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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Protocolo de ressuscitação

Não faz sentido esperar que a retomada do nível de atividade possa estar baseada em expansão do dispêndio público

O título, extraído de um manual de atendimento cardiovascular de emergência, é para não deixar dúvidas acerca de quão inerte está o investimento na economia brasileira e da urgência de ressuscitá-lo.  Ao fim de uma recessão tão profunda, a maior parte das empresas encontra-se com níveis muito altos de capital fixo ocioso. Como a capacidade instalada de que dispõem parece mais do que suficiente para fazer face à provável evolução da demanda nos próximos anos, as empresas não têm por que encomendar novos equipamentos ou expandir suas instalações. Simplesmente pararam de investir.

A persistência de taxas de juros extremamente altas e a incerteza sobre as possibilidades de superação da grave crise fiscal com que se debate o país — amplificada por preocupações com desdobramentos políticos da Lava-Jato e seus possíveis efeitos sobre o desfecho das eleições de 2018 — têm sido fatores adicionais de desestímulo ao investimento.  Ainda assim, é sobre a recuperação do investimento que recaem as esperanças de uma reativação sustentável da economia ao longo dos próximos anos. Em meio às dificuldades fiscais que vêm sendo enfrentadas pelos três níveis de governo, não faz sentido esperar que a retomada do nível de atividade possa estar baseada em expansão do dispêndio público. 

Do lado do consumo, tampouco se pode esperar muito. Com o desemprego a 12% e as famílias, em grande parte, ainda excessivamente endividadas, a recuperação do consumo parece fadada a dar contribuição relativamente modesta à retomada da economia. Da expansão das exportações, sim, se pode esperar efeito dinâmico significativo. Mas a magnitude desse efeito estará limitada pela participação ainda muito pequena das exportações na demanda agregada da economia brasileira.

É da recuperação do investimento, portanto, que, em grande medida, dependerá o vigor da retomada da economia no próximo biênio. E, na corrida contra o tempo, é crucial que o governo não cometa erros no protocolo de ressuscitação do investimento. Todo cuidado é pouco. Há que se reconhecer que medidas importantes para destravar os investimentos vêm sendo tomadas. Merece destaque a atuação decisiva do Banco Central, que, em poucos meses, restaurou a credibilidade da política monetária e abriu espaço para uma queda pronunciada das taxas de juros. 

Por altas que ainda sejam, as incertezas sobre as possibilidades de superação da crise fiscal foram substancialmente reduzidas nos últimos meses, à medida que a aprovação da PEC do teto e a perspectiva de avanço da reforma da Previdência passaram a dar mais credibilidade ao plano de jogo do governo. Mas a recuperação do investimento não pode ficar na dependência do desfecho de um esforço de ajuste fiscal que, na melhor das hipóteses, deverá se arrastar por vários anos. Para intensificar o círculo virtuoso do reflorescimento do investimento, o governo terá de ter cuidado especial com setores que não padecem de problemas de excesso de capacidade, como agricultura, infraestrutura e exploração e produção de petróleo e gás.

No setor agrícola, o reflorescimento do investimento, alimentado por uma safra de grãos recorde e preços favoráveis, deu-se de forma natural e parece bem promissor. Para que tenha continuidade, basta que o governo não atrapalhe. Já os investimentos em infraestrutura, não obstante seu enorme potencial, continuam entravados pela falta de um aparato regulatório adequado, que o governo ainda não conseguiu entregar.  Grande potencial têm também os investimentos em exploração e produção de petróleo e gás. Mas é importante que o governo impeça que seu reflorescimento seja atrofiado pela imposição de exigências de conteúdo local, como voltou a ser agressivamente defendido pelos lobbies de praxe. Ceder a tais pressões seria péssimo sinal. 

O que está em jogo é muito mais que o investimento no setor de petróleo e gás. É a própria perspectiva de avanço do delicado círculo virtuoso de quebra do pessimismo e reflorescimento do investimento na economia como um todo.

Por: Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio - O Globo