No Dia da Educação, é preciso não perder a perspectiva e a
esperança: o futuro nos trará de volta do descaminho no qual o país
entrou
Hoje é o Dia da Educação e eu fiquei comparando dois mundos. Os
economistas, quando querem falar de riscos, procuram uma palavra neutra
para ficar na zona de conforto e, assim, dizem que o cenário é
desafiador. Mas palavras confortáveis não servem quando se quer falar do
futuro da educação. Tudo tem mudado tanto que é preciso achar termos
que inquietam. O futuro é revolucionário. A interação com as novas
tecnologias, a mudança na relação entre as pessoas, o imperativo da
diversidade transformam radicalmente a educação.
Alguém pode dizer que o Brasil tem problemas mais básicos: ter boas
escolas e elevar o nível de aprendizagem. Mas essa sempre foi a missão
da educação. Contudo, a terra se move. O ponto tem que ser como atingir
esses mesmos objetivos, neste momento e dentro da realidade do país. Um
estudo divulgado no início do ano pela KnowledgeWorks traça o panorama
das mudanças já em curso. O futuro está aqui. Ferramentas da nova
comunicação estão na palma da mão. Vi no estado do Amazonas, na
comunidade ribeirinha do Tumbira, no Rio Negro, a escola conectada com
Manaus. Três mil pontos na imensidão amazônica recebem aula por
satélite, e com interação entre professor e aluno.
A tendência não é entregar ao estudante o conteúdo fechado, mas
desenvolver habilidades. O conhecimento está em evolução permanente. É
preciso ser capaz de alcançá-lo. Outra constatação recente dos
especialistas é que aprende melhor quem tem autoconfiança e sensação de
pertencimento. Por isso os fatores socioemocionais entraram no radar dos
educadores. O Ginásio Pernambucano (GP), mais antiga escola pública de ensino médio
do Brasil, onde fiz uma reportagem em 2017, tem taxa zero de evasão e
alto desempenho. Um dos seus segredos é a sessão de acolhimento, para os
que entram na escola pela primeira vez. Os alunos são incentivados
também a terem um projeto de vida. Ana Alice Barroso, na época com 16
anos, me explicou uma lição que aprendeu: No GP, dizem que a gente tem que ser o autor da própria história, mas
no seu caminho você não vai ter só sucesso. Você vai cair. A gente
escuta aqui muito sobre resiliência, que é cair e ter a capacidade de
renascer como uma fênix.
A educação entrou em um descaminho tal que temos a sensação de que o
país vai se perder. Mas esta é a era do conhecimento e o futuro nos
trará de volta ao ponto principal. Nas últimas duas décadas e meia o
Brasil melhorou, apesar de estar atrás de inúmeras nações, algumas mais
pobres do que nós. Foi o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, que me
mostrou, certa vez, os dados do ritmo de avanço para acalmar minha
aflição com os indicadores do Brasil. Em reportagens, tenho visto casos
animadores, que podem ser multiplicados. Como me disse, em 2017, Maria
das Graças Bezerra, diretora da Escola Maria Leite na zona rural de
Brejo Santo, Ceará: “não teria a menor graça uma escola se sobressair, e
as outras, não”. A escola dela está entre as melhores do estado e ajuda
outras a superar dificuldades.
Há muitas razões para o desânimo, mas os que se mobilizam pela educação
de qualidade sabem quais são os problemas verdadeiros. Entendem que o
caminho é longo, que novos obstáculos surgiram, mas que sempre será
emocionante a tarefa de estimular as transformações do ensino
brasileiro. Era natural conversar sobre educação na minha casa. Meu pai era diretor
de colégio privado, minha mãe, professora pública. Ele havia saído da
pobreza através dos estudos e incentivou a minha mãe a voltar à escola.
Ela terminou o ensino médio e fez faculdade de pedagogia. Era normal ver
minha mãe estudando para prova, ou fazendo o dever de casa, no meio dos
filhos. Uma irmã, alguns anos mais nova do que eu, não conseguia
aprender a ler, por ser portadora de necessidade especial. Minha segunda
irmã, Ana Maria, decidiu assumir a missão. Tentou com ela todos os
métodos didáticos que aprendera na Escola Normal, até que um funcionou e
elas foram vitoriosas. Foi com as duas estudando duro que eu entendi o
conceito de não deixar nem um pra trás. Não sei desde quando eu sonho
com uma educação de qualidade no Brasil. Sei que vou continuar sonhando,
porque isso é natural. Bom Dia da Educação para você.
Miriam Leitão - O Globo