David e Louise Turpin fugiram juntos e
dirigiram por mil quilômetros há 30 anos
Presos sob fiança multimilionária por
acusações de tortura contra os 13 filhos, David e Louise Turpin planejavam ter o
14º membro da prole pouco antes da detenção. Uma jovem de 17 anos conseguiu escapar
do cativeiro — no qual os irmãos eram mantidos desnutridos, imundos e
capturados — e relatar à polícia o cotidiano de abusos na casa de
Perris, na Califórnia. O meio-irmão de Louise, Billy Lambert, e a irmã
Teresa Robinette revelaram ao "Daily Mail" o começo do
conturbado relacionamento, que minou a relação da americana detida com os
parentes.
DE QUE SORRIAM? - David
e Louise, com os filhos (acima), em Las Vegas, onde foram renovar os votos
conjugais: dentro da casa confortável, com quatro carros na frente, a polícia
encontrou escuridão, sujeira e tortura (Bill Wetcher/AFP)
Os irmãos de Louise contaram à "DailyMail
TV" que David Turpin, aos 24 anos, "sequestrou"
Louise, então com 16, da escola em que ela estudava, em Princeton. Ele
convenceu a diretoria a liberar a namorada sob sigilo e dirigiu com ela por
mais de mil quilômetros sem avisar ou pedir o consentimento dos pais dela. O
casal acabou pego pela polícia e foi levado de volta para casa. Teresa, que
tinha 3 anos na ocasião, destaca que a relação da irmã nunca mais foi a mesma
com a família. Pais foram presos sob acusações de tortura e ameaça à
infância
Apesar da diferença de idade, a mãe de
Louise, Philly, a deixava namorar com David por ser um jovem de família cristã
e porque confiava na filha. Ainda assim, as duas mantinham segredo para o
pai, Wayne. O pai só descobriu o namoro a partir da fuga, do desaparecimento e
da confirmação da escola de que a aluna havia sido liberada e partido com o
parceiro. "Ele ficou furioso com a minha mãe por deixá-los namorar. Ele
ficou chateado e disse que era culpa dele. Pelo telefone, ele falou para a
Louise: 'Esta é a vida que você quer, você agora é uma adulta. Eu te amo e
sempre serei o seu papai, mas agora você pode cuidar de si mesma'",
recordou Teresa sobre o episódio.
Billy Lambert, meio-irmão da presa,
destacou que foi o último parente a falar com Louise antes da revelação dos
abusos e da prisão. Ela
contou que iria comprar um ônibus escolar para a família e expressou o plano de
ter um 14º filho. "Aí ela me disse que queria outra
criança. Eu perguntei: 'Você está falando sério? Por que você quer outra
criança, você não tem filhos o suficiente?' Mas ela reforçou que queria outra
criança", frisou o empreendedor, que mora no Tennessee.
As autoridades americanas atribuíram a
David e Louise 75 acusações, como tortura, cárcere privado, abuso
infantil, abuso de adultos dependentes. Ele, de 57 anos, também vai responder
por atos sexuais com filhos menores de idade. Os dois se declaram inocentes e podem
pegar a prisão perpétua, caso condenados. "Eu tenho quatro
irmãos agora, em vez de cinco. Ela está fora da minha árvore genealógica, está
morta para mim", frisou Teresa, para quem a irmã sempre levou uma vida
rica e feliz com os filhos, afastada dos parentes.
O Globo
Os Turpin passaram anos acorrentando e maltratando os treze filhos dentro de casa, em um bairro de classe média da Califórnia. Nenhum vizinho desconfiou
As linhas
inaugurais do clássico Anna Kariênina, de Liev Tolstói, estão entre as
mais conhecidas da literatura universal: “Todas as famílias felizes se
parecem, mas as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”.
Infelicidade como a dos Turpin, do sul da Califórnia, é difícil de atingir.
David, de 56 anos, e Louise, 49, têm treze filhos. Moravam
em uma casa térrea confortável, de quatro quartos, como a de todas as
outras famílias de Perris, a 100 quilômetros de Los Angeles. Na frente dela,
estacionavam três carros e uma van, em bom estado. Na sua página no
Facebook, postavam fotos de viagens à Disneylândia e a Las
Vegas, aonde o casal foi três vezes para renovar seus votos de casamento
com um oficiante vestido de Elvis Presley, acompanhado da filharada
(dez meninas e três meninos), que usava roupas idênticas. No domingo 14,
pela primeira vez a polícia entrou na residência dos Turpin. Descobriu que, da
porta para dentro, nada era normal. O interior
era escuro e malcuidado. Em um quarto imundo encontrou crianças e jovens mal
nutridos, famintos e sujos, três deles acorrentados a camas. O lar dos
Turpin era uma prisão.
O alerta
foi dado por uma filha de 17 anos que fugiu pela janela às 6 da manhã. Munida de um celular que os pais
não usavam mais, desativado, mas que permite chamadas de emergência, a
garota ligou para o 911. A polícia foi ao seu
encontro, ouviu sua história e viu fotos que ela havia tirado. Confirmado o
relato, liberou o que pareciam doze crianças pálidas e raquíticas —
para surpresa geral, sete tinham mais de 18 anos; o mais velho, 29. A
própria adolescente que deu o alarme, à primeira vista, “parecia não ter
mais de 10 anos”, disse a polícia. Louise demonstrou surpresa com a
batida policial; David não esboçou reação. Nenhum dos dois “foi capaz de
dar uma explicação lógica” para o estado dos filhos. O casal foi preso,
acusado de maus-tratos e tortura, sob fiança de 9 milhões de dólares. Os
irmãos foram alimentados e hospitalizados.
Outros
pais torturaram filhos durante anos e acabaram expostos. O austríaco Josef Fritzl
encarcerou a filha Elisabeth num porão e a estuprou por 24 anos. Teve com
ela sete filhos, e o caso veio à tona em 2008, quando uma das crianças adoeceu.
Fritzl cumpre prisão perpétua. No ano passado, os
japoneses Yasukata e Yukari Kakimoto foram presos após a morte por congelamento
da filha que mantiveram trancafiada por mais de quinze anos. Ela tinha 33 anos
e pesava 19 quilos. Mas nunca tantas crianças juntas foram
vistas sendo torturadas por pai e mãe.
De tudo o
que se descobriu sobre os Turpin — e muita coisa ainda tem de ser esclarecida
—, o que mais deixou os moradores de Perris
estarrecidos foi que ninguém havia notado que aquela casa não era igual às
outras. Agora, alguns vizinhos do bairro de classe média dizem ter
estranhado o fato de as crianças raramente aparecerem na rua ou no quintal e
serem excepcionalmente pálidas e arredias. Eles haviam notado, mas não quiseram
se meter na vida dos outros. David Turpin, atualmente sem trabalho, teve
bons empregos, mas pediu falência pessoal duas vezes, a mais recente em 2011.
“Eles pareciam pessoas normais endividadas por causa da quantidade de filhos”,
descreveu seu advogado no processo, Ivan Trahan. “Eram simpáticos e falavam
com orgulho das crianças.” Em 2014, Turpin registrou no seu endereço uma
escola, a Sandcastle Day School, que o tinha como diretor e seis dos filhos
como alunos — o que é permitido na Califórnia. O Departamento de Educação nunca
fiscalizou nem as instalações nem as aulas.
Afastados
havia anos do resto da família, pai e mãe — nunca as crianças — falavam por
telefone com alguns parentes. Segundo a avó Betty Turpin, que não os via
fazia “quatro ou cinco anos”, ambos eram “bastante protetores” e
muito religiosos. A educação era “rígida” e os filhos, todos com
nomes começando com J, “de Jesus ou José”, tinham de decorar longos
trechos da Bíblia. “Eu queria poder explicar como isso aconteceu”,
disse Greg Fellows, porta-voz da delegacia local, em uma coletiva. Até agora,
ninguém pôde.
Publicado
em VEJA de 24 de janeiro de
2018, edição
nº 2566