Ah, agora entendi. Fux está dizendo que decisão
com a qual ele não concorda não vale. Reitere-se: já antes de o STF
votar o caso Aécio, parlamentares só podiam ser presos em flagrante de
crime inafiançável, valendo o mesmo para os deputados estaduais
Luiz
Roberto Barroso é, sem dúvida, o mais ideológico dos ministros do
Supremo. Chegarei a ele. Mas Luiz Fux é, de longe, a figura mais, como
posso chamar?, esfuziante do tribunal, com traços de espalhafato. É um
homem, já revelei aqui, que não teme o inusitado. Quando foi indicado
para o STF por Dilma Rousseff, foi comemorar em companhia de Sérgio
Cabral, então governador do Rio, e seu séquito. Não sem antes anunciar
que faria algo inédito, ajoelhou-se e beijou os pés de Adriana Ancelmo,
primeira-dama do Estado. O homem sabia a quem estava sendo grato.
Reuniu-se ainda com José Dirceu e João Paulo Cunha, dois réus do
mensalão. Ao à época ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
declarou-se o tipo de juiz que “mata a bola no peito”. Nomeado,
aprovado, com as bênçãos e o patrocínio do PT, que o havia escalado,
votou contra a companheirada. E, como se verá, posa agora de Torquemada
do país descoberto por Cabral, o Sérgio. Explico.
O doutor
decidiu conceder nesta segunda uma entrevista à BBC Brasil. Classificou
de “Lamentável, vulgar e promíscua” a decisão da Alerj (Assembleia
Legislativa do Rio) de revogar as respectivas prisões preventivas dos
deputados estaduais Jorge Picciani (presidente da Casa), Paulo Melo e
Edson Albertassi, todos do PMDB do marido daquela a cujos pés ele se
rendeu em lisonja. Vai ver Fux é um apreciador de Augusto dos Anjos: “O
beijo, amigo, é a véspera do escarro”. Estivessem mais atentos, seus
amigos de antes e alvos de agora talvez tivessem seguido os conselhos do
poeta: “Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te
beija!”. O ministro está na Inglaterra. Participa de um seminário na
Universidade de Oxford. A entrevista à BBC Brasil foi concedida na sede
da BBC, em Londres.
Quem não
sabe do que Fux está falando ficará, sim, com a impressão de que a Alerj
fez algo ilegal, o que é mentira. E quero que Picciani, Melo e
Albertassi se danem. Nunca os vi pessoalmente nem mais gordos nem mais
magros. Quem conhece essa gente poderosa do Rio é Fux, não eu, que não
beijo os pés de ninguém nem me ajoelho diante de potentados dos reinos
animal, vegetal ou mineral. Trata-se de uma das entrevistas mais
malandras que já li, que enrola também os jornalistas — malandragem,
entenda-se, em sentido intelectual.
Indagado sobre a decisão, a primeira resposta de Fux é esta:
“Eu entendo que essa é uma
decisão lamentável decorrente de uma interpretação incorreta feita em
razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (de dar ao Senado o poder
de rever medidas cautelares contra Aécio Neves), por 6 a 5, apertada
maioria. Portanto, entendo que a tese dessa decisão vai voltar ao
plenário. Mas eles se basearam nessa decisão para entender que os
deputados estaduais têm as mesmas imunidades dos congressistas federais.
Entretanto, houve, no caso federal, uma provocação do Judiciário. E as
Assembleias estaduais estão utilizando de maneira vulgar e promíscua
essa decisão do Supremo sem provocação em relação ao Judiciário. É uma
decisão lamentável, que desprestigia o Poder Judiciário, gera uma
sensação de impunidade e que certamente será revista pelo Supremo
Tribunal Federal.”
É um
espanto! Fux afirma que a decisão do STF, que submete ao escrutínio das
Casas Legislativas, a aplicação de medidas cautelares contra
parlamentares foi tomada 6 a 5 e tem de voltar ao plenário. O doutor não
reconhece que 6 seja mais do que 5 quando ele está do lado perdedor. De
todo modo, a decisão mais gravosa tomada pelo TRF2 foi a prisão
preventiva dos parlamentares, não o afastamento cautelar do mandato.
O ministro
finge ignorar dois Artigos da Constituição: o 53 estabelece que
parlamentares só podem ser presos por flagrante de crime inafiançável. E
o 27 concede aos deputados estaduais as mesmas prerrogativas e
imunidades dos parlamentares federais. Assim, mesmo em relação às
medidas cautelares — QUE NÃO ESTÃO PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO PARA
PARLAMENTARES, NOTE-SE —, a interpretação dada pelo Supremo no que
concerne aos parlamentares federais vale também para os estaduais. Mas
Fux discorda. Segundo o preclaro, o que o STF decidiu só valia para
deputados e senadores porque houve “uma provocação” — vale dizer: porque
houve Ação Direita de Inconstitucionalidade.
Mas onde é que está escrito isso?
Respondo: em lugar nenhum!
E onde está escrito que os parlamentares estaduais têm as mesmas prerrogativas e imunidades dos federais? No Parágrafo 1º do Artigo 27 da Constituição.
Muito bem,
quem lesse a resposta anterior, ficaria com a impressão de que, com
efeito, a Alerj teria cometido alguma impropriedade. Mas eis que o
ministro afirma em outra resposta:
“A Constituição estabelece
que, até a denúncia, a competência é do Poder Judiciário. Então, o Poder
Judiciário não precisaria de autorização nenhuma do Congresso e das
Assembleias para determinar medidas cautelares. No meu modo de ver, a
decisão do Supremo é incorreta. Ela restou proferida por uma maioria,
mas na essência é uma decisão incorreta.”
Ah, agora
entendi. Fux está dizendo que decisão com a qual ele não concorda não
vale. Reitere-se: já antes de o STF votar o caso Aécio, parlamentares só
podiam ser presos em flagrante de crime inafiançável, valendo o mesmo
para os deputados estaduais. Os crimes de que o trio é acusado não são
inafiançáveis nem houve flagrante. O
Congresso Brasileiro já foi mandado para a lama. O Executivo vive
permanentemente debaixo de vara. Fux, parece, pretende agora
desmoralizar um pouco mais o STF
“Lamentável,
vulgar e promíscuo”, além de indecoroso, é atacar em solo estrangeiro
uma decisão tomada pelo tribunal a que ele pertence., transformando sua
mera opinião em fonte da verdade. Opinião que, de resto, ignora a
Constituição. Se o STF
tornar sem efeito a decisão da Alerj, estará passando a borracha no
Artigo 27 da Constituição. O 53 já foi rasurado quando se admitiu a
aplicação de medidas cautelares a parlamentares, o que simplesmente não
está na Constituição.
Blog do Reinaldo Azevedo
Entre outras sandices, o futuro presidente do TSE
resolveu “abençoar” a candidatura de Joaquim Barbosa à Presidência e
disse ver equipes sólidas por trás dos “outsiders”