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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Realidade ignorada

Documento passa ao largo de aspectos fundamentais do papel das universidades federais públicas 

O Banco Mundial publicou um relatório criticando o ensino superior público e gratuito. O documento contém erros que merecem reparo. Afirma que as políticas públicas têm favorecido os mais ricos, mas não refere à acentuada injustiça tributária no país. Limitado a indicadores financeiros, o documento ignora dados da realidade social brasileira e o papel das universidades públicas no desenvolvimento econômico e social. Estão incorretos dados sobre o perfil dos discentes das universidades federais e sobre os investimentos públicos realizados nas instituições.

O Banco ignora processos seletivos massivos, como o Enem, a criação de mais de 300 campi no vasto interior do país, e a lei de cotas, que contribuem para que apenas 10% dos alunos matriculados em universidades federais venham de famílias com renda bruta familiar de dez ou mais salários mínimos; 51% pertencem a famílias com renda bruta abaixo de três salários mínimos.

Os mais ricos deveriam pagar pela educação pública, mas não apenas os que têm filhos nas universidades públicas. Uma política distributiva séria tributaria todos os ricos (com ou sem filhos nas universidades públicas) taxando fortunas, heranças e propriedades, a fim de possibilitar a parcelas maiores da população o acesso à educação pública de qualidade.

O investimento em educação no Brasil é dos mais baixos entre todos os países da OCDE. O Brasil só investe mais que o México. Fica atrás de Chile, Coreia do Sul, Estônia, Hungria e Polônia. Considerada apenas a educação superior, o investimento do Brasil por aluno (US$/PPP 13.540,00) está abaixo da média da OCDE (US$/PPP 15.772,00), isso em um cálculo que inclui gastos com os aposentados das universidades (gasto previdenciário), o que corresponde a cerca de 25% de todo o valor contabilizado.  Afirmar que o investimento por aluno em universidades públicas é maior do que o financiamento por aluno em instituições privadas é uma obviedade. As primeiras são responsáveis por quase toda a pesquisa científica e tecnológica realizada no país.

O Banco Mundial ignora aspectos fundamentais da atuação das universidades federais. Públicas e gratuitas acolhem alunos de todas as origens sociais, raças e etnias. Mantêm uma rede de hospitais públicos de alta complexidade, clínicas, laboratórios e serviços diversos de atendimento gratuito à comunidade, sendo, muitas vezes, as únicas opções de acesso ao atendimento de saúde.

O que surpreende é que as universidades federais consigam resultados acadêmicos, científicos e sociais tão expressivos, apesar de políticas de financiamento instáveis e de ataques recorrentes dos grandes grupos econômicos. A questão é: em qual país as recomendações do Banco Mundial levaram ao desenvolvimento e à soberania? 


Emmanuel Tourinho é presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)