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quinta-feira, 23 de abril de 2015

A “solução” australiana para os refugiados



Em crises complexas, sempre existe a busca de uma fácil boia de salvamento. E poucas crises são tão complexas como o drama dos migrantes e refugiados, que se arriscam na perigosa travessia do Mediterrâneo da África do Norte para a Europa. A atenção no drama se intensificou nos últimos dias com os sucessivos naufrágios no Mare Nostrum. Já são 1.750 mortos em 2015, 30 vezes mais do que em igual período no ano passado.

Lá do oceano Pacífico, Tony Abbott, o primeiro-ministro falastrão da Austrália, fez um apelo para a União Europeia (cujos dirigentes realizam reunião de emergência nesta quinta-feira sobre o drama no Mediterrâneo) seguirem a rota do seu país na crise.  Após assumir o poder em setembro de 2013, a coalizão conservadora liderada por Abbott implantou a Operação Fronteiras Soberanas. Sob o comando de um general, a operação linha dura teve como alvo os barcos dos traficantes de gente miserável e desesperada. As embarcações foram rechaçadas de volta para as águas da Indonésia e os refugiados que romperam o escudo de proteção foram confinados em remotas ilhas do Pacífico.

Até agora em 2015, nenhum refugiado marítimo pediu asilo na Austrália. Em contraste, foram 20 mil em 2013, quando os trabalhistas estavam no poder e ainda não fora adotada a operação militar linha dura. Hoje, mesmo os trabalhistas engolem a solução Abbott. No caso da União Europeia, com seus 28 países, e vivendo crise de identidade, conseguir um consenso sobre qualquer política efetiva é tarefa ingrata, praticamente impossível.

Ademais, existem questionamentos legais sobre a adoção de política semelhante à da Operação Fronteiras Soberanas. A Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu contra um acordo entre a Itália e a Líbia para empurrar de volta embarcações no Mediterrâneo. E obviamente há os fantasmas da intervenção militar ocidental na Líbia em 2011, mal executada, e cuja principal sequela após a queda da ditadura Kadafi é uma terra de ninguém ou de milícias rivais. [situação que se concretizou sob os auspícios do genial Obama.]

Aliás, me impressiona entre alguns leitores da coluna a noção de que boia de salvamento para desastre, qualquer problema, seja ter no poder alguém como Kadafi ou Bashar Assad. A “solução” australiana foi jogar o problema para pequenas ilhas como Nauru, onde há informes de abuso sexual de crianças e de brutalidade. Existem poucos casos de soluções definitivas para estes refugiados. A escala no Mediterrâneo é muito maior. No entanto, apesar dos clamores humanitários e dos alertas sobre saídas simplistas, a “solução” de Tony Abbot é uma tentação para os europeus.

O ímpeto é mais para combater o tráfico de refugiados na raiz líbia do que ajudar ou acolher refugiados. A tragédia no mar poderá ser multiplicada em terra. Por algumas projeções, 1 milhão de refugiados podem acabar presos na ratoeira líbia. Esta é uma boia de salvamento para os europeus nesta crise?

Fonte: Veja OnLine
 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Os países da União Europeia precisam deixar claro que não aceitam imigrantes e não fazer concessões, ainda que eventuais. Com isso evitará o morticinio cruel e absurdo

Uma tragédia que se repete no Mediterrâneo

A morte em naufrágios de centenas de imigrantes que tentam entrar na UE revela uma crise humanitária que requer maior atenção das autoridades europeias

Mais de 300 imigrantes oriundos do Mali e do Senegal morreram afogados ou em consequência de hipotermia em pelo menos quatro naufrágios na semana passada, quando atravessavam o Mar Mediterrâneo rumo à ilha italiana de Lampedusa, uma das portas de entrada para a Europa. As embarcações partiram da Líbia no último dia 7 e foram a pique devido ao mar revolto e à superlotação. A guarda costeira italiana conseguiu resgatar várias pessoas, das quais pelo menos 29 morreram de hipotermia. 

Este ano, até 11 de fevereiro, segundo a Organização Internacional para a Imigração, já morreram 375 pessoas nessas travessias. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, só no ano passado 218 mil refugiados e imigrantes provenientes do Oriente Médio e da África cruzaram o Mediterrâneo em barcos clandestinos e inseguros. Na busca por uma oportunidade de prosperidade na Europa, cerca de 3.500 pessoas morreram nessas travessias ilegais, inclusive crianças. Em janeiro de 2015, o número de imigrantes dessas regiões que chegaram à Itália subiu 62,5%, para 3.528 pessoas, frente ao mesmo mês do ano passado. 

No total, segundo a agência europeia Frontex, em 2014 cruzaram as fronteiras do bloco 278 mil imigrantes ilegais, número duas vezes e meia maior que o do ano anterior (107 mil). A Frontex afirma que a maior contribuição ao fluxo migratório ilegal vem de áreas de conflito, como a região da ofensiva do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, que gerou massas de refugiados. A agência cita ainda que as detenções nas fronteiras alcançaram em dezembro passado o número recorde de 12 mil imigrantes ilegais. 

A localização geográfica de Itália e Espanha faz dessas nações os destinos principais de imigrantes oriundos do Oriente Médio e da África, em fuga de guerras, fome e perseguições religiosas. A situação piorou a partir de outubro de 2014, depois que a Itália decidiu suspender seu programa de patrulhamento no Mediterrâneo, o Mare Nostrum, reclamando da falta de apoio da UE. A vigilância da costa agora é feita pela Comissão Europeia, mas sem a mesma abrangência. “A Europa me diz tudo sobre como devo pescar o peixe-espada, mas não me ajuda a salvar crianças no Mediterrâneo”, reclamou ao jornal espanhol “El País” o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi.

Em 2014, o premier britânico, David Cameron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, divergiram publicamente sobre a adoção de medidas para reprimir a imigração e minimizar o impacto nas políticas sociais europeias. Ao mesmo tempo, a UE debate formas de conter a chamada islamização do continente e vê crescer os movimentos xenófobos e anti-imigração. Todos esses elementos revelam a complexidade da situação, mas não justificam fechar os olhos a um drama humanitário de grandes proporções, uma tragédia que se repete com tanta frequência que a perda de vidas vem se tornando um fato tristemente banal.


Fonte: Editorial - O Globo