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sexta-feira, 6 de março de 2020

O tesouro de Ali Babá - Nas entrelinhas

“Não existe transparência nas negociações nem ampla divulgação da destinação das emendas,  num histórico de desvios de recursos públicos e formação de caixa dois eleitoral

Na noite de quarta-feira, velhas raposas políticas se reuniram na casa do ex-senador Heráclito Fortes em Brasília, ponto de encontro de bombeiros e conspiradores, dependendo das circunstâncias. Um ex-deputado que hoje integra a assessoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resumiu o paradoxo político do momento: “Não entendo tantos desentendimentos, nenhum governo liberou mais emendas parlamentares do que o atual e nunca um presidente teve tanto apoio do Congresso para aprovar suas reformas quanto Bolsonaro”.

Paradoxos desafiam a opinião concebida e compartilhada pela maioria. É esse o caso. Bolsonaro não somente liberou dinheiro a rodo para os deputados do chamado Centrão durante o ano passado, como endossou todos os acordos anteriormente feitos com a Comissão de Orçamento, que é dominada pelo bloco de partidos conhecido como Centrão da Câmara (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota). Sem esses partidos, Bolsonaro põe em risco a própria governabilidade e não tem a menor possibilidade de dar continuidade às reformas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Tanto que fez um novo acordo para a manutenção dos seus vetos, cuja concretização dependerá da aprovação de três projetos de lei que mandou para o Congresso regulamentando a liberação das emendas parlamentares. Pelo acordo, haverá uma “rachadinha” dos R$ 30 bilhões.

Nas redes sociais, porém, Bolsonaro jogou pesado contra o Congresso, que acusou de usurpar suas atribuições e avançar além da conta no Orçamento, ao atribuir poderes ao relator-geral da Comissão, Domingos Neto (PSD-CE), para estabelecer prioridades de aplicação dos R$ 30 bilhões e fixar um prazo de 90 dias para a execução das emendas, ou seja, antes das eleições. Bolsonaro ganhou a batalha da comunicação contra o Congresso, que foi demonizado na figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enquanto o relator fazia cara de paisagem em toda a crise. A Comissão de Orçamento foi tratada como uma espécie de caverna dos 40 ladrões. Quem não conhece a história de Ali Babá? Era um pobre lenhador árabe que descobriu o segredo de um grupo de 40 ladrões: um tesouro escondido numa caverna. Sem que soubessem, Ali Babá ouviu as palavras mágicas que abriam e fechavam a caverna. Quando os ladrões saíram, entrou na caverna e levou o que podia carregar do tesouro para casa.

O conto está descrito nas aventuras de Ali Babá e os Quarenta Ladrões, que faz parte do Livro das Mil e Uma Noites ou Noites na Arábia. Essa imagem cavernosa da Comissão de Orçamento vem desde o Escândalo dos Sete Anões, que resultou na CPI do Orçamento. O fato de elaborar as emendas ao Orçamento da União confere aos integrantes da comissão um poder extraordinário no Congresso, que sofre a influência de lobistas de toda espécie, desde as corporações do serviço público aos mais diversos interesses empresariais. As emendas geralmente buscam atender a base eleitoral de cada parlamentar e seus aliados políticos, principalmente governadores e prefeitos. Como nem sempre coincidem com as prioridades da equipe econômica, isso gera uma crise de relacionamento do Congresso com o Executivo. A prerrogativa de aprovar o Orçamento, porém, é do Legislativo. O problema é que não existe transparência nas negociações nem ampla divulgação da destinação das emendas parlamentares, além de um histórico de desvios de recursos públicos e formação de caixa dois eleitoral.

Geopolítica
No ano passado, além de trabalhar com Orçamento que herdou do governo Temer, Bolsonaro não tinha as mesmas prioridades de um ano eleitoral, a principal motivação de seu enfrentamento com o Congresso, pois a liberação das emendas fugiria ao seu controle. Vem daí a crise com o Centrão. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), velha raposa política fez, ontem, uma denúncia que pode servir de paradigma do conflito de interesses: a distribuição do Bolsa Família passou a obedecer aos critérios geopolíticos, e não econômico-sociais.


Por exemplo, o número de novos benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que o Nordeste e é governada por Carlos Moisés (PSL), aliado de Bolsonaro, foi o dobro do repassado à região nordestina inteira, [o eleitor que vota em governador da oposição - especialmente sendo o candidato petista - tem que estar pronto a arcar com o ônus do seu gesto irresponsável.] cujos governadores são da oposição. A série histórica mostra que houve um pico de novas concessões do Bolsa Família em janeiro, que se refletiu em todas as regiões, exceto o Nordeste. Nas eleições de 2018, a Região Nordeste foi a única que votou  majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad. No segundo turno, o petista teve 69,7% dos votos válidos, ante 30,3% de Bolsonaro. Nas demais regiões, o atual presidente foi o vencedor. No Sul, conseguiu a maior vantagem: 68,3% ante 31,7% de Haddad.

Os dados mostram que o Nordeste tem ficado para trás nas novas concessões do Bolsa Família, enquanto aumenta o número de famílias que aguardam para ingressar no programa. Entre junho e dezembro, a concessão de novos benefícios despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil mensais. Entretanto, o governo encontrou espaço em janeiro para incluir no programa famílias que estavam à espera do benefício. Foram 100 mil contempladas: 45,7 mil delas no Sudeste, 29,3 mil no Sul, 15 mil no Centro-Oeste e 6,6 mil no Norte. O Nordeste recebeu 3.035 novos benefícios. “Os números mostram um favorecimento no pagamento do benefício aos eleitores de regiões fiéis ao presidente Bolsonaro. Cabe aos presidentes da Câmara e do Senado pedirem explicações para manter a eficácia do programa”, critica Calheiros.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


quinta-feira, 17 de março de 2016

“Ali Babá e os 40 alopradões”

Dilma pensava em salvar seu governo tirando o gênio da garrafa. Mas, fã de Alice no País das Maravilhas, não conhece as Mil e Uma Noites. Nos tempos de Ali Babá, os tesouros ficavam numa caverna, que se abria com a senha Abre-te Sésamo

Hoje, os 40 ladrões se multiplicaram. Os tesouros ficam num cofre de banco ou num sindicato e parte é alopradamente usada para comprar silêncios. Mas quem vende silêncio costuma delatar os compradores para sair da cadeia.


O problema, para o governo, é que as delações saem aos poucos. Se todas surgissem ao mesmo tempo, daria para inventar uma história boa, que arrumasse os fatos. Não está dando: inventa-se uma história bonitinha, eu não sabia, a casa era emprestada, toma que o filho é teu, e aí surge nova delação, desmentindo tudo. As denúncias de Delcídio, agora liberadas, são de arrepiar. E atingem, com gravação e tudo, o mais fiel dos fiéis, Aloizio Mercadante. Na sexta, quando Dilma disse que ia renun…, quer dizer, que não ia, ou sabe-se lá, quem era o único ministro a seu lado? Ele: Aloizio Mercadante. Que propôs a um assessor de Delcídio tudo o que fosse pedido, em troca de não haver delação premiada. Algum promotor mal-humorado pode entender isso até como obstrução à Justiça.

Delcídio cita Lula, Dilma, políticos do PP, PMDB, PT, PTB. E Delcídio pode ser fichinha: o deputado federal Pedro Corrêa, do PP, também decidiu falar. É do ramo, sabe como as coisas são feitas. Ele nunca quis aparecer: nomear e dividir, era disso que gostava. Pelo jeito, a Federal terá de importar japonês.

Aloprem-se
Lula deve favores a Mercadante – que, entre outras coisas, desistiu de uma eleição garantida para a Câmara Federal para ser vice de Lula, que não tinha chance. Mas, apesar disso, Lula não quer Mercadante por perto. Considera-o afoito, incapaz de um projeto que dê certo.

Foi Lula que chamou a equipe de Mercadante de “os aloprados” numa eleição estadual, em que José Serra já estava eleito. Os petistas acharam que valia a pena comprar um dossiê falso contra ele e foram apanhados. Por pouco não atrapalharam a reeleição de Lula em 2006.

Recordando
Pedro Corrêa está condenado a 20 anos e sete meses de prisão (e preso desde 10 de abril do ano passado), por recebimento de propina de R$ 11,7 milhões, 72 crimes de corrupção passiva, mais 328 operações de lavagem de dinheiro.

Mercadante, antes de buscar o assessor de Delcídio, tentou contato com a família do senador. Mas a esposa Maika recusou qualquer conversa com ele. Desde o início, irritada com o comportamento dos antigos companheiros de Delcídio, que o abandonaram, defendia que o marido optasse pela delação premiada.

Prevendo
Não dá para jurar que o autor dessas frases seja o citado. Mas é de ambos que me lembro. De Pedro Malan, ministro da Fazenda: No Brasil, até o passado é imprevisível”. De Joelmir Beting, um dos maiores jornalistas do país:Prognóstico bom só depois do jogo”.
Mas arrisquemos: Lula pode ir (ou não) para o governo. Mas não irá nem para a Fazenda nem para a Casa Civil, porque as empreiteiras e os amigos ainda não terminaram de reformá-las. Se for para o governo, e der certo, teremos, como nunca dantes neste país, uma ex-presidente em exercício (todas as manhãs, alguns quilômetros de bicicleta). Se não der certo, teremos dois ex-presidentes em exercício, até que o vice Temer os convide a descansar.

Vale tudo
A entrada de Lula no governo é a última tentativa de sobrevivência de Dilma. Lula sem dúvida é politicamente mais competente do que ela e qualquer dos seus ministros. Pode fazer algumas indicações interessantes – uma boa aposta seria Henrique Meirelles, que foi seu presidente do Banco Central, para o Ministério da Fazenda – isso se ele estiver disposto a aceitar as teses de Meirelles, que não assumirá pasta nenhuma para perder sua reputação.

Mas os riscos são altíssimos: primeiro, a discussão jurídica, se a nomeação tem ou não o objetivo de salvá-lo do juiz Sérgio Moro; segundo, a superexposição a que ficam submetidos sua esposa e três de seus filhos, que não têm foro privilegiado; terceiro, os resultados a curto prazo. Lula assumiu em 2003 como esperança e hoje está longe de ter o apoio de que já desfrutou. E, alvo de delação premiada (Delcídio o aponta como responsável por providências que podem causar problemas), sobreviverá?

O PMDB como é
OK, o PMDB decidiu, mais ou menos, afastar-se de Dilma, mas deu 30 dias de prazo para efetivar o rompimento – em outras palavras, espremer o resto do leite das tetas quase secas do governo. Ninguém precisa deixar seu cargo até lá.

Em compensação, nenhum membro do partido pode aceitar um convite – menos, naturalmente, o deputado Mauro Lopes, que esperava há tempos ser nomeado ministro da Aviação Civil. Como não disse Sua Excelência, o PMDB sempre lutou por cargos; vai mudar justo quando a vez dele chegou? Então, tudo bem, nada de inflexibilidade.

E, se mais cargos houver, mais exceções haverá.


Fonte: Coluna de Carlos Brickmann - http://www.brickmann.com.br/