O Globo
Em um país com 12 milhões de desempregados eles brigam, aqui e alhures, para nada
Até agora, o radicalismo da inépcia foi monopólio do governo
Era sonho. Lula foi para a cadeia, ninguém foi para a rua, seu candidato a presidente foi derrotado por 55% a 45% e, em janeiro de 2019, o capitão Jair Bolsonaro tomou posse na Presidência da República. Logo o capitão, que Lula achava fácil derrotar.
Passaram-se dez meses, Lula conta o tempo para deixar a carceragem de Curitiba, e os Bolsonaros deixaram na porta da sua cela a bandeira da pacificação. Num país com 12 milhões de desempregados eles brigam, aqui e alhures, para nada.
Se Lula vai empunhar essa bandeira, só ele sabe, mas vale a pena lembrar que há poucas semanas o PT foi para a Avenida Paulista com poucas camisas vermelhas. A deputada Gleisi Hoffmann vestia uma camiseta branca com o rosto de Lula enfeitado por flores. Em sua entrevista a Leda Nagle, o deputado Eduardo Bolsonaro disse que “vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando sequestravam-se e executavam-se autoridades, cônsules, embaixadores, com execuções de policiais e de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar de uma resposta. Ela pode ser via um novo AI-5”.[um novo AI-5, o artigo 142 da Constituição Federal, o resultado de um plebiscito - a opção da Itália pelo plebiscito foi citada - as opções são muitas.]
Há radicais na esquerda, mas no Brasil o que está na vitrine é outro radicalismo tosco, demófobo e desorientado. Ele teceu a bandeira da pacificação, levou-a a Curitiba e deixou-a na porta da cela de Lula.
Porteiros e polícia
Além do fantasma de Marielle Franco, outra assombração ronda o movimento
de carros no condomínio onde viviam Jair Bolsonaro e o miliciano Ronnie
Lessa no dia do assassinato da vereadora. É o risco de que acabe
sobrando para o porteiro que registrou a entrada de Élcio Queiroz na
propriedade.[e prestou depoimento mentiroso à polícia.]Não se sabe o que aconteceu naquele dia, mas uma velha história ensina que polícia e porteiros produzem situações fantásticas.
Em maio de 1976, Íris Coelho, ex-secretária do general Golbery do Couto e Silva e do presidente Castelo Branco, escreveu-lhe uma carta contando o que havia acontecido ao porteiro de seu edifício. Haviam roubado objetos de carros que estavam na garagem e ele foi preso. Com 11 anos de serviço e pai de três filhos, soltaram-no 24 horas depois: “O pobre estava todo machucado, os tímpanos perfurados. Aplicaram-lhe choque, bateram-lhe a cabeça contra a parede. Foi fichado como ladrão de automóveis e arrombador.”
Passaram-se seis meses e o governador do Rio remeteu o resultado da investigação a Golbery, o então poderoso Chefe da Casa Civil da Presidência. Resultava que depois de novos depoimentos e acareações, a polícia apurou o seguinte:
1- O porteiro disse que conversou com Iris, expressou-se mal ou ela não entendeu o que ele falou. Além disso, não a autorizou a fazer qualquer reclamação.
2- As marcas que tinha pelo corpo eram produto de uma alergia.
Íris Coelho voltou a escrever:
“Sinto muito, acredite que lastimo realmente ter sido causa de tanto trabalho e perda de tempo. Do modo como o processo se encaminhava, achei que a melhor solução seria aquela que foi dada na acareação com o porteiro.
Creia-me, aprendi uma grande lição.”
Seja qual for versão, sempre que se chega à conclusão de que o porteiro mentiu, vale a pena perguntar quem estava interessado nisso.
(...)
Folha de S. Paulo e O Globo - MATÉRIA COMPLETA - Elio Gaspari, jornalista