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domingo, 16 de junho de 2019

O autoengano de Moro e Deltan

Ministro acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo

Essência do vazamento é seu conteúdo

Uma semana depois da divulgação das conversas do juiz Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol pelo site The Intercept Brasil, consolidou-se a linha de defesa do governo segundo a qual o que houve ali foi um crime. Trata-se de uma magnífico exercício de autoengano. Foi praticado um crime na forma, mas a essência do episódio está no seu conteúdo. A divulgação dos Pentagon Papers, em 1971, decorria de um indiscutível crime contra a segurança nacional dos Estados Unidos, pois os documentos que contavam a ação americana no Vietnã eram secretos e foram roubados. A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a tentativa do governo de proibir a sua divulgação.

[destaque necessário: FATOS:
- violar sigilo telefônico e de comunicações telemáticas é crime, segundo a legislação brasileira em vigência, deve ser obedecida - obedecer as leis não é uma opção e sim um DEVER;
- a Constituição Federal estabelece que provas adquiridas por meios ilícitos não são válidas;
- até o presento momento, não existe provas ou mesmo indícios de que as conversas são autênticas, podem ter sido forjadas;
- ainda que não fosse crime violar, roubar, conversar privadas, ainda que as conversas sejam autênticas, o conteúdo das mesmas não apresenta nada que possa indicar que ocorrem fraudes no processo que condenou o ladrão Lula e outros bandidos.

O processo do triplex se destacar por ser o processo mais analisado do Brasil, quiçá do mundo - todas as instância do Judiciário comprovam que tudo transcorreu dentro da legalidade.]

Governantes inventam (e fingem que acreditam) coisas incríveis. O governo petista e seu comissariado desqualificavam o conteúdo das colaborações de alguns de seus companheiros e cúmplices com a Lava Jato de Sergio Moro denunciando a forma como os procuradores obtinham as confissões (encarcerando os suspeitos). Em junho de 2015 a presidente Dilma Rousseff disse: “Não respeito delator”. O autoengano petista custou o mandato a Dilma e a liberdade a Lula, bem como aos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci.

Um ano depois da fala de Dilma, Sergio Moro lembrou a Deltan Dallagnol que a Lava Jato estava há “muito tempo sem operação”. (Dias depois foi para a rua a Operação Arquivo X.) Na mesma conversa, o juiz ofereceu ao procurador o nome de uma “fonte séria” que “estaria disposta a prestar a informação”. (Não devia ser séria porque oferecia informações que não se materializaram sobre o filho de Lula. Além disso, não topou falar.) À época não se sabia que o juiz Moro e o procurador Dallagnol tinham tamanha fraternidade. Sabe-se agora, graças ao The Intercept Brasil. Em 2015 autoenganavam-se empreiteiros e petistas. Hoje, quem acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo é o ministro Moro.

Em novembro de 1971 a filósofa Hannah Arendt publicou um artigo intitulado “Mentindo na Política: Reflexões sobre os Papéis do Pentágono” e nele cuidou do mecanismo do autoengano. Ela disse o seguinte: “O autoengano pressupõe que a distinção entre a verdade e a falsidade, entre a realidade e a fantasia, desaparece numa cabeça que se desligou dos fatos. No campo político, onde o segredo e a dissimulação sempre desempenharam um importante papel, o autoengano é o perigo por excelência: o enganador autoenganado perde todos os contatos, não só com seu público, mas com o mundo real”.
(...)


BALCÃO DA LANCHONETE
Frase colhida num balcão de lanchonete:
“Quando ele gravava, podia. Agora que grampearam ele, é crime”.

AUSTERIDADE
O filho de um alto morubixaba de Brasília resolveu viajar para o Rio. Seu pai, avarento e austero, disse-lhe que fosse de ônibus.
Ele foi, seguido pelo carro dos seguranças.

(...)

ORDEM NO PALÁCIO
Alguém precisa avisar ao presidente Bolsonaro que não deve receber quadros do segundo escalão do governo sem o conhecimento dos ministros a quem eles são subordinados.
Às vezes isso é feito em nome de velhas amizades, mas o amigo pensa que está com a bola cheia e acaba segurando fio desencapado.

BOLO SEM CEREJA
A saída do regime de capitalização do projeto de reforma da Previdência tirou a cereja do bolo que a banca ajudou a assar.
Ela continuará apoiando a reforma, mas chorará em segredo. Até mesmo porque é duvidoso que a mutilação tenha sido uma boa ideia.

RECORDAR É VIVER
Nos 30 anos da repressão aos estudantes que estavam na praça da Paz Celestial, os organizadores das manifestações de Hong Kong deverão calibrar a radicalização de suas palavras de ordem.
oje sabe-se que Deng Xiaoping decidiu acabar com o acampamento e reorientar o governo em abril. Os estudantes acharam que tinham pista livre e radicalizaram. Em maio Deng chamou a tropa e deu sinais de que derrubaria. Em junho baixou o chanfalho.
Na política chinesa, três meses equivalem a uma fração de segundos em outras terras.

CONTA DA PETROBRAS
Vem aí uma conta pesada para a Petrobras. Assim como fizeram, com sucesso, os investidores americanos, alguns fundos brasileiros prejudicados pelas malfeitorias ocorridas na Petrobras, querem ser indenizados.
Por enquanto, a conta (parcial) está em R$ 58 bilhões.
A burocracia da empresa e a União empurram o caso com a barriga e hoje há uma disputa para se saber se o processo deve ser submetido à Câmara de Arbitragem ou mandado para a Justiça. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a relatora Nancy Andrighi já se decidiu pela arbitragem. Se essa tese prosperar a sentença pode sair ainda neste ano.

(...)


Elio Gaspari, jornalista - O Globo - Folha de S. Paulo

sábado, 20 de janeiro de 2018

Casal preso por torturar 13 jovens planejava 14º filho; Os Turpin passaram anos acorrentando e maltratando os treze filhos dentro de casa, nuncaninguém desconfiou



David e Louise Turpin fugiram juntos e dirigiram por mil quilômetros há 30 anos



Presos sob fiança multimilionária por acusações de tortura contra os 13 filhos, David e Louise Turpin planejavam ter o 14º membro da prole pouco antes da detenção. Uma jovem de 17 anos conseguiu escapar do cativeiro — no qual os irmãos eram mantidos desnutridos, imundos e capturados e relatar à polícia o cotidiano de abusos na casa de Perris, na Califórnia. O meio-irmão de Louise, Billy Lambert, e a irmã Teresa Robinette revelaram ao "Daily Mail" o começo do conturbado relacionamento, que minou a relação da americana detida com os parentes.


DE QUE SORRIAM? - David e Louise, com os filhos (acima), em Las Vegas, onde foram renovar os votos conjugais: dentro da casa confortável, com quatro carros na frente, a polícia encontrou escuridão, sujeira e tortura (Bill Wetcher/AFP)

Os irmãos de Louise contaram à "DailyMail TV" que David Turpin, aos 24 anos, "sequestrou" Louise, então com 16, da escola em que ela estudava, em Princeton. Ele convenceu a diretoria a liberar a namorada sob sigilo e dirigiu com ela por mais de mil quilômetros sem avisar ou pedir o consentimento dos pais dela. O casal acabou pego pela polícia e foi levado de volta para casa. Teresa, que tinha 3 anos na ocasião, destaca que a relação da irmã nunca mais foi a mesma com a família.  Pais foram presos sob acusações de tortura e ameaça à infância

Apesar da diferença de idade, a mãe de Louise, Philly, a deixava namorar com David por ser um jovem de família cristã e porque confiava na filha. Ainda assim, as duas mantinham segredo para o pai, Wayne. O pai só descobriu o namoro a partir da fuga, do desaparecimento e da confirmação da escola de que a aluna havia sido liberada e partido com o parceiro. "Ele ficou furioso com a minha mãe por deixá-los namorar. Ele ficou chateado e disse que era culpa dele. Pelo telefone, ele falou para a Louise: 'Esta é a vida que você quer, você agora é uma adulta. Eu te amo e sempre serei o seu papai, mas agora você pode cuidar de si mesma'", recordou Teresa sobre o episódio.

Billy Lambert, meio-irmão da presa, destacou que foi o último parente a falar com Louise antes da revelação dos abusos e da prisão. Ela contou que iria comprar um ônibus escolar para a família e expressou o plano de ter um 14º filho.  "Aí ela me disse que queria outra criança. Eu perguntei: 'Você está falando sério? Por que você quer outra criança, você não tem filhos o suficiente?' Mas ela reforçou que queria outra criança", frisou o empreendedor, que mora no Tennessee.

As autoridades americanas atribuíram a David e Louise 75 acusações, como tortura, cárcere privado, abuso infantil, abuso de adultos dependentes. Ele, de 57 anos, também vai responder por atos sexuais com filhos menores de idade. Os dois se declaram inocentes e podem pegar a prisão perpétua, caso condenados. "Eu tenho quatro irmãos agora, em vez de cinco. Ela está fora da minha árvore genealógica, está morta para mim", frisou Teresa, para quem a irmã sempre levou uma vida rica e feliz com os filhos, afastada dos parentes.

O Globo 

Os Turpin passaram anos acorrentando e maltratando os treze filhos dentro de casa, em um bairro de classe média da Califórnia. Nenhum vizinho desconfiou

As linhas inaugurais do clássico Anna Kariênina, de Liev Tolstói, estão entre as mais conhecidas da literatura universal: “Todas as famílias felizes se parecem, mas as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Infelicidade como a dos Turpin, do sul da Califórnia, é difícil de atingir. David, de 56 anos, e Louise, 49, têm treze filhos. Moravam em uma casa térrea confortável, de quatro quartos, como a de todas as outras famílias de Perris, a 100 quilômetros de Los Angeles. Na frente dela, estacionavam três carros e uma van, em bom estado. Na sua página no Facebook, postavam fotos de viagens à Disneylândia e a Las Vegas, aonde o casal foi três vezes para renovar seus votos de casamento com um oficiante vestido de Elvis Presley, acompanhado da filharada (dez meninas e três meninos), que usava roupas idênticas. No domingo 14, pela primeira vez a polícia entrou na residência dos Turpin. Descobriu que, da porta para dentro, nada era normal. O interior era escuro e malcuidado. Em um quarto imundo encontrou crianças e jovens mal nutridos, famintos e sujos, três deles acorrentados a camas. O lar dos Turpin era uma prisão.

O alerta foi dado por uma filha de 17 anos que fugiu pela janela às 6 da manhã. Munida de um celular que os pais não usavam mais, desativado, mas que permite chamadas de emergência, a garota ligou para o 911. A polícia foi ao seu encontro, ouviu sua história e viu fotos que ela havia tirado. Confirmado o relato, liberou o que pareciam doze crianças pálidas e raquíticas — para surpresa geral, sete tinham mais de 18 anos; o mais velho, 29. A própria adolescente que deu o alarme, à primeira vista, “parecia não ter mais de 10 anos”, disse a polícia. Louise demonstrou surpresa com a batida policial; David não esboçou reação. Nenhum dos dois “foi capaz de dar uma explicação lógica” para o estado dos filhos. O casal foi preso, acusado de maus-tratos e tortura, sob fiança de 9 milhões de dólares. Os irmãos foram alimentados e hospitalizados.

Outros pais torturaram filhos durante anos e acabaram expostos. O austríaco Josef Fritzl encarcerou a filha Elisabeth num porão e a estuprou por 24 anos. Teve com ela sete filhos, e o caso veio à tona em 2008, quando uma das crianças adoeceu. Fritzl cumpre prisão perpétua. No ano passado, os japoneses Yasukata e Yukari Kakimoto foram presos após a morte por congelamento da filha que mantiveram trancafiada por mais de quinze anos. Ela tinha 33 anos e pesava 19 quilos. Mas nunca tantas crianças juntas foram vistas sendo torturadas por pai e mãe.

De tudo o que se descobriu sobre os Turpin — e muita coisa ainda tem de ser esclarecida , o que mais deixou os moradores de Perris estarrecidos foi que ninguém havia notado que aquela casa não era igual às outras. Agora, alguns vizinhos do bairro de classe média dizem ter estranhado o fato de as crianças raramente aparecerem na rua ou no quintal e serem excepcionalmente pálidas e arredias. Eles haviam notado, mas não quiseram se meter na vida dos outros. David Turpin, atualmente sem trabalho, teve bons empregos, mas pediu falência pessoal duas vezes, a mais recente em 2011. “Eles pareciam pessoas normais endividadas por causa da quantidade de filhos”, descreveu seu advogado no processo, Ivan Trahan. “Eram simpáticos e falavam com orgulho das crianças.” Em 2014, Turpin registrou no seu endereço uma escola, a Sandcastle Day School, que o tinha como diretor e seis dos filhos como alunos — o que é permitido na Califórnia. O Departamento de Educação nunca fiscalizou nem as instalações nem as aulas.

Afastados havia anos do resto da família, pai e mãe nunca as crianças — falavam por telefone com alguns parentes. Segundo a avó Betty Turpin, que não os via fazia “quatro ou cinco anos”, ambos eram “bastante protetores” e muito religiosos. A educação era “rígida” e os filhos, todos com nomes começando com J, “de Jesus ou José”, tinham de decorar longos trechos da Bíblia. “Eu queria poder explicar como isso aconteceu”, disse Greg Fellows, porta-­voz da delegacia local, em uma coletiva. Até agora, ninguém pôde.