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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Procuradores extrapolam e criticam decisão de ministro do STF, acusando-o inclusive de incompetência



Lava-Jato diz que Gilmar extrapolou competência ao soltar Barata

Segundo procuradores, atribuição da Operação Cadeia Velha é do ministro Dias Toffoli

Integrantes da força-tarefa da Lava-Jato no Rio contestam a competência do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para julgar monocraticamente fatos relacionados à Operação Cadeia Velha e afirmam que o habeas corpus concedido por ele, na última sexta-feira, para libertar os empresários do setor de ônibus do Rio Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira precisa ser revisto. Foi a terceira vez que Gilmar libertou Barata. 

Segundo procuradores do Ministério Público Federal (MPF) do Rio, o ministro Dias Toffoli, do STF, é quem tem atribuição para decidir sobre as investigações dessa operação. Ontem, uma equipe da Procuradoria-Geral da República analisava o caso. A procuradora-geral, Raquel Dodge, deve decidir hoje se questiona ou não a decisão de Gilmar. O pedido feito pela defesa dos empresários dizia respeito à prisão decretada pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio, comandada pelo juiz Marcelo Bretas, na Operação Ponto Final. Porém, Gilmar reviu ainda decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), onde tramita a Cadeia Velha, que também decretou a prisão preventiva de Barata e Teixeira. O ministro decidiu que, embora não sejam idênticas, as investigações têm semelhanças. E afirmou que a decisão do TRF-2 foi uma maneira de “contornar a decisão do STF” de conceder habeas corpus a Barata e Teixeira.

Gilmar foi procurado diretamente e por meio de assessoria ontem, mas não respondeu.
Na quinta-feira, véspera da decisão de Gilmar de conceder habeas corpus aos investigados, Toffoli negou pedidos semelhantes feitos pelos deputados estaduais Jorge Picciani e Paulo Melo, também alvos da Cadeia Velha. Para procuradores, Toffoli seria o ministro relator do caso no STF — “prevento”, no jargão jurídico. Na avaliação dos investigadores, Gilmar Mendes teria, ainda, ignorado a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é a instância acima do TRF-2.  — A decisão do TRF-2 não tem nada a ver com a decisão do juiz Bretas. É uma decisão baseada em outros fatos. E o eixo de competência da Cadeia Velha começa no TRF-2; no STJ, vai para o ministro Felix Fischer; e, no STF, ficou prevento o ministro Toffoli, tanto que, dias antes, ele tinha negado habeas corpus para os deputados Picciani e Paulo Melo. A decisão do ministro Gilmar surpreende não só porque ele revoga uma decisão do TRF-2 para o qual ele não é competente, como também porque ele, simplesmente, passa por cima da competência do ministro Felix Fischer. Esse salto, pulando não só o STJ, mas indo para um ministro que não é o prevento, surpreende e indica que essa decisão precisa ser revista — afirma a procuradora regional da República no Rio, Silvana Batini, que atua na Cadeia Velha.

Ao revogar, duas vezes, a prisão de Barata em agosto, Gilmar criticou a atuação do juiz Marcelo Bretas, dizendo que “o rabo não abana o cachorro, (é) o cachorro que abana o rabo”. Na época, o então procurador-geral, Rodrigo Janot, pediu ao STF que Gilmar fosse impedido de julgar casos que envolvessem o empresário, alegando que o ministro mantém relações pessoais com Barata. Em 2013, o ministro foi padrinho de casamento de Beatriz Barata, filha de Barata, com Francisco Feitosa Filho. O noivo é sobrinho de Guiomar Mendes, casada com Gilmar. O pedido de suspeição ainda não foi analisado pelo STF. Ao comentar o caso, Gilmar disse, em agosto, por meio de sua assessoria, que não se considerava suspeito e que o casamento “não durou nem seis meses”.

O procurador José Augusto Vagos, que atua na Lava-Jato no Rio, argumenta que o Supremo precisa decidir sobre o pedido de suspeição de Gilmar e que as decisões do ministro podem ser consideradas inválidas se ele for declarado impedido.  — Essas liminares do ministro são proferidas com a pretensão de restabelecer a ordem jurídica, mas nosso sentimento é que a ordem não foi restabelecida. Pelo contrário, há um sentimento de insegurança jurídica total, porque existe a pendência de julgamento de uma exceção de impedimento e suspeição, que é um instrumento processual muito grave, que questiona a imparcialidade desse julgador (Gilmar) para essas decisões (sobre Jacob Barata). A pendência desse julgamento (sobre suspeição) leva a uma insegurança jurídica enorme. A gente precisa saber se essas decisões são legítimas — disse Vagos.

Para Thiago Bottino, da FGV Direito Rio, caberá à 2ª Turma do STF, da qual Gilmar e Toffoli fazem parte, arbitrar sobre a competência nesse caso.
— No caso de Gilmar, me parece que ele resolveu decidir esse caso com base na premissa de que a decisão anterior dele, de colocar o Jacob Barata e o Lélis Teixeira em liberdade, é que estaria sendo desrespeitada. Mesmo sendo um novo decreto de prisão, mesmo sendo em outro processo, que teria relação com aqueles fatos que ele já tinha julgado. Isso terá de ser levado para a Turma do STF. (Colaboraram Catarina Alencastro e Marco Grillo - O Globo)

OUTRO LADO
A defesa do empresário Jacob Barata se manifestou por meio de nota. Veja a íntegra:
“A alegada usurpação da competência do Ministro Dias Toffoli pelo Ministro Gilmar Mendes é falaciosa.
O ministro Gilmar Mendes foi apontado como responsável por todos os habeas corpus de fatos atinentes à operação Ponto Final — dentre os quais estão os da Cadeia Velha — por meio de decisão da ministra Carmen Lúcia.
Aliás, o mesmo critério de prevenção que fixou a atribuição do Desembargador Abel Gomes para relatar os processos pertinentes à operação Cadeia Velha se aplica ao Ministro Gilmar Mendes no âmbito do STF.
Assim, o que causa insegurança jurídica e perplexidade são as reiteradas tentativas do Ministério Público Federal em atentar contra decisões emanadas da Suprema Corte.”



sábado, 18 de novembro de 2017

A proclamação da vadiagem




Senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento e o cidadão comum 

Só no Brasil um feriado na quarta-feira, a Proclamação da República, enseja o enforcamento de dois dias úteis, quinta-feira e sexta-feira, numa vadiagem emendada com o feriado de segunda-feira, o Dia da Consciência Negra, e muito sol, calor, feijoada, churrasco e caipirinha, para só voltar a trabalhar na terça-feira, como se navegássemos numa economia abundante, com alta produtividade e pleno emprego.[saiba mais em SUPREMO FERIADO!].

Temos feriados para todo gosto, de nacionais a municipais, datas comemorativas, homenagens a minorias e categorias, carnavais oficiais e facultativos, revoluções, celebrações religiosas, tudo para endeusar o ócio. Neste ano, “emendamos” nove feriados. Em 2018, serão dez. A classe que mais folga é, claro, a classe política, que também desfruta os recessos. Quando não estão em férias, os senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento, o contribuinte e o cidadão comum.

Esta última sexta-feira viu, no entanto, um movimento inédito e espontâneo de suspensão de lazer na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Deputados decidiram sacrificar a folga para tentar se unir e livrar da prisão o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e os colegas Paulo Melo, ex-presidente da Alerj, e Edson Albertassi, todos do PMDB.  A enorme pressão popular para que a decisão da Justiça seja respeitada não sensibiliza, porém, quem já vive em águas turvas. São aliados e afilhados da turma que asfixiou o Rio sem pena nas últimas décadas. O governador Pezão é um exemplo dessa lealdade canina: fez tudo nos últimos dias para empossar Edson Albertassi no Tribunal de Contas do Estado, até demitiu seu procurador-geral, que era contra a nomeação. E agora, Pezão?

O “trio dos corruptos” foi preso na Operação Cadeia Velha. Os três também foram afastados de seus mandatos, por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) no Rio. Picciani teria recebido R$ 77 milhões em propina só da Fetranspor – empresas de ônibus. Paulo Melo teria recebido R$ 54 milhões. E Edson Albertassi só uma “gorjeta” de até R$ 4 milhões.  Os valores variam e perdemos a noção da fronteira entre realidade e ficção. Por que motivo alguém faz tudo para ganhar ilegalmente, em propina, um dinheiro que jamais conseguirá gastar, nem nas próximas gerações? Eles não perdem o sono?

Sabemos que o que normalmente vem à tona deve ser apenas um pedaço da fortuna desviada dos cofres públicos e das obras públicas. Os juízes decidiram que era necessário “afastá-los do convívio da sociedade” para impedir que continuassem a praticar crimes de lavagem de dinheiro. Foram passar a noite com o capo Sérgio Cabral,  no presídio de Benfica, num verão precoce de 40 graus. Faz um ano exatamente que Cabral está preso. O ex-governador já foi condenado em três dos 16 processos contra ele. Ao todo, as penas contra Cabral somam 72 anos de prisão.

O dia 17 de novembro é uma data comemorativa na Lava Jato carioca. O juiz Marcelo Bretas, que comanda a operação no Rio, expressou, em entrevista ao jornal O Globo, o sentimento de estupor da sociedade: “O que me assustou foi a extensão e a capilaridade [no Rio de Janeiro]. Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase”.

Jorge Picciani começou a mexer os pauzinhos da política do Rio pouco depois de ser eleito deputado estadual há 27 anos. Sua carreira foi meteórica. Foi secretário de Esporte de Leonel Brizola, sucessor de Cabral como presidente da Alerj no governo Rosinha Garotinho, não conseguiu tornar-se senador pelas mãos de Cabral, mas voltou à Alerj em 2014. Tornou-se presidente da Assembleia pela quinta vez, em 2015, com o voto de 65 dos 70 deputados. Com esse poder todo, enfiou no governo Temer seu filho Leonardo Picciani no Ministério do Esporte. Leonardo também foi denunciado agora pelo marqueteiro Renato Pereira por pedido de propina. Seu irmão, o empresário Felipe Picciani, foi preso, acusado de lavar dinheiro sujo. Formam apenas mais um clã familiar na política nacional.

Cadeia Velha é um nome adequado para velhos bandidos, velhas práticas, velha política, velha vadiagem. A Alerj foi obrigada a convocar sessão extraordinária, em um dia que deveria ser útil e ordinário. Com o objetivo claro de limpar a barra do “padrinho”, o maior amigo da insaciável Fetranspor, que o populacho apelidou (por que será?) de “máfia dos ônibus”. Que venham tempos novos, mais éticos, mais produtivos, não só no Rio, mas no resto do país, para voltarmos a crescer e a acreditar. E que o Supremo Tribunal Federal, alô Cármen Lúcia, se dê conta de que o Legislativo no Brasil não tem a menor condição de julgar seus pares e dar a última palavra. [uma observação boba, afinal o desrespeito à Constituição não é só por parte dos políticos:  
a ministra Cármen Lúcia, qualquer outro ministro do Supremo, ou todo o Supremo TEM obrigação de cumprir a Constituição Federal e nossa Lei Maior concede autonomia ao Poder Legislativo, seja o Federal ou os estaduais, autonomia para deliberar sobre a manutenção ou não de medidas que impeçam aos seus membros de exercerem seus mandatos na plenitude. Saiba os motivos, aqui.]

Ruth de Aquino - Revista Época