Lava-Jato diz que Gilmar
extrapolou competência ao soltar Barata
Segundo procuradores, atribuição da Operação Cadeia Velha é do ministro Dias Toffoli
Integrantes
da força-tarefa da Lava-Jato no Rio contestam a competência do ministro Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para julgar monocraticamente
fatos relacionados à Operação Cadeia Velha e afirmam que o habeas corpus
concedido por ele, na última sexta-feira, para libertar os empresários do setor
de ônibus do Rio Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira precisa ser
revisto. Foi a terceira vez que Gilmar libertou Barata.
Segundo procuradores do
Ministério Público Federal (MPF) do Rio, o ministro Dias Toffoli, do STF, é
quem tem atribuição para decidir sobre as investigações dessa operação. Ontem,
uma equipe da Procuradoria-Geral da República analisava o caso. A
procuradora-geral, Raquel Dodge, deve decidir hoje se questiona ou não a
decisão de Gilmar. O pedido
feito pela defesa dos empresários dizia respeito à prisão decretada pela 7ª
Vara Federal Criminal do Rio, comandada pelo juiz Marcelo Bretas, na Operação
Ponto Final. Porém, Gilmar reviu ainda decisão do Tribunal Regional Federal da
2ª Região (TRF-2), onde tramita a Cadeia Velha, que também decretou a prisão
preventiva de Barata e Teixeira. O ministro decidiu que, embora não sejam
idênticas, as investigações têm semelhanças. E afirmou que a decisão do TRF-2
foi uma maneira de “contornar a decisão do STF” de conceder habeas corpus a
Barata e Teixeira.
Gilmar
foi procurado diretamente e por meio de assessoria ontem, mas não respondeu.
Na quinta-feira,
véspera da decisão de Gilmar de conceder habeas corpus aos investigados,
Toffoli negou pedidos semelhantes feitos pelos deputados estaduais Jorge
Picciani e Paulo Melo, também alvos da Cadeia Velha. Para procuradores, Toffoli
seria o ministro relator do caso no STF — “prevento”, no jargão jurídico. Na
avaliação dos investigadores, Gilmar Mendes teria, ainda, ignorado a
competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é a instância acima do
TRF-2. — A
decisão do TRF-2 não tem nada a ver com a decisão do juiz Bretas. É uma decisão
baseada em outros fatos. E o eixo de competência da Cadeia Velha começa no
TRF-2; no STJ, vai para o ministro Felix Fischer; e, no STF, ficou prevento o
ministro Toffoli, tanto que, dias antes, ele tinha negado habeas corpus para os
deputados Picciani e Paulo Melo. A decisão do ministro Gilmar surpreende não só
porque ele revoga uma decisão do TRF-2 para o qual ele não é competente, como
também porque ele, simplesmente, passa por cima da competência do ministro
Felix Fischer. Esse salto, pulando não só o STJ, mas indo para um ministro que
não é o prevento, surpreende e indica que essa decisão precisa ser revista —
afirma a procuradora regional da República no Rio, Silvana Batini, que atua na
Cadeia Velha.
Ao
revogar, duas vezes, a prisão de Barata em agosto, Gilmar criticou a atuação do
juiz Marcelo Bretas, dizendo que “o rabo não abana o cachorro, (é) o cachorro
que abana o rabo”. Na época, o então procurador-geral, Rodrigo Janot, pediu ao
STF que Gilmar fosse impedido de julgar casos que envolvessem o empresário,
alegando que o ministro mantém relações pessoais com Barata. Em 2013, o
ministro foi padrinho de casamento de Beatriz Barata, filha de Barata, com
Francisco Feitosa Filho. O noivo é sobrinho de Guiomar Mendes, casada com
Gilmar. O pedido de suspeição ainda não foi analisado pelo STF. Ao comentar o
caso, Gilmar disse, em agosto, por meio de sua assessoria, que não se
considerava suspeito e que o casamento “não durou nem seis meses”.
O
procurador José Augusto Vagos, que atua na Lava-Jato no Rio, argumenta que o
Supremo precisa decidir sobre o pedido de suspeição de Gilmar e que as decisões
do ministro podem ser consideradas inválidas se ele for declarado impedido. — Essas
liminares do ministro são proferidas com a pretensão de restabelecer a ordem
jurídica, mas nosso sentimento é que a ordem não foi restabelecida. Pelo
contrário, há um sentimento de insegurança jurídica total, porque existe a
pendência de julgamento de uma exceção de impedimento e suspeição, que é um
instrumento processual muito grave, que questiona a imparcialidade desse
julgador (Gilmar) para essas decisões (sobre Jacob Barata). A pendência desse
julgamento (sobre suspeição) leva a uma insegurança jurídica enorme. A gente
precisa saber se essas decisões são legítimas — disse Vagos.
Para
Thiago Bottino, da FGV Direito Rio, caberá à 2ª Turma do STF, da qual Gilmar e
Toffoli fazem parte, arbitrar sobre a competência nesse caso.
— No caso
de Gilmar, me parece que ele resolveu decidir esse caso com base na premissa de
que a decisão anterior dele, de colocar o Jacob Barata e o Lélis Teixeira em
liberdade, é que estaria sendo desrespeitada. Mesmo sendo um novo decreto de
prisão, mesmo sendo em outro processo, que teria relação com aqueles fatos que
ele já tinha julgado. Isso terá de ser levado para a Turma do STF. (Colaboraram
Catarina Alencastro e Marco Grillo - O Globo)
OUTRO
LADO
A defesa
do empresário Jacob Barata se manifestou por meio de nota. Veja a íntegra:
“A alegada
usurpação da competência do Ministro Dias Toffoli pelo Ministro Gilmar Mendes é
falaciosa.
O
ministro Gilmar Mendes foi apontado como responsável por todos os habeas corpus
de fatos atinentes à operação Ponto Final — dentre os quais estão os da Cadeia Velha
— por meio de decisão da ministra Carmen Lúcia.
Aliás, o
mesmo critério de prevenção que fixou a atribuição do Desembargador Abel Gomes
para relatar os processos pertinentes à operação Cadeia Velha se aplica ao
Ministro Gilmar Mendes no âmbito do STF.
Assim, o
que causa insegurança jurídica e perplexidade são as reiteradas tentativas do
Ministério Público Federal em atentar contra decisões emanadas da Suprema
Corte.”