Lula voltou às ruas pelas mãos do STF, mas continua enrolado com a Justiça até o pescoço.
Tente, se for possível, desligar um pouco a cabeça da
gritaria que está se ouvindo por aí e procure entender melhor o que significa,
no mundo das realidades, o alvará de soltura que devolveu às ruas o
ex-presidente Lula, após um ano e sete meses de “privação de liberdade”, como
se diz nas varas criminais. Lula está solto, sim, mas e daí?
Há muito tempo um monte de gente pergunta: “E o que vai
acontecer com este país quando o Lula for solto, meu Deus do céu?” Da mesma
forma, embora ninguém mais se lembre disso, o mundo político em peso se
perguntava antes do ex-presidente ser trancado em sua cela de Curitiba: “E o
que vai acontecer se o Lula for preso, meu Deus do céu?”
O ministro Marco Aurélio, por exemplo, achava que iria
acontecer “uma convulsão social”. Os dirigentes do PT prometiam “um banho de
sangue”. O “exército do Stédile” ia invadir as ruas, chegou a ameaçar o próprio
Lula – enquanto elites à beira de um ataque de nervos discutiam em seus salões,
cercados por seguranças de terno preto, que “loucura” seria mandar para o
xadrez um dos maiores gênios políticos que a humanidade jamais havia visto. Não
aconteceu nada na ocasião – o povo ficou rigorosamente mudo. Não está
acontecendo nada agora. [e nem vai acontecer nada anormal;
o único acontecimento será a volta do condenado para a cadeia - cumprir mais uma condenação. O condenado petista, temporariamente fora da cadeia, se considerava uma ideia, na realidade era apenas um 'pum' fétido, que sumiu no ar.]
Lula está solto, sim, como aliás já deveria estar desde que
cumpriu um sexto da sua primeira pena – mas para ser um cidadão ficha limpa e
livre de verdade ainda precisa de muita coisa. Precisa, em primeiro lugar, dar
um jeito para que suas três condenações seguidas no caso do “triplex do
Guarujá” sejam anuladas.
Isso mesmo: o seu problema não tem nada a ver com a “prisão
em segunda instância”, como ficou conhecida a questão que o STF acaba de
decidir, pois ele já foi condenado três vezes nessa história, por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro. Ao contrário do cidadão realmente livre, além
disso, ele continua inelegível para qualquer cargo público. Também não foi
absolvido de coisa nenhuma, e nem provou “a sua inocência”, como vive dizendo
que vai fazer um dia.
O que o STF decidiu, apenas, é que os criminosos têm o
direito de recorrer em liberdade até o “trânsito em julgado” das suas
sentenças. Para completar, o “Lula Livre” tem mais uma meia dúzia de processos
brabos pela frente, num dos quais, aliás, já está condenado em primeira
instância na 13ª Vara Federal de Curitiba.
“Não respondo a criminosos, presos ou soltos”, disse o
ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, ao ser indagado sobre os
insultos feitos contra ele por Lula após a sua soltura. Se o [temporariamente] ex-presidiário não
lhe agredisse com essas novas injúrias, Moro, provavelmente, não diria nada a
respeito do assunto; não é o seu estilo falar assim. Mas Lula pediu para ouvir
isso – e ouviu. Forneceu a oportunidade perfeita, assim, para ser definido como
realmente é: um criminoso.
Solto, mas criminoso assim mesmo, coisa que só deixará de
ser quando for absolvido das sentenças que já recebeu – e, eventualmente, de
todas as outras que ainda tem pela proa. No mais, continua vivendo no Brasil da
bolha – a bolha de irrealidade que o cerca há anos, onde é bajulado como um
monarca, convive com milionários e na qual ninguém produz um parafuso, nem
conhece o que é um dia verdadeiro de trabalho.
Tanto faz, por enquanto, onde Lula está. Preso, ele não
podia roubar, ou comandar o roubo em escala gigante que marcou seus dois
mandatos de presidente. Solto, também não pode – não enquanto estiver fora do
governo. Tem uma estrada bem longa para chegar lá outra vez.
J R Guzzo, jornalista - Gazeta do Povo