De 1995
para cá, qualquer jornalista ligado à cobertura de fatos políticos nacionais ouviu mil histórias sobre o suposto filho do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso com a jornalista Míriam Dutra. Eu ouvi e continuo ouvindo até hoje. Então por que desde lá poucas coisas foram publicadas a
respeito?
Primeiro porque Míriam sempre
negou que o filho fosse de Fernando Henrique. Foi ela que segredou a um
jornalista que o filho era de um biólogo - e a VEJA publicou. Segundo porque Fernando Henrique sempre
negou que fosse o pai. A um jornalista da VEJA que
lhe perguntou se era o pai, ele certa
vez respondeu sorrindo: “Não,
deve ser o Serra”.
Em abril
de 2000, a revista Caros Amigos publicou extensa reportagem sob o título “Por que a Imprensa
esconde o filho de oito anos de FHC com a repórter da Globo?”.
Onze
anos depois, dois exames de DNA
comprovaram que o filho não era dele, embora FHC,
por excesso de vaidade, acreditasse que era. Tanto que o reconheceu em
cartório. A imprensa poderia ter publicado, sim, que os dois namoraram durante seis anos. Mas a imprensa brasileira
sempre evitou falar da vida privada de homens públicos. O Jornal do Brasil,
em 1989, descobriu que Lula tinha uma filha de um
relacionamento passado com uma enfermeira.
Lula confirmou a notícia. A
mãe da menina também. Então o jornal publicou.
Como jornais e revistas
publicariam que Orestes Quércia tivera um filho fora do
casamento. E Fernando Collor também. Quércia e Collor confirmaram
previamente a informação.
Lula foi um namorador emérito. Nem por isso a imprensa correu
atrás dos seus casos. E nunca contou, por exemplo, por
que ele fora tão mal no segundo debate presidencial com Collor em 1989. Foi mal porque estava cansado. Foi mal
porque sua família recebera naquele dia telefonemas anônimos com ameaças contra
ele. E foi mal
porque temeu que Collor tivesse cópia da nota fiscal de um equipamento de som 3
em 1 que ele dera de presente a uma amiga de Brasília.
Collor não tinha a nota. Mas sabia da existência de
fotografias de Lula com a amiga, na companhia de Bernardo Cabral e de uma
jornalista. Os dois casais eram amigos fraternos. Costumavam se reunir. Cabral virou ministro da Justiça de Collor. Foi
demitido quando Collor descobriu que,
embora casado, ele namorava Zélia Cardoso, sua ministra da Fazenda.
Por
que a imprensa tratou do romance de Cabral com Zélia? Porque eles compareceram a uma festa em
Brasília e dançaram agarradinhos o bolero “Besame
Mucho”. Anos mais tarde, Zélia, já fora do governo,
ditou suas memórias do romance com Cabral para publicação em livro. Cabral
reconciliou-se com a mulher, com quem vive bem até hoje.
Nunca foi segredo em Brasília que
o senador Renan Calheiros namorava a jornalista Mônica Veloso, mãe de uma filha dele. A imprensa só publicou algo a respeito porque
Mônica revelou que a pensão devida por Renan à ela era paga por um lobista de
empreiteira. Uma
questão pessoal ganhou o status de escândalo político. Mônica posou nua para a
Playboy.
Por não se imiscuir na vida
privada dos poderosos, a imprensa francesa calou-se sobre uma filha de François Miterrand
durante os 14 anos em que ele presidiu a França. A norte-americana sempre
escancarou a vida privada dos políticos por entender que o distinto público tem
direito de conhecer melhor seus representantes. Eu também penso assim.
De volta ao caso de FHC com
Míriam Dutra: ao
contrário do que se publica, ela não foi morar em
Portugal porque a TV Globo transferiu-a para o exterior com o propósito de
poupar FHC de constrangimentos políticos e pessoais. Na época, dona Ruth, mulher dele, já sabia do namoro
e do suposto filho. Foi Míriam que, um dia, entrou na sala do então
Diretor-Geral da Globo em Brasília e pediu para ir
trabalhar em Londres. Ela já era mãe.
Queria viver uma nova
experiência profissional, segundo disse. “Você sabe falar inglês?”, perguntou o
diretor. “Não, mas em seis meses eu
aprendo”, ela respondeu O diretor comentou: “Não aprende. Você teria de chegar lá falando inglês muito bem. Você
não quer ir para Portugal?” Míriam aceitou na hora.
Portugal
como destino de Míriam surgiu porque o diretor voltara da inauguração em Lisboa
da primeira estação de televisão portuguesa de carácter privado, a Sociedade
Independente de Comunicação (SIC). A Globo é sócia da SIC. Na época, sairia
barato alocar na SIC um correspondente da Globo, que só contava com os
escritórios em Londres e Nova Iorque.
Assim, Míriam foi parar em Lisboa. Não foi
exilada, como sugere que foi. Escolheu se exilar. Ela diz que pensou em
voltar ao Brasil, mas que Antonio Carlos Magalhães e
seu filho Luiz Eduardo a aconselharam a ficar por lá. Os dois estão
mortos, não podem confirmar nem negar. De todo modo, ela não voltou porque não
quis.
Míriam reclama, hoje, de pouco
ter trabalhado quando de Lisboa foi para Londres e, de lá, para Barcelona. Ora, então
por que não voltou? Ou por que continuou
recebendo salário da Globo sem pegar no pesado?
Brasileiros que conviveram com ela em Barcelona contam que Míriam frequentava restaurantes caros da cidade e vivia com
certo luxo. Quando a encontrei uma vez por lá, não achei que vivesse com
luxo. Com conforto, sim.
Além do salário da Globo, Míriam
recebia uma mesada em dólar paga por FHC, e dinheiro que sua irmã, Margrit Dutra Schmidt, e o marido, o jornalista Fernando
Lemos, lhe enviavam regularmente. Margrit, ontem, estava de férias na
República Dominicana. Ela é funcionária do Senado
lotada no gabinete do senador José Serra. Lemos morreu.
Enquanto foi cunhado de Míriam,
ele pediu dinheiro a empresas e políticos, alegando que a ajuda era necessária para que Míriam
pudesse se manter no exterior. Funcionou como uma espécie de empresário dela. Mais
de uma vez, em telefonemas para amigos de Brasília, Míriam queixou-se da irmã e do cunhado. Acusou-os de reter parte do
dinheiro que arrecadavam e que deveria ser dela.
Míriam refere-se a Lemos como
lobista, embora
tenha assinado contrato com uma empresa dele para receber salário sem dar em
troca um só dia de trabalho, como ela mesma reconhece. Se quiser, Míriam ainda fará novas revelações sobre seu namoro com FHC,
que ontem conversou por telefone com
Tomás, filho dela, a quem presenteou há alguns anos com um apartamento em
Barcelona.
Quanto a
FHC, ele deve melhores explicações
sobre como remetia dinheiro para Míriam. Ele diz
que o dinheiro era seu, que estava depositado em bancos daqui, dos
Estados Unidos e da Espanha, e que o transferia para Míriam mediante ordens bancárias.
Tudo, segundo ele, legalmente. Míriam oferece outra versão. Diz que ele lhe
repassava a mesada de 3 mil dólares mensais mediante um contrato dela
fictício com a empresa Brasif S.A.
FHC
admitiu, ontem, a existência do contrato feito “há mais de 13 anos”. Mas
prefere esperar que a empresa se pronuncie primeiro a respeito. Ela deverá
fazê-lo nas próximas horas.
Fonte: Ricardo Noblat – Blog do Noblat