Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Ángel Gurría. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ángel Gurría. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Por que um novo “Plano Marshall” é necessário - Valor Econômico

Pedro Cafardo

Avanço da vacinação concentrado nos países mais ricos vai estimular o aumento das desigualdades e dos conflitos sociais no mundo

Logo no início da atual pandemia, em março do ano passado, o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, conclamou as principais economias do mundo a promover ações conjuntas com ambição de um Plano Marshall. Cada vez mais, a recomendação se justifica. Para quem não se lembra ou nunca leu a respeito, vale explicar o que foi o Plano Marshall. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os grandes países da Europa e o Japão estavam destruídos. As perdas mais terríveis eram humanas, com cerca de 60 milhões de mortos entre civis e militares. Ferrovias, portos, pontes, casas e a infraestrutura em geral haviam sido arrasados pelos bombardeios. Estima-se que 40% das habitações foram destruídas na Alemanha, 30%, no Reino Unido, e 25%, no Japão.

Temia-se, então, que pudesse se repetir o que havia acontecido depois da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), quando o Tratado de Versalhes (1919) estabeleceu que os países derrotados deveriam pagar vultosas quantias a título de reparação de guerra aos vencedores. Isso provocou desemprego, hiperinflação e o fortalecimento de governos nacionalistas e totalitários que acabaram levando à Segunda Guerra Mundial.

Nos EUA, a situação era completamente diferente. Além de ganhar a guerra e apesar das perdas humanas - morreram 300 mil soldados dos 12 milhões alistados -, os EUA tiveram um grande impacto econômico positivo. O esforço de produção bélica promoveu recuperação plena da economia, que saiu definitivamente da grande depressão dos anos 1930. O desemprego foi extinto pela criação de 16 milhões de vagas, o que exigiu a incorporação inédita de 6 milhões de mulheres ao mercado de trabalho, por força da escassez de mão de obra. Em 1950, o PIB americano estava 80% acima do nível de antes da guerra, em 1938.

O grande ganhador da guerra, portanto, tinha a obrigação de sustentar a recuperação da economia mundial. E o fez por meio do Plano Marshall, que tem esse nome em homenagem ao general George Catlett Marshall, idealizador do programa, que havia lutado nas duas guerras mundiais e ocupara cargos de secretário de Estado e da Defesa dos EUA. O plano forneceu US$ 13 bilhões, em valores de época, para reconstrução e recuperação de 16 países da Europa Ocidental e do Japão. É difícil avaliar, aos olhos trilionários de hoje, o valor real dessa ajuda. Mas foi extraordinária. Representava, por exemplo, cerca de 20 vezes o valor do PIB brasileiro da época. 

O grande economista John Kenneth Galbraith (1908-2006) estimou que metade desses recursos foi destinada a alimentos e matérias-primas, 17%, a combustíveis, 17%, a máquinas e equipamentos, e 7%, a transportes. Isso forjou a chamada “Era de Ouro” do capitalismo, um período de grande expansão econômica no pós-guerra, que se estendeu até o início dos anos 1970, quando veio a primeira crise do petróleo. Recursos do Plano Marshall foram oferecidos também à União Soviética, mas Josef Stalin não os aceitou e impediu a adesão ao programa dos demais países do bloco socialista europeu. Até porque o plano se inseria na estratégia da Doutrina Truman, do presidente Harry Truman, cujo objetivo era barrar o avanço comunista da União Soviética no pós-guerra.

Galbraith estimou que, durante os três anos e meio de operações do plano, o PIB total dos 16 países assistidos cresceu 25%. A produção industrial aumentou 64%, e a agrícola, 24%. Houve muita discussão acadêmica sobre o real impacto do plano, e muitos economistas consideraram que teria havido crescimento com ou sem ele. Mas, segundo Galbraith, seus efeitos são irrefutáveis. Flávio Azevedo Marques de Saes e Alexandre Macchione Saes, em “História Econômica Geral”, observam que a recuperação econômica nos anos pós-guerra não pode ser atribuída unicamente ao mercado. Deve-se também a ações deliberadas para reconstrução das economias mais seriamente atingidas pela guerra.

Toda essa explanação sobre a grande operação que levou à “Era de Ouro” se justifica porque, assim como na guerra, a atual pandemia já promoveu uma enorme destruição global. As perdas humanas são muito menores do que na Segunda Guerra, quando morreram 2,6% da população mundial da época. Hoje, até agora, os mortos da pandemia, cerca de 2,2 milhões, representam 0,03% da população.

A destruição econômica, porém, é talvez comparável em razão das perdas de empregos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, só no ano passado foram eliminados 255 milhões de empregos no mundo, levando-se em conta o critério de horas perdidas no trabalho. Diferentemente da Segunda Guerra, não há nesta pandemia um grande ganhador, como os EUA em 1945. Agora, os americanos foram fortemente afetados, tanto em perdas humanas quanto econômicas. Por mais irônico que pareça, porque foi lá que nasceu a pandemia, a China parece estar entre os vencedores. Foi a única das grandes economias com crescimento do PIB em 2020 (2,3%) e está em firme recuperação, com previsão de expansão de 9% neste ano.

Um novo Plano Marshall é necessário porque inúmeros governos estão sem recursos para estimular a recuperação econômica. Não há espaço para fiscalismos retrógrados. [Leia espetacular artigo de André Lara Resende no Valor de sexta-feira url.gratis/rd711]. Os gastos governamentais são inevitáveis neste momento também para tentar evitar o erro da Primeira Guerra, quando se cobrou a conta pela destruição dos perdedores. Diferentemente de 1919, temos hoje instituições internacionais que podem ter grande importância no recolhimento e na distribuição de recursos.

Um problema é o avanço atual da vacinação, concentrado principalmente nos países desenvolvidos, que aponta para uma recuperação desigual da economia na era pós-pandemia. Os países mais pobres, vão ficando para trás no processo de imunização, o que tenderá a estimular o aumento das desigualdades e dos conflitos sociais no mundo. Outro problema é a existência de pouquíssimos ganhadores. Teria a China interesse em evitar o efeito devastador do erro pós-Primeira Guerra, que estimulou o surgimento de governos totalitários?

Pedro Cafardo, Editor - Valor Econômico


domingo, 28 de abril de 2019

Educação: sempre é preciso sonhar

No Dia da Educação, é preciso não perder a perspectiva e a esperança: o futuro nos trará de volta do descaminho no qual o país entrou

Hoje é o Dia da Educação e eu fiquei comparando dois mundos. Os economistas, quando querem falar de riscos, procuram uma palavra neutra para ficar na zona de conforto e, assim, dizem que o cenário é desafiador. Mas palavras confortáveis não servem quando se quer falar do futuro da educação. Tudo tem mudado tanto que é preciso achar termos que inquietam. O futuro é revolucionário. A interação com as novas tecnologias, a mudança na relação entre as pessoas, o imperativo da diversidade transformam radicalmente a educação.

Alguém pode dizer que o Brasil tem problemas mais básicos: ter boas escolas e elevar o nível de aprendizagem. Mas essa sempre foi a missão da educação. Contudo, a terra se move. O ponto tem que ser como atingir esses mesmos objetivos, neste momento e dentro da realidade do país. Um estudo divulgado no início do ano pela KnowledgeWorks traça o panorama das mudanças já em curso. O futuro está aqui. Ferramentas da nova comunicação estão na palma da mão. Vi no estado do Amazonas, na comunidade ribeirinha do Tumbira, no Rio Negro, a escola conectada com Manaus. Três mil pontos na imensidão amazônica recebem aula por satélite, e com interação entre professor e aluno.

A tendência não é entregar ao estudante o conteúdo fechado, mas desenvolver habilidades. O conhecimento está em evolução permanente. É preciso ser capaz de alcançá-lo. Outra constatação recente dos especialistas é que aprende melhor quem tem autoconfiança e sensação de pertencimento. Por isso os fatores socioemocionais entraram no radar dos educadores. O Ginásio Pernambucano (GP), mais antiga escola pública de ensino médio do Brasil, onde fiz uma reportagem em 2017, tem taxa zero de evasão e alto desempenho. Um dos seus segredos é a sessão de acolhimento, para os que entram na escola pela primeira vez. Os alunos são incentivados também a terem um projeto de vida. Ana Alice Barroso, na época com 16 anos, me explicou uma lição que aprendeu: No GP, dizem que a gente tem que ser o autor da própria história, mas no seu caminho você não vai ter só sucesso. Você vai cair. A gente escuta aqui muito sobre resiliência, que é cair e ter a capacidade de renascer como uma fênix.

A educação entrou em um descaminho tal que temos a sensação de que o país vai se perder. Mas esta é a era do conhecimento e o futuro nos trará de volta ao ponto principal. Nas últimas duas décadas e meia o Brasil melhorou, apesar de estar atrás de inúmeras nações, algumas mais pobres do que nós. Foi o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, que me mostrou, certa vez, os dados do ritmo de avanço para acalmar minha aflição com os indicadores do Brasil. Em reportagens, tenho visto casos animadores, que podem ser multiplicados. Como me disse, em 2017, Maria das Graças Bezerra, diretora da Escola Maria Leite na zona rural de Brejo Santo, Ceará: “não teria a menor graça uma escola se sobressair, e as outras, não”. A escola dela está entre as melhores do estado e ajuda outras a superar dificuldades.

Há muitas razões para o desânimo, mas os que se mobilizam pela educação de qualidade sabem quais são os problemas verdadeiros. Entendem que o caminho é longo, que novos obstáculos surgiram, mas que sempre será emocionante a tarefa de estimular as transformações do ensino brasileiro. Era natural conversar sobre educação na minha casa. Meu pai era diretor de colégio privado, minha mãe, professora pública. Ele havia saído da pobreza através dos estudos e incentivou a minha mãe a voltar à escola. Ela terminou o ensino médio e fez faculdade de pedagogia. Era normal ver minha mãe estudando para prova, ou fazendo o dever de casa, no meio dos filhos. Uma irmã, alguns anos mais nova do que eu, não conseguia aprender a ler, por ser portadora de necessidade especial. Minha segunda irmã, Ana Maria, decidiu assumir a missão. Tentou com ela todos os métodos didáticos que aprendera na Escola Normal, até que um funcionou e elas foram vitoriosas. Foi com as duas estudando duro que eu entendi o conceito de não deixar nem um pra trás. Não sei desde quando eu sonho com uma educação de qualidade no Brasil. Sei que vou continuar sonhando, porque isso é natural. Bom Dia da Educação para você.
 
Miriam Leitão - O Globo