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segunda-feira, 11 de julho de 2022

Ligações criminosas - Revista Oeste

 O que se sabe sobre a relação entre PT e PCC: até onde as siglas se misturaram na história?

Foto: Montagem Revista Oeste/Estadão Conteúdo/Divulgação
Foto: Montagem Revista Oeste/Estadão Conteúdo/Divulgação

Uma escuta telefônica de abril daquele ano levantou mais algumas suspeitas sobre um dos grandes mistérios da política brasileira: o PCC tem um braço partidário? Há dezenas de menções nos arquivos policiais sobre o flerte de integrantes do Partido dos Trabalhadores com a bandidagem organizada. Mas é preciso separar o que já foi documentado das teorias conspiratórias.

Num diálogo interceptado pela Polícia Federal, Alexsandro Pereira, conhecido como “Elias” ou “Véio”, reclamava da transferência de presos da facção de Presidente Venceslau, a P2, no interior paulista, presídio usado para isolar os membros da cúpula do PCC. Elias era o responsável pela mensalidade que os criminosos pagam para ajudar os familiares. As chamadas “rifas” são comercializadas em garagens de empresas de ônibus e reuniões de sindicatos. Não existe prêmio de fato. “É a rifa da família”, como dizem seus vendedores.

Na época da investigação, vazada pela imprensa, o ministro da Justiça era Sergio Moro; o presidente, Jair Bolsonaro.

O trecho abaixo foi transcrito literalmente, sem correções nem retoques.

“(sic) Os caras tão no começo do mandato dos cara, você acha que os cara já começou o mandato mexendo com nois irmão. Já mexendo diretamente com a cúpula, irmão. (…)  Então, se os cara começou mexendo com quem estava na linha de frente, os caras já entrou falando o quê? ‘Com nois já não tem diálogo, não, mano. Se vocês estava tendo diálogo com outros, que tava na frente, com nois já não vai ter diálogo, não’. Esse Moro aí, esse cara é um fdp*, mano. Ele veio pra atrasar. Ele começou a atrasar quando foi pra cima do PT. Pra você ver, o PT com nois tinha diálogo. O PT tinha diálogo com nois cabuloso, mano, porque… Situação que nem dá pra nois ficar conversado a caminhada aqui pelo telefone, mano”

O pano de fundo desse áudio é uma grande transferência de presos que agitou o sistema carcerário do Estado em 2019. Na lista estava Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, que seria levado para Rondônia. O responsável pela transferência dos criminosos era o promotor Lincoln Gakiya. O despacho havia sido redigido em novembro de 2018, mas foi desautorizado pelo então governador, Márcio França (PSB), sucessor de Geraldo Alckmin. No ano seguinte, a transferência aconteceu, por ordem de João Doria.

O promotor resolveu afastar da chamada P2, em Presidente Venceslau, Marcola e seu braço direito, Gilberto Aparecido dos Santos, o “Fuminho”. Estava em curso um plano de fuga para o grupo montado por Fuminho, que envolvia a compra de aeronaves, muitas armas e explosivos para derrubar a muralha da penitenciária, além do apoio de traficantes de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. A P2 estava sendo monitorada por drones (veja imagem abaixo).

Um despacho assinado por Gakiya dá mais detalhes do plano: “Segundo relatos adicionais, colhidos pela inteligência das polícias da região, o grupo arregimentado por ‘Fuminho’ seria formado por grande número de homens que estão sendo treinados nas fazendas dele na Bolívia, os quais seriam originários de várias nacionalidades, inclusive soldados africanos com expertise no manuseio de armamento pesado e explosivos, divididos em várias células com funções específicas e compartimentadas”.

O promotor foi jurado de morte pelo PCC. Seu assassinato foi encomendado pelos criminosos e apareceu escrito no lado avesso do bolso da bermuda de um detento. Gakiya contou a Oeste que um drone da facção o monitorava enquanto fazia cooper no condomínio em que mora, em Presidente Prudente. Sua família tem escolta e não viaja para o exterior. Tenho mais seguranças do que o presidente”, disse, cercado por 12 policiais militares armados até os dentes.

O fantasma de Celso Daniel
São nessas garagens de empresas de ônibus — as mesmas em que são vendidas as “rifas” — que se amparam as teses qualificadas como fantasiosas pelo PT. A novela começou nos anos 1990. Naquela época, empresários do ramo estavam em guerra com os chamados “perueiros” (donos de vans autônomas que chegavam aos pontos de parada na frente dos ônibus oficiais). A rede de transporte clandestino era chefiada pelo PCC na periferia de São Paulo e no ABC Paulista.

Funcionava da seguinte forma: o bando achacava as empresas de ônibus com o aval de prefeitos petistas, como Celso Daniel, em Santo André, e repassava parte do dinheiro para financiar campanhas do PT. Na cidade do ABC Paulista, o esquema era chefiado pelo então supersecretário Klinger Luiz de Oliveira Souza, por Sergio Gomes da Silva, o “Sombra”, guarda-costas do prefeito que virou próspero empresário de transportes no Ceará, e por Ronan Maria Pinto, dono de empresas de transporte coletivo. Em 2005, quando a CPI dos Bingos no Senado investigou o caso, foi descoberta uma lista com nomes de petistas que haviam recebido propinas.

O trio, apelidado de “Três Mosqueteiros” na cidade, foi condenado por corrupção. Mas não foi esse o crime mais grave que os assombrou. Todos eles orbitavam a gestão de Celso Daniel, quando o prefeito que comandava a campanha de Lula à Presidência foi assassinado à bala, em janeiro de 2002.

Apontado como o mandante da morte pelo Ministério Público, Sombra chegou a ficar sete meses na prisão, mas foi solto por uma canetada de Nelson Jobim, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), durante o recesso do Judiciário. Depois disso, recolheu-se até morrer, em 2016, vítima de câncer. Klinger abandonou a política e desapareceu. Ronan Maria Pinto foi preso pela 27ª fase da Lava Jato, em abril de 2016.

A operação da PF foi batizada de “Carbono 14”, referência ao procedimento científico para datar fósseis. A escolha do nome se deu pela união do Petrolão ao caso Celso Daniel. A informação partiu de Marcos Valério de Souza, o lobista e operador do Mensalão
Desde 2018, quando negociou sua delação premiada, Valério repetiu algumas histórias. O lobista pegou a pena mais pesada, de 37 anos de reclusão. Espancado diversas vezes na cadeia, numa delas foi parar na enfermaria com poucos dentes na boca.
 
Valério contou que foi procurado em 2005 por Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT. Tratava-se de um pedido de ajuda para pagar R$ 6 milhões a Ronan Maria Pinto, que estava chantageando Lula e o ex-ministro José Dirceu. 
O empresário ameaçava contar às autoridades que o PT encomendou o assassinato de Celso Daniel. 
O prefeito estava descontente porque aliados estariam roubando o caixa dois do próprio partido. O relato nunca foi provado.

O lobista disse que tinha R$ 100 milhões escondidos, mas se negou a conversar com Ronan. O motivo: tinha medo de morrer também. O caso é antigo — Ronan inclusive usou tornozeleira eletrônica durante anos por causa do dinheiro de propina —, mas ressurgiu nesta semana em um vídeo publicado pela revista Veja. Há dez anos, Valério tenta fazer acordo com as autoridades para diminuir suas penas.

Segundo o operador do Mensalão, o PT afastou políticos ligados ao PCC para evitar que o lamaçal respingasse em Lula. Valério disse que chegou a ser ameaçado por Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula. O diálogo aconteceu num antigo hotel em Brasília, durante a CPI dos Correios, que investigou o Mensalão. Okamotto afirmou que Valério teria o mesmo destino de Celso Daniel se revelasse os esquemas de corrupção.

De Celso Daniel a Palocci
A conexão do PT com o crime organizado também foi relatada pelo ex-ministro Antonio Palocci Filho em acordo de delação. Preso, ele contou que o partido usou a facção para lavar dinheiro roubado de Brasília. O esquema envolvia postos de gasolina e compra de imóveis por meio da rede do doleiro Alberto Yousseff. Um dos braços políticos era o ex-deputado André Vargas, preso no começo da Lava Jato.

Palocci admitiu que o apartamento onde morava no bairro de Moema pertencia a um integrante da facção. Praticamente todas as provas citadas por Palocci foram anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O PT continua recitando que a Lava Jato tentou destruir o partido.

Os irmãos Moura
Outra evidência robusta dos vínculos entre o partido e a facção foi descoberta na periferia leste de São Paulo, reduto político do vereador petista Senival Moura. Fazem parte do grupo o irmão dele, Luiz, que foi deputado na Assembleia Legislativa paulista, e Vavá dos Transportes, ex-vereador.

Mais uma vez, a história envolve empresas de ônibus e um cadáver. Adauto Soares Jorge, que dirigia uma delas, a Transunião, foi assassinado. Uma testemunha protegida por sigilo na investigação da Polícia Civil afirmou que o vereador Senival Moura foi o mandante do crime e que tem forte ligação com o PCC.

O roteiro é essencialmente o mesmo. Segundo a testemunha, a facção usava o transporte público para lavar dinheiro e financiava campanhas do grupo de Senival. No entanto, o PCC descobriu que o petista operava um caixa paralelo. Sua morte chegou a ser acertada, mas ele conseguiu negociar a sobrevivência em troca dos ônibus que tinha. A investigação policial é farta de documentos, inclusive com imagens de câmeras de segurança e cheques. Tudo se baseia em provas.

Senival continua frequentando normalmente a Câmara Municipal de São Paulo. Mas seu irmão, Luiz, deixou a política pela porta dos fundos. Ele era deputado estadual quando veio à tona uma investigação do Ministério Público sobre participação em ataques a ônibus na cidade. Luiz foi flagrado numa garagem com integrantes da facção, reunidos para tratar da logística dos incêndios.

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) afirmou que Senival e Luiz “são irmãos de sangue do PCC” na zona leste da capital. Eles são próximos de Jilmar Tatto, ex-secretário de Transportes, e do ex-ministro Alexandre Padilha.

Luiz Moura ainda tem no currículo duas prisões. A primeira ocorreu em 1991, no Paraná, por assalto à mão armada. Ele fugiu da cadeia depois de um ano e meio e ficou foragido por uma década, até a prescrição da pena. Depois comprou linhas de ônibus e postos de gasolina e se elegeu deputado estadual pelo PT, em 2010. A segunda foi em 2016, por tentar impedir uma ação da Polícia Federal num posto de gasolina na Lapa, zona oeste da capital paulista.​​

Todos esses episódios estão documentados em inquéritos que, com perturbadora frequência, dominam o noticiário político-policial. Os relatos noticiados nesta edição aparentemente compõem apenas um braço do monstro. É essencial exumar todo o cadáver para impedir que o Brasil repita a saga vivida no fim do século passado pela Colômbia.

 

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