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domingo, 10 de dezembro de 2017

Do presunto de parma ao celular

Dê na mão do preso a chave da cadeia, e ele fugirá.
Dê-lhe droga, e ele a consumirá ou saberá ganhar dinheiro traficando.
Dê-lhe celular, e crimes serão combinados ao telefone com a quadrilha que está do lado de fora.
Dê-lhe camarão, bolinho de bacalhau, queijo francês e presunto cru tipo parma, e o banquete será muito bem aceito, obrigado.


Vamos nos concentrar na mordomia gastronômica. Foi ela descoberta por promotores do Rio de Janeiro que decidiram inspecionar o presídio José Frederico Marques, no bairro do Benfica. Os produtos, todos proibidos de serem colocados dentro da cadeia, estavam nas celas de Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, Rosinha Garotinho (já libertada) e Jacob Barata (libertado também). E também foi encontrado dinheiro, cuja posse é igualmente vedada ao prisioneiro. É errado essa turma da elite que gatunou o dinheiro da Viúva ganhar uma festança, enquanto outros presos e presas do Brasil — pobres, anônimos e anônimas (algumas cumprindo pena porque furtaram comida para o filho) – sobrevivem com o bandeco. Mais: os prontuários de Cabral, Jorge Picciani, Paulo Melo e Sérgio Côrtes não exibiam as suas fotos, fato inédito no sistema penitenciário brasileiro. [pela ampla, até exagerada,  divulgação das fotos dos citados, a omissão pode ser classificada como um mero detalhe burocrático;

absurdo maior é quando são tiradas fotos de presos em muitos presídios, as imagens dos marginais são borradas - qual o interesse de dificultar a identificação de um bandido condenado?]
Desculpem o lugar-comum, mas há males que podem vir para o bem — vamos ver se valerá nesse caso. O bando do andar de cima que está trancafiado não deve possuir o menor privilégio, todo presidiário e presidiária têm de ser tratados de forma isonômica, e ponto final. Mas, já que se descobriu a comida especial, por que não se aproveita a oportunidade e amplia-se a investigação sobre algumas coisas, igualmente proibidas, que desembarcam misteriosamente nas galerias e nas celas? É aí que eu digo que há mal que pode acabar gerando o bem: a comida especial não nasceu entre as grades, alguém a levou e contou com cumplicidade para o seu ingresso. Fico então curioso: como entram os celulares nas cadeias? Como entram as michas? Como entram as drogas?

Ah, familiares levam, é a resposta mais corrente que se ouve. Mas uma coisa é levar, outra coisa é passar na revista. Esse é o momento que dá para se descobrir muitos detalhes que fazem do sistema penitenciário do Rio de Janeiro uma enorme e muito bem organizada quadrilha formada por presidiários. Vamos do presunto aos celulares, do queijo francês às drogas. Tudo está sendo investigado para responsabilização dos culpados pela comida proibida? Vão pegar um ou outro. Em um País sério, imediatamente teriam sido exonerados o secretário estadual da Administração Penitenciária, o diretor-geral do presídio, o diretor de segurança e disciplina, além dos funcionários diretamente responsáveis pela revista dos visitantes na instituição. [a exoneração teria ocorrido , se estivéssemos em um País sério e não na República da Banânia, logo após a descoberta do primeiro celular - cujo ingresso ocorreu e  continua ocorrendo entre presos comuns.
As benesses dos 'presos especiais' devem ser proibidas, mas, causam menor dano do que celulares, armas, drogas, chaves michas e similares que abundam nos presídios brasileiros.]  
Mas, tudo isso, se fosse o Brasil um País sério.

Antonio Carlos Prado, editor executivo da revista ISTOÉ

sábado, 18 de novembro de 2017

A proclamação da vadiagem




Senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento e o cidadão comum 

Só no Brasil um feriado na quarta-feira, a Proclamação da República, enseja o enforcamento de dois dias úteis, quinta-feira e sexta-feira, numa vadiagem emendada com o feriado de segunda-feira, o Dia da Consciência Negra, e muito sol, calor, feijoada, churrasco e caipirinha, para só voltar a trabalhar na terça-feira, como se navegássemos numa economia abundante, com alta produtividade e pleno emprego.[saiba mais em SUPREMO FERIADO!].

Temos feriados para todo gosto, de nacionais a municipais, datas comemorativas, homenagens a minorias e categorias, carnavais oficiais e facultativos, revoluções, celebrações religiosas, tudo para endeusar o ócio. Neste ano, “emendamos” nove feriados. Em 2018, serão dez. A classe que mais folga é, claro, a classe política, que também desfruta os recessos. Quando não estão em férias, os senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento, o contribuinte e o cidadão comum.

Esta última sexta-feira viu, no entanto, um movimento inédito e espontâneo de suspensão de lazer na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Deputados decidiram sacrificar a folga para tentar se unir e livrar da prisão o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e os colegas Paulo Melo, ex-presidente da Alerj, e Edson Albertassi, todos do PMDB.  A enorme pressão popular para que a decisão da Justiça seja respeitada não sensibiliza, porém, quem já vive em águas turvas. São aliados e afilhados da turma que asfixiou o Rio sem pena nas últimas décadas. O governador Pezão é um exemplo dessa lealdade canina: fez tudo nos últimos dias para empossar Edson Albertassi no Tribunal de Contas do Estado, até demitiu seu procurador-geral, que era contra a nomeação. E agora, Pezão?

O “trio dos corruptos” foi preso na Operação Cadeia Velha. Os três também foram afastados de seus mandatos, por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) no Rio. Picciani teria recebido R$ 77 milhões em propina só da Fetranspor – empresas de ônibus. Paulo Melo teria recebido R$ 54 milhões. E Edson Albertassi só uma “gorjeta” de até R$ 4 milhões.  Os valores variam e perdemos a noção da fronteira entre realidade e ficção. Por que motivo alguém faz tudo para ganhar ilegalmente, em propina, um dinheiro que jamais conseguirá gastar, nem nas próximas gerações? Eles não perdem o sono?

Sabemos que o que normalmente vem à tona deve ser apenas um pedaço da fortuna desviada dos cofres públicos e das obras públicas. Os juízes decidiram que era necessário “afastá-los do convívio da sociedade” para impedir que continuassem a praticar crimes de lavagem de dinheiro. Foram passar a noite com o capo Sérgio Cabral,  no presídio de Benfica, num verão precoce de 40 graus. Faz um ano exatamente que Cabral está preso. O ex-governador já foi condenado em três dos 16 processos contra ele. Ao todo, as penas contra Cabral somam 72 anos de prisão.

O dia 17 de novembro é uma data comemorativa na Lava Jato carioca. O juiz Marcelo Bretas, que comanda a operação no Rio, expressou, em entrevista ao jornal O Globo, o sentimento de estupor da sociedade: “O que me assustou foi a extensão e a capilaridade [no Rio de Janeiro]. Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase”.

Jorge Picciani começou a mexer os pauzinhos da política do Rio pouco depois de ser eleito deputado estadual há 27 anos. Sua carreira foi meteórica. Foi secretário de Esporte de Leonel Brizola, sucessor de Cabral como presidente da Alerj no governo Rosinha Garotinho, não conseguiu tornar-se senador pelas mãos de Cabral, mas voltou à Alerj em 2014. Tornou-se presidente da Assembleia pela quinta vez, em 2015, com o voto de 65 dos 70 deputados. Com esse poder todo, enfiou no governo Temer seu filho Leonardo Picciani no Ministério do Esporte. Leonardo também foi denunciado agora pelo marqueteiro Renato Pereira por pedido de propina. Seu irmão, o empresário Felipe Picciani, foi preso, acusado de lavar dinheiro sujo. Formam apenas mais um clã familiar na política nacional.

Cadeia Velha é um nome adequado para velhos bandidos, velhas práticas, velha política, velha vadiagem. A Alerj foi obrigada a convocar sessão extraordinária, em um dia que deveria ser útil e ordinário. Com o objetivo claro de limpar a barra do “padrinho”, o maior amigo da insaciável Fetranspor, que o populacho apelidou (por que será?) de “máfia dos ônibus”. Que venham tempos novos, mais éticos, mais produtivos, não só no Rio, mas no resto do país, para voltarmos a crescer e a acreditar. E que o Supremo Tribunal Federal, alô Cármen Lúcia, se dê conta de que o Legislativo no Brasil não tem a menor condição de julgar seus pares e dar a última palavra. [uma observação boba, afinal o desrespeito à Constituição não é só por parte dos políticos:  
a ministra Cármen Lúcia, qualquer outro ministro do Supremo, ou todo o Supremo TEM obrigação de cumprir a Constituição Federal e nossa Lei Maior concede autonomia ao Poder Legislativo, seja o Federal ou os estaduais, autonomia para deliberar sobre a manutenção ou não de medidas que impeçam aos seus membros de exercerem seus mandatos na plenitude. Saiba os motivos, aqui.]

Ruth de Aquino - Revista Época

 

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Rei do Ônibus - Janot vê ‘múltiplas causas’ para a suspeição de Gilmar no caso Barata Filho


Ao pedir a suspeição do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes no âmbito de dois habeas corpus envolvendo alvos da Operação Ponto Final, braço da Lava Jato no Rio, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diz ver “múltiplas causas que configuram impedimento, suspeição e incompatibilidade do Ministro Gilmar Mendes para atuar em processos envolvendo Jacob Barata Filho”.

O empresário Jacob Barata Filho e o ex-presidente da Fetranspor Lélis Teixeira deixaram na manhã deste sábado, 19, o presídio de Benfica. O ministro Gilmar Mendes estendeu no mesmo dia o habeas corpus concedido a Barata Filho, o “rei do ônibus” do Rio, a outros quatro presos na Operação Ponto Final.  Janot encaminhou à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, duas arguições de impedimento do ministro envolvendo os habeas corpus concedidos ao “rei do ônibus” e a Lélis Teixeira.

Os pedidos atendem a solicitação da Procuradoria da República no Rio de Janeiro. Os procuradores que atuam no Estado cogitaram também a suspeição do advogado Rodrigo Mudrovitsch, mas a PGR não incluiu o criminalista entre supostos casos de suspeição e não indicou irregularidade nesse caso. “Há múltiplas causas que configuram impedimento, suspeição e incompatibilidade do Ministro Gilmar Mendes para atuar em processos envolvendo Jacob Barata Filho”, afirma Janot. O fato de Gilmar ter sido padrinho de casamento de Beatriz Barata, filha do empresário, cujo noivo é sobrinho de sua esposa, Guiomar Mendes, é um dos argumentos para a suspeição do ministro, avalia o procurador-geral.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, “a busca e apreensão realizada na Operação Ponto Final” também “permitiu compreender que, além das ligações sociais e comerciais, Jacob Barata Filho mantém estreita relação de amizade e compadrio com Francisco Feitosa, cunhado do ministro Gilmar Mendes”.  “As conversas de aplicativos que demonstram proximidade (encontro em Fortaleza) são de junho deste ano, dois meses antes de Gilmar Mendes assumir a relatoria”, afirmou.

Defesa
O ministro Gilmar Mendes disse que “as regras de impedimento e suspeição às quais os magistrados estão submetidos estão previstas no artigo 252 do Código de Processo Penal, cujos requisitos não estão preenchidos no caso.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo