Bancado
por três envolvidos no petrolão, o sítio Santa Bárbara abre definitivamente o
portão da Lava Jato para o ex-presidente
No final
de seu governo, no segundo semestre de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva dizia a amigos que queria levar uma vida
tranquila após deixar o Palácio do Planalto.
Confidenciava aos mais próximos, alguns deles ouvidos por ÉPOCA,
que sentia falta das tardes de futebol e churrasco no Los Fubangos,
sítio modesto que curtia com os companheiros antes de chegar ao poder. Um dos
amigos a ouvir os desejos de Lula foi José Carlos Bumlai,
empresário e lobista que viria a ser preso na Operação Lava Jato,
acusado de embolsar propina do petrolão.
Ainda não
se sabe de quem partiu a ordem para providenciar um novo refúgio ao então
presidente, nem
sequer se houve uma ordem verbal e explícita, mas, dali a poucos meses, Bumlai
tomou para si a tarefa – e se jactou dela entre os familiares de Lula e
dirigentes do PT. Nascia o Santa Bárbara, um sítio na área rural
de Atibaia, a cerca de 60 quilômetros de São Paulo, generosamente
reformado para combinar com as preferências de lazer de Lula. Seis anos
depois, as negativas do ex-presidente sobre a propriedade do sítio e a
revelação dos nomes dos responsáveis pela reforma do imóvel transformaram o bucólico
Santa Bárbara na maior encrenca já enfrentada pelo petista.
No papel,
o sítio Santa Bárbara pertence aos empresários Jonas Suassuna e Fernando
Bittar, parceiros comerciais de Fábio Luís da
Silva, filho de Lula que no primeiro mandato do pai se tornou um
empreendedor de sucesso na área de tecnologia, graças à compra de sua empresa
pelo grupo da empreiteira Andrade Gutierrez, também envolvida
na Lava Jato. [vale lembrar que o inicio da
riqueza do Lulinha foi o investimento de US$ 5.000.000 feito pela antiga
TELEMAR, atual OI, em uma empresa de joguinhos para computador que o pupilo de
Lula tinha – a GAMECORP; ;
Feito o investimento, a fundo
perdido, já que a ‘gamecorps’ não valia sequer R$ 5.000, Lula retribuiu
assinando um decreto que permitiu a fusão da TELEMAR com a BRASIL TELECOM
resultando na gigantesca OI.]
Desde que passou a ser questionado sobre o Santa
Bárbara, Lula admitiu apenas, e mesmo assim somente por meio de sua
assessoria, “frequentar” o local, que seria de propriedade de “amigos”
dele, “em dias de descanso”. Em nota, a assessoria de Lula afirmou: “Embora
pertença à esfera pessoal e privada, esse é um fato tornado público pela
imprensa já há bastante tempo. A tentativa de associá-lo a supostos atos
ilícitos tem o objetivo mal disfarçado de macular a imagem do ex-presidente”.
Os assessores de Lula tentavam demonstrar que se tratava de uma
falsa questão.
Não é,
conforme apontam as evidências publicadas pela imprensa e investigadas pela Força-Tarefa
da Lava Jato e por promotores paulistas. Na segunda-feira, dia 1º, a
reportagem publicada por ÉPOCA revelou a fragilidade da versão de Lula. A partir de dados públicos dos gastos e dos deslocamentos dos
seguranças de Lula, ÉPOCA descobriu que, desde 2012, o ex-presidente e sua família
foram 111 vezes a Atibaia. Como todo ex-presidente da República,
Lula tem direito a uma equipe de seguranças e assessores pelo resto da vida.
Os
salários e os custos do trabalho deles são pagos com dinheiro público, como
manda a lei. As
informações fornecidas pela Presidência da República mostram que sete seguranças dedicados a Lula passaram, no
total, 283 dias na cidade. Em média, a cada cinco dias um segurança de
Lula foi deslocado a Atibaia, em datas que incluem fins de semana,
períodos de férias escolares, feriados e até o Réveillon. Quem visita amigos tantas vezes? Isso é frequência de dias de
descanso na propriedade de amigos ou é uma casa de veraneio?
Até
surgir o escândalo do petrolão, Lula e seus aliados referiam-se cotidianamente ao “sítio em Atibaia”
como um local de descanso do ex-presidente. Testemunhas
e notas fiscais comprovam que o Santa Bárbara foi projetado, reformado direta e
indiretamente com dinheiro das empreiteiras Odebrecht e OAS e da Usina
São Fernando, que pertence a Bumlai. Três dos principais
beneficiários do petrolão, portanto, financiaram o sítio. Nenhuma das três
partes desse consórcio deu qualquer explicação sobre os gastos. E por que Odebrecht, OAS e Bumlai empenhariam
tamanha generosidade à dupla Jonas Suassuna e Fernando Bittar? Até
agora, Suassuna e Bittar permanecem em silêncio – como todos os que
devem explicações nesse caso.
Entre
outubro de 2010 e janeiro de 2011, a propriedade de
173.000 metros quadrados, com lago e uma casa antiga, ganhou uma segunda casa
com quatro suítes e um espaço para churrasqueira. O jornal Folha de S.Paulo mostrou, a partir de entrevistas com fornecedores, que
pelo menos R$ 500 mil foram gastos em materiais para a obra, tocada pelo
engenheiro Frederico Barbosa, da Odebrecht. Além do engenheiro, a
empreiteira comprou o material no comércio local. À OAS coube, entre
outros consertos, reformar e instalar equipamentos na cozinha. Amigo de Lula
desde 2002, o empresário José Carlos Bumlai forneceu o arquiteto Ingenes
Irigaray Neto, que vive em Dourados, Mato Grosso do Sul, a mesma
cidade de Bumlai, e já trabalhou para a Usina São Fernando.
Em
qualquer circunstância seria desconfortável para um homem público como Lula
admitir que empreiteiras com negócios bilionários com o governo, e um amigo beneficiado por
empréstimos do BNDES,
pagaram a reforma do sítio. Mas a Lava Jato deixa
tudo muito, muito pior. O presidente da Odebrecht, Marcelo
Odebrecht, está preso em São José dos Pinhais há quase oito meses. Contra
sua empresa pesam acusações – apoiadas em fortes evidências – de
participar de um cartel que pagava propina a diretores, políticos e lobistas em
troca de obras. Além de bancar a reforma, a Odebrecht figura entre as
maiores contribuintes do Instituto Lula e uma das principais clientes da LILS,
a empresa aberta por Lula para agenciar suas palestras no exterior. A Odebrecht foi a principal contratante das 47 palestras que
Lula fez no exterior entre 2011 e junho do ano passado. Logo após o
término das reformas, Lula deixou de ser cliente para ser prestador de serviços
para a Odebrecht, ao fazer duas palestras, uma na Bahia e outra no
Panamá.
Assim
como Marcelo Odebrecht, José Carlos Bumlai está preso em Curitiba.
Ele é suspeito de ter conseguido
um contrato para a construtora Schahin com a Petrobras, em troca de um
empréstimo para o PT. Bumlai prosperou no governo Lula, a ponto de montar uma usina de
álcool, bancada em parte com recursos do BNDES. Era conhecido
como um caminho mais curto para quem queria chegar a Lula. Em seu acordo de
delação premiada, o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, disse que foi
por essa trilha: pagou R$ 2 milhões de propina a Bumlai para tentar emplacar um
negócio entre a OSX, do empresário Eike Batista, e a Sete Brasil, o
filhote que forneceria sondas para a Petrobras explorar o pré-sal. Segundo
Baiano, no começo de 2011, quando o concreto da reforma do sítio ainda estava
fresco, Bumlai levou o presidente da Sete, João Carlos Ferraz, para uma
conversa com Lula em seu instituto, com o intuito de facilitar as coisas entre Sete
Brasil e OSX. Na ocasião, o Instituto Lula disse que o ex-presidente “não
se envolveu como intermediário de empresas e não autorizou José Carlos Bumlai a
usar o nome dele para qualquer tipo de lobby”.
O
terceiro contribuinte do sítio foi a construtora OAS, cujo presidente, Leo
Pinheiro, passou
uma temporada em Curitiba, foi condenado a 16 anos de prisão e recorre em
liberdade. A empresa de Pinheiro é caso de dupla parceria com Lula na área
de imóveis. Além do sítio, bancou a reforma no tríplex reservado para a
família do ex-presidente no Condomínio Solaris, em Guarujá. De acordo com
documentos publicados pelo site O Antagonista e pelo jornal O Estado de S. Paulo, a OAS fez a reforma e comprou móveis e
equipamentos para as cozinhas do sítio e do apartamento. Testemunhas viram Pinheiro
em pessoa visitar o tríplex com a ex-primeira-dama Marisa Letícia.
Não foi a
única deferência da OAS com os Lulas da Silva. Na semana passada, ex-cooperados
da Bancoop, a cooperativa de bancários que começou a construção do
Solaris, quebrou e repassou à OAS, reclamaram da diferença de tratamento. Enquanto a maioria foi pressionada pela OAS a decidir em
pouco tempo se colocaria mais dinheiro para terminar a obra micada, Lula
teve cinco anos para isso. A OAS ainda bancou uma reforma
de cerca de R$ 770 mil no imóvel. Com a Lava Jato na rua, em 2015, Lula
desistiu do apartamento.
A
Força-Tarefa em Curitiba e o Ministério Público do Estado de São Paulo
investigam se Lula ocultou patrimônio. O sítio em Atibaia e o apartamento em Guarujá,
que deveriam ser refúgios para o ex-presidente, não darão descanso a Lula. Abriram
os portões da Lava Jato para o petista.
Fonte:
Época