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Mostrando postagens com marcador Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz. Mostrar todas as postagens
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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Perigosas crendices sobre o aborto

Certa vez, um químico deixou acidentalmente que uma solução de ácido clorídrico (HCl) fosse lançada sobre sua pele. 

Um colega de laboratório pôs-se a pensar o que fazer para socorrer seu amigo que gritava de dor.

Pensou ele: ácidos e bases neutralizam-se mutuamente, produzindo sal e água. Assim, uma solução de ácido clorídrico (HCl) é neutralizada, por exemplo, por uma solução de hidróxido de sódio (NaOH), produzindo cloreto de sódio (NaCl) e água (H2O).

HCl + NaOH ® NaCl + H2O

Levado pelo desejo de neutralizar o efeito do ácido clorídrico, o amigo da vítima aplicou sobre sua pele corroída uma solução de hidróxido de sódio (soda cáustica). Para sua surpresa, o resultado não foi um alívio, mas um agravamento da corrosão, o que fez a vítima sofrer ainda mais.

* * *

O aborto “terapêutico”
Da mesma forma, diante do fato de que certas doenças se tornam mais complicadas com a gravidez, há médicos que, à semelhança do químico do exemplo anterior, acreditam que o aborto fará “desengravidar” a paciente, levando-a ao estado anterior à concepção do filho. Segundo Alberto Raul Martinez, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP), em depoimento de 1967,
“deve-se levar em conta que a reação mais comum do médico não afeito à especialidade ginecológica, quando a gravidez ocorre em uma de suas pacientes já afetadas por problema físico ou mental, é a de que a remoção da gestação poderia simplificar a questão.”


Isso, porém, não ocorre. O aborto é uma prática tão selvagem que, além de condenar à morte um inocente, agrava o estado de saúde da gestante enferma.

Sobre este assunto, convém citar a célebre aula inaugural “Por que ainda o aborto terapêutico?” do médico-legal João Batista de Oliveira Costa Júnior para os alunos dos Cursos Jurídicos da Faculdade de Direito da USP de 1965:

Ante os processos atuais [de 1965!] da terapêutica e da assistência pré-natal, o aborto não é o único recurso; pelo contrário, é o pior meio, ou melhor, não é meio algum para se preservar a vida ou a saúde da gestante. Por que invocá-lo, então? Seria o tradicionalismo, a ignorância ou o interesse em atender-se a costumes injustificáveis? Por indicação médica, estou certo, não o é, presentemente. Demonstrem, pois, os legisladores coragem suficiente para fundamentar seus verdadeiros motivos, e não envolvam a Medicina no protecionismo ao crime desejado. Digam, sem subterfúgios, o que os soviéticos, os suecos, os dinamarqueses e outros já disseram. Assumam integralmente a responsabilidade de seus atos [1].

O aborto para “aliviar” os danos do estupro
Também à semelhança do químico que pretendia neutralizar a corrosão do ácido clorídrico despejando hidróxido de sódio na vítima, há quem pense que, se uma gravidez resultou de um estupro, o aborto seria capaz de “desestuprar” a mulher. Depois de um aborto — pensam os doutos, sem qualquer fundamento — a mulher violentada voltaria a seu estado anterior ao estupro. E mais ainda: afirmam gratuitamente que, se a mulher violentada der à luz, a simples visão do bebê perpetuará a lembrança do estupro em sua vida. Leia-se, por exemplo, esta lamentável afirmação de Nélson Hungria:

Nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida [2].

Convém lembrar ao célebre jurista que a vida da criança por nascer permanece inviolável apesar da violência praticada por seu pai e sofrida por sua mãe. Ainda que o bebê parecesse repugnante aos olhos da mãe, nada justificaria a sua morte. Em tal caso (suponhamos que ele existisse), a mãe poderia encaminhar seu filho recém-nascido para a adoção, e ele rapidamente encontraria um casal para acolhê-lo [3].

No entanto, os casais que pretendem adotar não devem alimentar esperanças de encontrar bebês disponíveis entre os concebidos em uma violência sexual, pois estes costumam ser os filhos preferidos de suas mães. Explico-me.Em meu trabalho pró-vida, já conheci muitas vítimas de estupro que engravidaram e deram à luz. Elas são unânimes em dizer que estariam morrendo de remorsos se tivessem abortado. Choram só de pensar que alguma vez cogitaram em abortar seu filho. A convivência com a criança não perpetua a lembrança do estupro, mas serve de um doce remédio para a violência sofrida. Com exceção das gestantes doentes mentais [4], não conheço nenhum caso em que uma vítima de estupro, após dar a luz, não se apaixonasse pela criança.

E mais: se no futuro, a mulher se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido. Tal fato tem uma explicação simples: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhe deram maior trabalho.

Olha! Se você sofre demais para conseguir uma coisa, é muito mais amor. Porque esse filho é o que mais deu dilema.
(Maria Aparecida, violentada em 1975, referindo-se ao seu filho Renato, fruto da violência).

No início, quando você percebe que está grávida, fica com muita raiva. Mas depois que a criança nasce, você nem se lembra mais do que aconteceu.
(Maria Luciene, violentada em 1995, mãe de Bruna).

Tive tanto trabalho para ter esse neném e agora vou dar para os outros?
(E., adolescente de 12 anos, violentada pelo pai em 1999).
Se, porém, a gestante fizer um aborto, a marca do estupro, longe de se apagar, ficará cristalizada. Em vez de ter diante de si um rosto sorridente de uma criança para lhe servir de remédio, a mulher terá dentro de si a voz da consciência acusando-a de ter matado um filho inocente. Nenhuma vítima de estupro merece tão horrível castigo. Mas é isso o que nosso governo tem oferecido como “tratamento” para a violência sexual… 

Notas:
[1] João Batista de O. COSTA JÚNIOR, Por quê, ainda, o abôrto terapêutico? Revista da Faculdade de Direito da USP, 1965, volume IX, p. 326.
[2] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. vol. 5, 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 312.
[3] Quem conhece as filas de adoção dos Juizados da Infância e da Juventude, sabe que os recém-nascidos não ficam muito tempo esperando por pais adotivos.
[4] As doentes mentais não rejeitam o filho. Contudo, não criam laços afetivos com ele, de modo que não se importam que ele seja adotado.
 http://www.providaanapolis.org.br

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Carta a um juiz

(“Vós sois deuses... contudo, morrereis como um homem qualquer” Sl 81,6-7)

Prezado juiz Jesseir Coelho de Alcântara,


Permite-me tratar-te por “tu” em vez de “Vossa Excelência”, sem que isso queira significar nenhuma falta de respeito.

Tu deves ter-te emocionado pelo recém-nascido encontrado no centro de Goiânia em 22 de dezembro de 2015, dentro de dois sacos de lixo, debaixo de uma árvore da Rua 01. A criança foi encontrada por um casal, socorrida pelo Corpo de Bombeiros e levada até o Hospital Materno Infantil, onde os servidores, emocionados, deram-lhe o nome de Emanoel, “Deus conosco”. O bebê teve alta no dia de Natal, 25 de dezembro, com uma lista extensa de pessoas querendo adotá-lo[1]. Que alegria, para um juiz como tu, da 1ª vara de crime dolosos contra a vida, ver que uma pessoa foi salva de uma tentativa de homicídio!



No entanto, há três anos, também em época natalina, em 21 de dezembro de 2012, o mesmo Hospital Materno Infantil terminava de executar um aborto em um bebê com mais de 20 semanas (cinco meses) de vida, filho de uma adolescente de 15 anos [2]. Que fizera ele para merecer a pena capital? Nada. Mas, segundo informações de sua mãe, ele teria sido fruto de um estupro. No dia 12 de dezembro, tu havias mandado expedir um alvará judicial para o aborto, com a seguinte justificativa: Se for permitido que a criança nasça, um dia ela saberá que foi fruto de um ato criminoso, o que acarretará enormes problemas em sua formação[3]. 

VALENTINA  uma criança com síndrome de Edwards

A solução para a violência sofrida (o estupro) seria, segundo teu parecer, uma violência ainda maior: o aborto. O estuprador, após um julgamento com amplo direito de defesa, se fosse condenado, não receberia pena de morte. Sofreria alguns anos de reclusão, começando em regime fechado, mas com direito a progredir para os regimes semiaberto e aberto. A criança, porém, inocente e indefesa, deveria pagar com a morte pelo crime de seu pai. Como magistrado, tu sabes que isso contradiz o princípio fundamental esculpido em nossa Constituição de quenenhuma pena não passará da pessoa do condenado(art. 5º, XLV, CF).

No entanto, no caso acima, houve uma peculiaridade. A indução do aborto já havia começado quando a titular da Delegacia de Proteção e à Criança e ao Adolescente (DPCA), Renata Vieira Freitas, encontrou fortes indícios de que a alegação de estupro era falsa. Segundo o pai da criança, a adolescente teria inventado a estória de violência por ódio ou vingança. Posteriormente a delegada verificaria, com a confissão da própria jovem, que o “estupro” não passara de uma farsa. No entanto, já no dia 20, a delegada tentou inutilmente comunicar-se contigo, a fim de que tu anulasses teu próprio alvará. Tu, porém, estavas descansando em um lugar longínquo... enquanto um inocente morria.
 Lembro-me de como o Hospital estava enfeitado com adornos natalinos. E os profissionais da saúde não enxergavam a gritante contradição entre o festejo do nascimento do menino Jesus e a provocação de um aborto. Dirás tu: “Não era o menino Jesus que estava sendo abortado”. Mas Ele te dirá no dia do juízo: “Cada vez que o fizeste a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25,40).

Em Goiânia tu te tornaste famoso por seres o juiz que expediu o maior número de alvarás para aborto de crianças malformadas (aborto eugênico). Tuas sentenças mostram que estás ciente de que aquilo que autorizas é um ilícito. Transcrevo trechos da sentença de 16 de novembro de 2004, no qual autorizaste o aborto de uma criança anencéfala[4] (as palavras são repetidas em diversas outras sentenças):O que a requerente almeja não se enquadra no nosso Direito Positivo, já que pleiteia o chamado aborto eugenésico [...]. Poder-se-ia, no caso, preferir o formalismo e, com isso, concluir pela impossibilidade jurídica do pedido. [...] É sabido que o direito à vida, abrangendo a vida uterina, assegurado pelo caput do artigo 5º do Texto Constitucional, é inviolável. No entanto, ao arrepio da lei e da Constituição, tu dizes: A interrupção da gravidez encontra fundamento quando o feto possuir malformação congênita, degeneração ou houver possibilidade de que venha a nascer com enfermidade incurável.

Em tua opinião, portanto, tu poderias agir como um juiz de exceção, permitindo o que a lei proíbe [5]. Sim, pois a lei não é omissa no que se refere ao distúrbio do nascituro. O aborto eugênico enquadra-se perfeitamente nos artigos 125 ou 126 do Código Penal, conforme seja feito sem ou com o consentimento da gestante. E a autorização judicial não tem nenhum efeito jurídico, a não ser o de tornar o juiz partícipe do crime, conforme diz o artigo 29 do Código Penal: Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Mas qual procurador de justiça ousaria oferecer denúncia contra um juiz por crime de aborto? Tu estás tranquilo. De um lado, a incapacidade de a criança se defender, do outro, a omissão do Ministério Público. Curiosamente, em algumas de tuas sentenças, tu escreves a seguinte frase: “Quem se sentir lesado que recorra”. Ora, como a criança poderá recorrer? Se um cidadão quiser impetrar habeas corpus em favor dela, encontrará inúmeros obstáculos. Quando em 06/10/2015, tu autorizaste o aborto de uma criança com síndrome de body-stalk (cordão umbilical curto), o impetrante do habeas corpus não pôde fotocopiar os autos, por proibição expressa da escrivania. Foi-lhe concedido tão-somente folheá-los. A petição teve que ser redigida a mão no próprio balcão do cartório. Mesmo assim, o desembargador Aluizio Ataides de Sousa conheceu o pedido e deferiu a liminar, a tempo de impedir o aborto. A criança nasceu, recebeu um nome (Giovana) e morreu após uma hora e quarenta minutos. Foi registrada como cidadã e sepultada dignamente. Não foi descartada nem tratada como lixo hospitalar. Dize-me, senhor juiz: para ti, a curta sobrevida extrauterina torna o bebê indigno de respeito?

Nos dois alvarás para aborto expedidos em 2011 – o primeiro de uma criança normal com possível deformidade futura (eugenia preventiva)[6], o segundo de uma criança com síndrome de Edwards[7] – os funcionários da escrivania sonegaram toda sorte de informações aos impetrantes, incluindo o número do processo (!), alegando um pretenso “segredo de justiça”.

A última de tuas sentenças de aborto eugênico, dada em 17 de dezembro de 2015, foi tão sigilosa, que nem o serviço de notícias do Tribunal de Justiça de Goiás fez referência a ela! A informação só foi obtida dos jornais Opção [8] e Diário da Manhã [9]. A criança, com vinte e cinco semanas (seis meses) padecia da síndrome de Edwards, conhecida também como trissomia 18, uma anomalia genética que se caracteriza por atraso mental, atraso do crescimento e, por vezes, má-formação grave no coração.  

A esperança de vida é baixa, mas já foram registrados casos de adolescentes portadores da síndrome[10]. Tu afirmas que tal caso não se confunde com o de bebês apresentando deficiência física ou mental, como a síndrome de Down (trissomia 21 ou mongolismo). Não há, contudo, diferença essencial, mas apenas diferença de grau entre as duas síndromes. Crê, senhor juiz: em breve tu estarás autorizando não só o aborto de crianças “mongoloides”, mas o de qualquer bebê considerado “de má qualidade” pelos pais ou pelos médicos.

Tu és cristão e dizes com acerto que “ser juiz é um sacerdócio”. No entanto, parece que tu ignoras os Dez Mandamentos em particular o quinto: “não matarás” – quando estás oficiando no fórum. Talvez tu digas que o Estado é laico (ou louco?), de modo que, se no templo tu oras ao Senhor, na tua profissão podes olhar para um bebê e dizer: “Não conheço esse homem” (Mc 14,71).

Escrevo esta carta para que vivas, mesmo sabendo que poderás persistir na conduta que te levará à morte. Ao escrever, lembro-me do que disse o Senhor ao profeta Ezequiel: Se digo ao ímpio: ‘Tu hás de morrer’ e tu não o advertires, se não lhe falares a fim de desviá-lo do seu caminho mau, para que viva, ele morrerá, mas o seu sangue requerê-lo-ei da tua mão. Por outro lado, se tu advertires o ímpio, mas ele não se arrepender do seu caminho mau, morrerá na sua iniquidade, mas tu terás salvo a tua vida (Ez 3,18-19).

Senhor juiz, “escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência” (Dt 30,19).

Anápolis, 4 de janeiro de 2016.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Mensagens respeitosas podem ser enviadas ao
Sr. juiz Jesseir Correio de Alcântara:
1ª Vara Criminal
Fórum Dr. Heitor Moraes Fleury
Rua 10, nº 150, Térreo, sala 178
Setor Oeste,
74.120-020, Goiânia, GO.
Telefones:

Notas:

[1] Pedro NUNES. Bebê comove servidores de hospital. O Popular, 25 dez. 2015, p. 3.
[2] A adolescente completou 15 anos no dia 15 de dezembro. O aborto começou no dia 19, mas o neném só foi expelido no dia 21, após aplicação de várias doses de misoprostol (Cytotec).
[3] Aline LEONARDO. “Menina de 14 anos estuprada por padrasto poderá abortar”. Notícias do Tribunal de Justiça de Goiás, 14 dez. 2012.
[4] Cf. autos do processo 200402082081.
[5] Art. 5º, XXXVII, CF - não haverá juízo ou tribunal de exceção.
[6] Processo n. 201100707390.
[7] Processo n. 201100980606.
Escrito por Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz