale, BHP Billiton, Norsk
Hydro, CSN, Anglo American, Aterpa, Ashanti e outras 360 precisam se
reinventar com urgência.
Acionistas e executivos têm um histórico de governança cataclísmica. Se
enlaçaram na própria negligência e na leniência dos amigos no poder.
Elevaram o perigo de catástrofes nas comunidades onde extraem valiosos
lucros e bônus anuais.
À margem de exuberantes códigos de ética, são responsáveis por inovações
no dolo corporativo. Mesmo sem intenção, socializam perdas exponenciais
na economia.Entre sequelas está o aumento do custo do dinheiro nas operações de crédito para todas as empresas e o setor público brasileiro.
Com Mariana e Brumadinho, em apenas 38 meses, a Vale viu seus papéis
rebaixados a “lixo” por agências como a Fitch (S&P e Moody’s indicam
a mesma trilha). Ela era um dos sete casos de sobrevivência, com
certificado global para investimento, em meio à aguda recessão e crise
política. Sua lama química, política e corporativa agora respinga em
outros setores. A sociedade, que subsidia as mineradoras, vai pagar mais
enquanto resgata corpos soterrados.
José Casado, jornalista - O Globo