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domingo, 28 de abril de 2019

Educação: sempre é preciso sonhar

No Dia da Educação, é preciso não perder a perspectiva e a esperança: o futuro nos trará de volta do descaminho no qual o país entrou

Hoje é o Dia da Educação e eu fiquei comparando dois mundos. Os economistas, quando querem falar de riscos, procuram uma palavra neutra para ficar na zona de conforto e, assim, dizem que o cenário é desafiador. Mas palavras confortáveis não servem quando se quer falar do futuro da educação. Tudo tem mudado tanto que é preciso achar termos que inquietam. O futuro é revolucionário. A interação com as novas tecnologias, a mudança na relação entre as pessoas, o imperativo da diversidade transformam radicalmente a educação.

Alguém pode dizer que o Brasil tem problemas mais básicos: ter boas escolas e elevar o nível de aprendizagem. Mas essa sempre foi a missão da educação. Contudo, a terra se move. O ponto tem que ser como atingir esses mesmos objetivos, neste momento e dentro da realidade do país. Um estudo divulgado no início do ano pela KnowledgeWorks traça o panorama das mudanças já em curso. O futuro está aqui. Ferramentas da nova comunicação estão na palma da mão. Vi no estado do Amazonas, na comunidade ribeirinha do Tumbira, no Rio Negro, a escola conectada com Manaus. Três mil pontos na imensidão amazônica recebem aula por satélite, e com interação entre professor e aluno.

A tendência não é entregar ao estudante o conteúdo fechado, mas desenvolver habilidades. O conhecimento está em evolução permanente. É preciso ser capaz de alcançá-lo. Outra constatação recente dos especialistas é que aprende melhor quem tem autoconfiança e sensação de pertencimento. Por isso os fatores socioemocionais entraram no radar dos educadores. O Ginásio Pernambucano (GP), mais antiga escola pública de ensino médio do Brasil, onde fiz uma reportagem em 2017, tem taxa zero de evasão e alto desempenho. Um dos seus segredos é a sessão de acolhimento, para os que entram na escola pela primeira vez. Os alunos são incentivados também a terem um projeto de vida. Ana Alice Barroso, na época com 16 anos, me explicou uma lição que aprendeu: No GP, dizem que a gente tem que ser o autor da própria história, mas no seu caminho você não vai ter só sucesso. Você vai cair. A gente escuta aqui muito sobre resiliência, que é cair e ter a capacidade de renascer como uma fênix.

A educação entrou em um descaminho tal que temos a sensação de que o país vai se perder. Mas esta é a era do conhecimento e o futuro nos trará de volta ao ponto principal. Nas últimas duas décadas e meia o Brasil melhorou, apesar de estar atrás de inúmeras nações, algumas mais pobres do que nós. Foi o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, que me mostrou, certa vez, os dados do ritmo de avanço para acalmar minha aflição com os indicadores do Brasil. Em reportagens, tenho visto casos animadores, que podem ser multiplicados. Como me disse, em 2017, Maria das Graças Bezerra, diretora da Escola Maria Leite na zona rural de Brejo Santo, Ceará: “não teria a menor graça uma escola se sobressair, e as outras, não”. A escola dela está entre as melhores do estado e ajuda outras a superar dificuldades.

Há muitas razões para o desânimo, mas os que se mobilizam pela educação de qualidade sabem quais são os problemas verdadeiros. Entendem que o caminho é longo, que novos obstáculos surgiram, mas que sempre será emocionante a tarefa de estimular as transformações do ensino brasileiro. Era natural conversar sobre educação na minha casa. Meu pai era diretor de colégio privado, minha mãe, professora pública. Ele havia saído da pobreza através dos estudos e incentivou a minha mãe a voltar à escola. Ela terminou o ensino médio e fez faculdade de pedagogia. Era normal ver minha mãe estudando para prova, ou fazendo o dever de casa, no meio dos filhos. Uma irmã, alguns anos mais nova do que eu, não conseguia aprender a ler, por ser portadora de necessidade especial. Minha segunda irmã, Ana Maria, decidiu assumir a missão. Tentou com ela todos os métodos didáticos que aprendera na Escola Normal, até que um funcionou e elas foram vitoriosas. Foi com as duas estudando duro que eu entendi o conceito de não deixar nem um pra trás. Não sei desde quando eu sonho com uma educação de qualidade no Brasil. Sei que vou continuar sonhando, porque isso é natural. Bom Dia da Educação para você.
 
Miriam Leitão - O Globo
 

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Governo enterra programa que foi vitrine na eleição



Empresas que faturaram R$ 2,5 bilhões em 2014 não receberam neste ano nem 3% do valor arrecadado no mesmo período do ano passado
O programa do governo federal de entrega de máquinas para pequenos municípios recuperarem estradas vicinais foi enterrado neste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. As dezoito empresas que ganharam bilhões em 2014 vendendo escavadeiras, niveladoras e caçambas para 5.000 municípios por meio do PACo 2.

Equipamentos não receberam neste ano nem 3% do que ganharam no mesmo período do ano passado, poucos meses antes das eleições. Em 2014, essas empresas figuraram entre as 200 que mais faturaram em contratos com a União, que promovia a entrega de equipamentos em cerimônias oficiais pelo interior do país, contando às vezes até com a presença da presidente.

De janeiro a abril daquele ano, as fornecedoras receberam 2,5 bilhões de reais, segundo levantamento do jornal Estado de S. Paulo feito nas contas do governo federal - valor que caiu para 75 milhões de reais neste ano. Se for levado em conta apenas o gasto via Ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pelo programa, as empresas não receberam nem um centavo do governo em 2015. A curva dos gastos federais com a compra desses equipamentos no primeiro governo Dilma é crescente: o repasse às revendedoras de máquinas foi subindo de maneira vertiginosa até 2014, ano em que o governo registrou o maior déficit primário nas contas públicas da série histórica, iniciada em 1997.

O valor gasto com essas empresas naquele ano chegou a 5,5 bilhões de reais - 60% foram desembolsados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. No total, a pasta diz ter comprado mais de 19.000 máquinas que foram distribuídas para praticamente todos os municípios brasileiros de pequeno porte. O objetivo era recuperar estradas vicinais, facilitar o acesso das zonas rurais aos centros urbanos e melhorar o escoamento da produção agrícola. 

O programa foi levado a cabo sem que nenhum indicador de execução dessas obras tivesse sido criado pelo governo federal. Desde o início, o único objetivo colocado para o programa, conforme o Plano Plurianual 2012-2015, era doar máquinas aos municípios. A falta de acompanhamento para saber se os municípios estavam usando os equipamentos de forma correta e se as estradas estavam melhorando foi alvo de críticas em relatório da Controladoria-Geral da União sobre as contas de 2013 do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Segundo a CGU, apenas acompanhar o total de doações é "insuficiente para concluir sobre a efetividade da ação". O órgão diz que o governo federal não investiu na capacitação de mão de obra para operar os equipamentos e não designou responsáveis no ministério para verificar os resultados.  "Constata-se ausência de normativos definindo procedimentos e rotinas de avaliação dos resultados quantitativos e qualitativos da ação, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio de indicadores de gestão que monitorem o uso e a manutenção dos equipamentos, a quantidade e a qualidade das obras e/ou serviços realizados, e os impactos para o público-alvo", diz o relatório.

Na época, o ministério informou à CGU que havia contatado a Universidade de Brasília para, em parceria, criar indicadores de avaliação do programa. Questionada, no entanto, a pasta não disse quais foram os indicadores criados ou a conclusão dos trabalhos. Afirmou apenas que a parceria com a UnB foi concretizada e que os resultados estão sendo avaliados. Segundo o ministério, o programa atingiu seus objetivos. "A demanda pelos equipamentos partiu dos próprios municípios, que não tinham condições de equipar seus parques de máquinas para realizar a recuperação e manutenção das estradas vicinais e o enfrentamento aos períodos de seca", informou em nota. Ainda de acordo com a pasta do Desenvolvimento Agrário, o programa já estava planejado para não ter continuidade neste ano.

 Fonte: Com Estadão Conteúdo