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domingo, 19 de fevereiro de 2023

50 dias sem picanha - Revista Oeste

Silvio Navarro

Sem um plano para o país, Lula escolhe o presidente do Banco Central como bode expiatório e culpa 'bolsonaristas infiltrados' pelo fiasco na largada

Presidente Lula e os 50 dias sem picanha | Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert/PR/Shutterstock

 Presidente Lula e os 50 dias sem picanha | Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert/PR/Shutterstock

Entre um passeio internacional e outro, um discurso inflamado na festança do PT e entrevistas para a velha imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu um culpado para as más notícias na área econômica que estão chegando mais cedo do que o esperado: Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.

Lula tenta emplacar a tese de que os juros básicos da economia no patamar de 13,75% travam o desenvolvimento do país. Quem determina a política monetária é o Banco Central, cuja gestão é independente desde 2021 — ou seja, livre de ingerência política.  
A diretoria do banco entende que manter a taxa de juros em dois dígitos é uma forma de segurar as rédeas da inflação, que sempre penaliza os mais pobres.

As correntes de economistas ligados ao PT e em postos no governo não pensam assim: entendem que a prática de juros escorchantes atendem a interesses do mercado, são contra a austeridade fiscal — principalmente o teto de gastos —, querem um “Estado grande”, mais desenvolvimentista e com aumento do consumo de bens.  
É sobretudo nesse último ponto que está a preocupação de Lula: consumir mais significa garantir a picanha aos domingos, sua promessa de campanha. 
Lula está preocupado com o curto prazo, porque sabe que o resultado apertado das urnas não lhe assegurou popularidade por muito tempo.
 
A realidade, contudo, às vezes atravessa o sonho do PT. As notícias que batem à porta dos brasileiros são ruins
O mercado, esse ente demonizado pela esquerda, não gostou da agenda de aventura fiscal. O setor produtivo tampouco, porque precisa de previsibilidade. Grandes empresas começaram o ano com demissões. 
O reajuste do salário mínimo será só de R$ 18. O investidor, principalmente o estrangeiro, não se sente seguro em “agarrar cordas soltas” — a marca do governo Lula 3 até agora é a insegurança. O resultado é que as engrenagens da economia começam a ranger.

Qual a resposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao mercado? “Entendo a ansiedade do dito mercado, dessa meninada que fica na frente do computador dando ordem de compra, ordem de venda”, afirmou, em evento do banco BTG Pactual. “Cada espirro em Brasília gera uma enorme turbulência.”

Foto: Reprodução Twitter

 


Os infiltrados

Além do bode expiatório dos juros, caso a economia entre em parafuso, outro motivo da perseguição de Lula a Roberto Campos Neto é porque ele chegou à cadeira indicado por Jair Bolsonaro
Lula já afirmou que qualquer coisa que remeta aos governos dos antecessores, incluindo Michel Temer, não presta. 
“Tudo o que fizemos em 13 anos de governo do PT foi destruído em seis anos depois do golpe e do último mandato de um genocida”, afirmou, na segunda-feira 13, durante a festança de aniversário do PT.

No dia seguinte, repetiu a ladainha em evento na Bahia, ao lado do ex-governador Rui Costa (PT), que chefia a Casa Civil da Presidência.

“Vocês têm que ter um pouquinho de paciência, porque estamos apenas há 40 dias no governo e ainda nem conseguimos montar as equipes. Temos que retirar os bolsonaristas que estão lá, escondidos às pencas”, afirmou. “A responsabilidade de tirar eles é do Rui Costa, que vai assinar as medidas para retirar aquela gente infiltrada no nosso governo” (lançamento do Minha Casa, Minha Vida, em Santo Amaro, Bahia)

O que Lula e seus satélites não entendem — ou fingem não entender — é que, se o economista Roberto Campos Neto gosta ou não do ex-presidente Jair Bolsonaro, pouco importa. Como disse o executivo em entrevista nesta semana: “Se sair do cargo, dificilmente vai mudar muita coisa”. Quem estiver na cadeira terá de cumprir à risca o papel determinado pela Lei Complementar 179, de 2021, que tirou o ordenamento das questões monetárias das mãos do Palácio do Planalto. Trata-se de uma medida de segurança para o sistema financeiro do país.

O próprio Campos Neto deu um bom exemplo da eficácia desse modelo nesta semana. Ele citou o Peru, que sofre com sucessivos sobressaltos políticos — recentemente, o ex-presidente Pedro Castillo tentou fechar o Congresso Nacional. A manutenção de Julio Velarde à frente da autoridade monetária peruana, desde 1997, impediu o colapso econômico. Outro exemplo é o Chile, que enfrenta um processo de revisão da Constituição, mas o sistema financeiro autônomo segue blindado.

A atribuição legal de autonomia centraliza os conhecimentos técnicos e profissionais para questões monetárias e financeiras no Banco Central, aumentando a probabilidade de decisões apropriadas. A autonomia do Banco Central do Brasil (BC) dispõe sobre os mandatos do presidente e diretores e sobre os objetivos da instituição, definida pela Lei Complementar nº 179/2021, alterando trechos da Lei nº 4.595/1964, que ordena o sistema financeiro nacional. O objetivo fundamental do BC é assegurar a estabilidade de preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

Fixação por Bolsonaro
Na segunda-feira, no mesmo horário em que Lula falava à militância recém-empregada em cargos públicos em Brasília, Campos Neto sentou-se na cadeira de entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura. Antes de chegar ao Banco Central, fez carreira no mercado financeiro e passou duas décadas no Santander
Segue alguns passos do avô, o economista Roberto Campos, também entrevistado pelo programa em 1991 e 1997.

Na última delas, em pleno governo Fernando Henrique Cardoso, a produção anunciava: “Roberto Campos, um defensor ferrenho do livre mercado, da redução do tamanho do Estado e da privatização. Ex-seminarista, ex-diplomata, político e um dos economistas e intelectuais brasileiros mais influentes, ele é o principal representante do pensamento liberal clássico no país”.

Lula Roberto Campos
Presidente do BC, Roberto Campos Neto  - 
 Foto: Raphael Ribeiro/ BCB

Nesta segunda-feira, 26 anos depois, Campos Neto foi apresentado assim na descrição do programa: “Roberto Campos Neto assumiu a presidência do Banco Central em 2019. Indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro, o economista é defensor da autonomia do BC”. Na gravação — a atração não foi no formato ao vivo —, ele teve de responder aos jornalistas convidados sobre o uso da camisa da Seleção Brasileira quando foi votar “símbolo do bolsonarismo”, segundo publicou O Estado de S. Paulo. 

O executivo respondeu em tom conciliador, disse que se tratava de um ato privado naquele dia e que preferia responder sobre questões técnicas de sua gestão no banco. 
Os jornalistas da velha mídia insistiram mais duas vezes ao longo do programa, com tentativas de associá-lo ao “bolsonarismo” vilão. 
Essa parece ser uma estratégia de Lula e seus simpatizantes nas redações, que continuam mergulhados em notícias sobre um governo que acabou — talvez para não mostrar que o atual é um fiasco.

“O nosso ‘Bozo’ foi se esconder nos Estados Unidos, com medo de me passar a posse, não teve coragem de me encarar de frente (sic)“, disse Lula, na viagem à Bahia. Até Dilma Rousseff que vai receber salário de R$ 300 mil no Banco dos Brics — reapareceu com o microfone à mão na festa do PT, para pregar o bordão “Sem anistia” a Bolsonaro.

Enquanto a fixação por Bolsonaro não dá trégua, no primeiro Carnaval do governo Lula, não vai ter picanha. [E confiamos que no de 2024 não teremos Lula - impedido por INcompetência e preso por DESONESTIDADE.]

Leia também “O tempo em que o BNDES foi realmente dos brasileiros”

Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

BC mantém cautela diante de maior risco inflacionário - Valor Econômico

Opinião

Outros dois grandes riscos estão fora de controle do BC: pandemia e o risco fiscal

A inflação mais elevada do que o esperado acendeu um alerta no Banco Central, que indicou que poderá abandonar sua prescrição futura “em breve” e enterrou as dúvidas sobre até quanto os juros poderiam cair. A taxa Selic foi mantida em 2% e não há motivos para acreditar que o BC pretenda elevá-la tão cedo. Mas as expectativas inflacionárias, que indicavam IPCA abaixo da meta em 2021 e 2022, deixou de sê-lo para este último ano, agora no “horizonte relevante” da política monetária.

O BC terá de administrar com frieza uma inflação que fechará o ano acima da meta de 4% e seguirá alta até maio, quando poderá atingir 6% em doze meses. Março, abril e maio de 2020 foram os meses com efeitos mais duros da pandemia sobre a atividade econômica. Em março o IPCA foi de 0,07%, mergulhando em ligeira deflação nos dois meses seguintes. Esses baixos índices deixarão a conta e serão substituídos por outros, maiores.

As decisões de políticas monetária são tomadas quase sempre sobre terrenos movediços e o atual não foge à regra. Os distúrbios nas cadeias de produção provocados pelo coronavírus apareceram depois que a demanda ressurgiu, impulsionada pelo auxílio emergencial, que elevou a renda das camadas mais pobres. O aumento da procura diante de cadeias produtivas só parcialmente operacionais e desfalcadas - seja pelo distanciamento, seja pela falência de milhares de pequenas e médias empresas - puxou os preços para cima, com destaque para alimentos (alta de 15,94% em doze meses).

Além disso, a esperada apreciação do real não ocorreu, e sim uma acelerada desvalorização. Essa inflação do “risco fiscal” foi relevante. Com exportações mais rentáveis e demanda em alta, pela recuperação da economia global, chinesa em particular, os impactos dos preços internacionais que costumam ser amortecidos por um dólar mais fraco foram, ao contrário, potencializados por um mais forte.

O BC pode estar esperando o fim desse período de transição para outro no qual não haverá auxílio emergencial e a demanda arrefeça um pouco enquanto a produção se normaliza e o real se aprecia, como começou a ocorrer agora. O fim dos programas de manutenção do emprego deverá aumentar o número de desempregados e reduzir um pouco o consumo. Com isso, o IPCA recuará.

Nada disso, porém, é seguro. A vacinação tornou-se uma possibilidade real e próxima no início de 2021, mas a segunda onda veio antes e reduzirá o ritmo de crescimento no último trimestre do ano, com efeitos também no primeiro trimestre de 2021. A ata do Copom diz que a incerteza sobre o ritmo de crescimento permanece acima do usual nos próximos meses.

O risco fiscal permanece em campo, influenciando as cotações do dólar e a curva de juros futuros, e empurrando as expectativas inflacionárias para cima. “O risco fiscal elevado”, indica o Copom, “segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, com trajetória de inflação acima do projetado no horizonte relevante”. A julgar pela indecisão e divergências no governo, esta ameaça não irá embora tão cedo.

Mas o risco fiscal deixou de ser o principal fator que levaria o BC a abandonar a prescrição futura. O balanço de riscos piorou e ela pode ter de ser arquivada. Se isso acontecer, não será “mecanicamente” que os juros subirão, alertou o BC. No cenário em que a Selic é mantida em 2% e o câmbio em R$ 5,25, a inflação ficaria em 2021 abaixo da meta, em 3,5%, mas em 2022 poderia chegar a 4%, já acima da meta de 3,75%. No cenário com base nos dados do Focus isso não aconteceria, mas os juros subiriam a 3% no ano que vem e 4,5% em 2022.

O BC sinalizou que poderá elevar os juros, mas não é certo que o faça. As apostas do mercado são a de que eles se moverão a partir do segundo trimestre. Mas as estatísticas indicam que inflação, atividade e dólar estão perdendo o fôlego. Apesar do IPCA de 0,89% em novembro, a inflação de serviços caiu de 0,55% para 0,39%. A média dos núcleos de inflação recuou, assim como o índice de difusão, o IGP-M (primeira prévia) e IGP-DI. O dólar retornou ontem para perto de R$ 5, com a volta do fluxo de investimento externo em ativos de risco. Indicadores antecedentes sugerem que o PIB do quarto trimestre terá avanço modesto.

Outros dois grandes riscos estão fora de controle do BC: pandemia e o risco fiscal. Ambos dependem de um governo que não tem objetivos claros nem caminha em uma mesma direção, o que teve um custo inflacionário. Se ele aumentar, o BC não terá outro jeito senão elevar os juros.

Opinião - Valor Econômico

 

 

 

quinta-feira, 5 de março de 2020

Erros e fatos que explicam o pibinho - Míriam Leitão

O Globo

Ano de 2019 poderia ter sido de recuperação no PIB, mas o governo Bolsonaro perdeu tempo com falsos problemas e criou desgastes evitáveis
O primeiro ano do governo Bolsonaro foi decepcionante também do ponto de vista da economia. A previsão do PIB em janeiro era 2,5% e terminou em 1,1%. Houve fatores externos e tormentos internos na essência desse número. Mas o mais relevante agora é que 2020 não será igual ao ano que passou, porque o coronavírus criou uma nova dinâmica nas economias mundial e brasileira. Os economistas olham para 2019 como sendo um passado remoto, porque o presente concentra a atenção e é intensamente incerto.

O PIB per capita cresceu apenas 0,3%. O último trimestre, que se esperava fosse ganhar fôlego após a aprovação da reforma da Previdência, cresceu 0,5%. No ano, houve dados um pouco melhores no consumo das famílias (1,8%) e na construção (1,6%). O consumo foi estimulado pela liberação dos recursos do FGTS, mas isso não tem muita duração. O resultado da construção é decorrente da forte queda de juros ao longo dos últimos anos e que tem efeito cumulativo. É uma boa notícia, principalmente quando se pensa no contexto de cinco anos consecutivos de queda e de um encolhimento do setor em 30%. Porém, o último trimestre da construção foi decepcionante, queda de 2,5%. O crescimento brasileiro tem sido anêmico e não se sustenta.

É contrafactual tentar saber o que seria esse PIB se o governo não tivesse criado tanto ruído, mas certamente dá para imaginar que uma nova administração sempre consegue aproveitar a lua de mel, as expectativas positivas, e injetar ânimo na economia. O presidente Bolsonaro permaneceu em palanque e aprofundando as fraturas de uma eleição polarizada. Criou sucessivos ruídos com o Congresso. Deu sinais assustadores nas áreas ambiental e de direitos humanos.

A reforma da Previdência foi outro momento desperdiçado. A votação chegou a bom termo principalmente pela ação de lideranças políticas como o deputado Rodrigo Maia. Mas, uma vez aprovada, o ganho era principalmente do governo, que poderia aproveitar a onda e fortalecer a confiança. Mas, de novo, o presidente produziu uma sucessão de conflitos e debateu temas que dispersaram a atenção e deixaram o investidor assustado.

Os resultados vieram dentro do esperado, não houve maiores surpresas. A decepção ocorreu ao longo do ano, que dissolveu o otimismo de setores empresariais e de quase todo o mercado financeiro. Houve fatores externos, como a queda do crescimento do comércio mundial pela disputa entre China e Estados Unidos. A tragédia de Brumadinho atingiu fortemente a indústria extrativa mineral. Mas o ano passado poderia ter sido de retomada. E não foi. A conta está com o presidente Jair Bolsonaro. Ele herdou uma crise. Mas a economia patinou porque o governo gastou tempo e energia do país com falsos problemas e desgastes evitáveis. [Os fatores externos atuam sem depender da vontade e atos do presidente Bolsonaro -  incluindo o coronavírus e o acordo Mercosul com a União Europeia, por não apresentar resultados imediatos, está na conta dos êxitos  'esquecidos'.
Dos 'tormentos' internos, o mais apresentado como o responsável por dificuldades do governo Bolsonaro é o relacionamento com o Congresso e com a imprensa. 
O presidente erra quando concede demasiada importância aos dois atores, deveria adotar a postura de Estadista e ter em conta que a maioria dos que o atacam, seja Congresso e/ou imprensa, assim procedem buscando chamar atenção, até se tornar conhecidos - atacou o presidente Bolsonaro, ainda com inverdades, se torna notícia.
Lembram da pirralha sueca? se tornou estrela quando o presidente a adjetivou com o sinônimo de fedelha. ]

Normalmente os economistas olham o passado para projetar o futuro. Desta vez, não é possível. Em 2020 o mundo entrou em outro clima por causa do surto de coronavírus, que afeta direta e fortemente as cadeias globais de comércio. O Brasil, mais fechado, tem um impacto menor, mas mesmo assim já começou a temporada de revisões para baixo das projeções do crescimento.

O Banco Central deve reduzir mais os juros, na visão de economistas que acompanham o cotidiano da política monetária. [pitaco de um não economista: nada adiante reduzir os juros, sem reduzir o IOF.
Atualmente, até cheque especial sem juros é desvantajoso, devido o valor do IOF - ainda que por um dia - superar o "rendimento" mensal da poupança. 
Para o "povão", queiram ou não, a poupança continua sendo a única forma de guardar recursos.
Fundos de investimento cobram taxas e são incertos.]  Além disso, o câmbio pode ajudar na exportação, mas tudo agora na economia aqui e no mundo depende da capacidade de resposta dos países ao desafio epidemiológico. Haverá consequências sobre as cadeias produtivas que dependem de insumos chineses, aqui, como em todas as economias do mundo. E o país vai se ressentir da queda de demanda por commodities.

O problema em 2020 é principalmente externo. O Palácio do Planalto ajudaria se não atrapalhasse. Quando o pânico com o vírus ceder, o clima interno terá mais peso. Se ele continuar sendo de confrontos entre executivo e legislativo, como foi agora na crise do Orçamento, de manipulação da opinião pública contra os governadores, como foi no caso do imposto sobre combustíveis, de aumento do desmatamento, como ocorreu no ano passado, e de reformas engavetadas, o ano pode repetir o mesmo resultado pífio de 2019. Sobre o vírus, tudo o que se pode fazer é reagir bem aos desafios sanitários. Sobre o governo, é esperar que em algum momento ele aprenda como se comportar.

Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel, São Paulo - O Globo



quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Uma notícia boa - Nas entrelinhas


"Bons resultados econômicos são um fator de estabilidade política, ao lado do comportamento responsável do Congresso, apesar do ambiente de radicalização ideológica”


Ultrapassando as expectativas, o PIB brasileiro cresceu 0,6% no 3º trimestre. Na comparação com o mesmo período de 2018, o salto foi de 1,2%. Com isso, chegou a R$ 1,842 trilhão. Segundo o IBGE, agropecuária (+1,3%), indústria ( 0,8%), principalmente, a construção civil, e serviços (0,4%) lideraram a expansão da economia. O consumo das famílias cresceu 0,8% e o investimento, 2%. A queda de 0,4% das despesas de consumo do governo completam o cenário, o que levou a uma reavaliação da projeção do PIB para 2019. No acumulado do ano até setembro, o PIB cresceu 1%. Com isso, já se projeta um PIB de 1,2% neste ano.

O presidente Jair Bolsonaro comemorou o resultado, e os analistas do mercado financeiro reiteraram a avaliação corrente de que a economia vai no rumo correto, apesar dos problemas. O PIB ainda está 3,6% abaixo do pico da série, atingido no primeiro trimestre de 2014. O resultado mantém a economia brasileira em patamar semelhante ao que se encontrava no 3º trimestre de 2012. Mesmo assim, fortaleceu a equipe econômica e possibilita a Bolsonaro construir uma narrativa de retomada do crescimento no primeiro ano de seu governo, cujo desempenho ainda deixa a desejar em termos de resultados econômicos.

O aumento do consumo das famílias talvez seja o indicador mais importante, porque estancou a queda de popularidade de Bolsonaro, apesar do desgaste político causado pela radicalização ideológica que vem impondo ao cenário político nacional. Esse consumo está numa linha ascendente: acelerou para uma alta de 0,8%, após um avanço de 0,6% no 1º trimestre e de 0,2% no 2º trimestre, representando o principal destaque positivo do PIB no período. A política monetária e ações específicas do governo com objetivo de ampliar a circulação da moeda foram determinantes:  
queda da taxa básica de juros (Selic), inflação baixa, expansão do crédito e saques do FGTS (vão injetar até o final do ano cerca de R$ 30 bilhões na economia). Outra variável decisiva foi a recuperação do mercado de trabalho, liderada pela informalidade. As mudanças na legislação trabalhista, apesar da “precarizaçao” do trabalho, aumentaram a massa salarial e o número de ocupados com alguma renda.

No final do ano, esses bons resultados econômicos são um fator de estabilidade política, ao lado do comportamento responsável do Congresso, apesar do ambiente de radicalização ideológica patrocinada pelo próprio presidente Bolsonaro, que aposta no confronto com o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para coesionar sua base eleitoral. Entretanto, a discussão das reformas no Congresso ficaram em segundo plano, o que representa um desperdício de oportunidade neste final de ano. Esse atraso na aprovação das reformas gera insegurança jurídica e atrapalha os investimentos.

Resultado medíocre
Uma outra informação importante divulgada, ontem, foi o relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com os resultados da versão de 2018 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). O exame abrange provas de leitura, matemática e ciências — ocorre a cada três anos — e testou cerca de 600 mil estudantes de 15 anos em 79 países. Portugal e China foram os destaques mais positivos; o Brasil apresentou, estatisticamente, uma melhora ridícula. [uma melhora ridícula é mais favorável do que uma piora constante - caso do exame anterior, nos tempos do desgoverno petista.
O Pisa em questão é o 2018, portanto, o presidente Bolsonaro não pode ser responsabilizado e alguma melhora havida, em relação ao exame anterior ocorreu no governo Temer.]
 
Na prova de leitura, os brasileiros tiveram, em média, 413 pontos. O resultado coloca o Brasil em 57º lugar dentre 78 economias avaliadas, à frente da Colômbia (412), da Argentina (402) e do Peru (401), mas muito atrás dos 487 pontos de média da OCDE. Em ciências, a média brasileira foi de 404 pontos, o 66º lugar no ranking da disciplina. Já em matemática, a média dos alunos brasileiros foi de 384 pontos, enquanto a média dos países desenvolvidos é de 489 pontos. Essa foi a pior nota brasileira, que coloca o Brasil em 70º lugar no ranking de matemática, dentre 78 países, atrás dos vizinhos Chile (417), Peru (400) e Colômbia (391).

Numa escala de seis níveis para classificar o desempenho dos estudantes de 15 e 16 anos nas provas de leitura, matemática e ciências, o nível 1 é considerado insuficiente, e o nível 2 é o mínimo de proficiência. No Pisa 2018, 50% dos brasileiros não atingiram o nível 2 em leitura, ou seja, são incapazes de identificar a ideia geral de um texto, encontrar informações explícitas ou analisar a finalidade daquele material. De acordo com o estudo, 43% dos jovens do Brasil não atingiram o nível mínimo em leitura, nem em matemática nem em ciências.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense
 

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Temer dá o tom

Ele não é uma unanimidade nacional. Ao contrário. Chegou ao posto cercado por desconfianças e críticas, não só da oposição como do público em geral que temia o risco de viver sob a tutela de mais um aventureiro (como tantos que por ali passaram!), sendo, no caso, alguém que sequer tinha sido escolhido diretamente pelo voto popular. Michel Temer assumiu há poucos meses como 37º presidente da República, debaixo de ralos índices de popularidade, sofrendo a pecha de representar um partido ideologicamente fisiológico e estruturalmente esfacelado – que mais se aparenta com uma federação de caciques regionais do que com o modelo almejado por eleitores de uma agremiação coerente e coesa. 

Devagar, ao seu estilo, usando do traquejo político e da facilidade para a negociação – atributos que lhe são reconhecidamente peculiares – foi impondo uma nova agenda ao Planalto e, por consequência, ao País. Independente das preferências partidárias e das queixas de cada um contra seus métodos, o fato é que o presidente está colhendo robustos resultados e mostrando consistência na gestão. Como um jogador de pôquer que coloca sobre a mesa a mão imbatível de um “Royal Flush”, ele apresentou, nesses primeiros tempos, cartas fortes como a da volta do controle aos gastos públicos, através de um teto constitucional aprovado em Congresso, a queda dos juros, o crescimento da receita com a arrecadação (sem aumento de impostos) e o encaminhamento de reformas essenciais, tais como a da Previdência e a da legislação trabalhista, esta última flexibilizando relações entre patrões e empregados. Sem contar, de quebra, a rearrumação administrativa e de caixa de estatais como a Petrobras e a Eletrobras, que andavam à míngua. 

O Banco Central e o BNDES deixaram de ser usados, respectivamente, como mero emissor para tapar gastos do Tesouro e garantidor de créditos subsidiados. Estão em nova forma, focados em seus objetivos fins de política monetária, desenvolvimentista e fiscal. Decorre daí talvez a mais eloquente vitória da administração Temer, assinalada na semana passada, com efeitos positivos e consequências duradouras sobre a vida de todos os brasileiros: a queda da inflação a patamares mundialmente tidos como civilizados. Em janeiro a taxa ficou em comportados 0,38%, o menor nível para o mês em mais de 30 anos, três vezes menor que o de janeiro do ano passado. É um índice nunca antes experimentado desde o início da era da estabilização da moeda, em 94. 

O que isso representa? Certamente o desempenho não é fruto tão somente de um cenário recessivo que inibe o recrudescimento dos preços. Afinal, a recessão já é moléstia em vigor por aqui desde 2014, pelo menos. A acomodação inflacionária é decorrente, principalmente, de uma volta à normalidade das condições macroeconômicas. A impressão de que tudo melhora, e numa velocidade maior que a esperada, vem endossada por vários indicadores e avalizada por muitos daqueles que estão acostumados a interpretar os humores do mercado.

 Armínio Fraga (que já pilotou o BC) diz, por exemplo, que a sensação de trem desgovernado, a caminho do precipício, passou. O professor Afonso Celso Pastore, ex-ministro da Fazenda, entende que o voluntarismo predominante no campo fiscal e dos juros nos tempos de Dilma (e que fez tudo desandar) virou coisa do passado. Mesmo empresários concordam com o otimismo e avaliam que “a economia parou de doer”. De um jeito ou de outro, Michel Temer vai empreendendo seu ritmo de virada. 

Ele se mostra genuinamente comprometido com o objetivo – encarado como missão – de colocar o País no rumo, pacificando ânimos. Sem pretensões à reeleição, segundo diz. Fará, nesse caso, história. Por enquanto, no plano político, amealha outros importantes trunfos e vitórias expressivas. Fez valer a sua influência para colocar na direção da Câmara e do Senado aliados do governo. Aproximou ainda mais de seu núcleo de poder a estratégica esquadra tucana, concedendo-lhes espaço na Justiça, no campo dos direitos humanos e em cargos-chave do Planalto. Ao todo, o presidente passou a somar quase 400 votos no Parlamento. Uma maioria tão absoluta que ele pode vir a aprovar qualquer texto de emenda constitucional sem muito esforço. E para deixar completo o seu ciclo de influência, encaminhou um nome da cota pessoal, com as qualificações exigidas de “notório saber” e “reputação ilibada”, para ocupar a cadeira vaga no Supremo. Com habilidade política e na economia, Temer está desanuviando o horizonte de problemas.

Fonte: Editorial - Carlos José Marques,  diretor editorial da Editora Três


 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Protocolo de ressuscitação

Não faz sentido esperar que a retomada do nível de atividade possa estar baseada em expansão do dispêndio público

O título, extraído de um manual de atendimento cardiovascular de emergência, é para não deixar dúvidas acerca de quão inerte está o investimento na economia brasileira e da urgência de ressuscitá-lo.  Ao fim de uma recessão tão profunda, a maior parte das empresas encontra-se com níveis muito altos de capital fixo ocioso. Como a capacidade instalada de que dispõem parece mais do que suficiente para fazer face à provável evolução da demanda nos próximos anos, as empresas não têm por que encomendar novos equipamentos ou expandir suas instalações. Simplesmente pararam de investir.

A persistência de taxas de juros extremamente altas e a incerteza sobre as possibilidades de superação da grave crise fiscal com que se debate o país — amplificada por preocupações com desdobramentos políticos da Lava-Jato e seus possíveis efeitos sobre o desfecho das eleições de 2018 — têm sido fatores adicionais de desestímulo ao investimento.  Ainda assim, é sobre a recuperação do investimento que recaem as esperanças de uma reativação sustentável da economia ao longo dos próximos anos. Em meio às dificuldades fiscais que vêm sendo enfrentadas pelos três níveis de governo, não faz sentido esperar que a retomada do nível de atividade possa estar baseada em expansão do dispêndio público. 

Do lado do consumo, tampouco se pode esperar muito. Com o desemprego a 12% e as famílias, em grande parte, ainda excessivamente endividadas, a recuperação do consumo parece fadada a dar contribuição relativamente modesta à retomada da economia. Da expansão das exportações, sim, se pode esperar efeito dinâmico significativo. Mas a magnitude desse efeito estará limitada pela participação ainda muito pequena das exportações na demanda agregada da economia brasileira.

É da recuperação do investimento, portanto, que, em grande medida, dependerá o vigor da retomada da economia no próximo biênio. E, na corrida contra o tempo, é crucial que o governo não cometa erros no protocolo de ressuscitação do investimento. Todo cuidado é pouco. Há que se reconhecer que medidas importantes para destravar os investimentos vêm sendo tomadas. Merece destaque a atuação decisiva do Banco Central, que, em poucos meses, restaurou a credibilidade da política monetária e abriu espaço para uma queda pronunciada das taxas de juros. 

Por altas que ainda sejam, as incertezas sobre as possibilidades de superação da crise fiscal foram substancialmente reduzidas nos últimos meses, à medida que a aprovação da PEC do teto e a perspectiva de avanço da reforma da Previdência passaram a dar mais credibilidade ao plano de jogo do governo. Mas a recuperação do investimento não pode ficar na dependência do desfecho de um esforço de ajuste fiscal que, na melhor das hipóteses, deverá se arrastar por vários anos. Para intensificar o círculo virtuoso do reflorescimento do investimento, o governo terá de ter cuidado especial com setores que não padecem de problemas de excesso de capacidade, como agricultura, infraestrutura e exploração e produção de petróleo e gás.

No setor agrícola, o reflorescimento do investimento, alimentado por uma safra de grãos recorde e preços favoráveis, deu-se de forma natural e parece bem promissor. Para que tenha continuidade, basta que o governo não atrapalhe. Já os investimentos em infraestrutura, não obstante seu enorme potencial, continuam entravados pela falta de um aparato regulatório adequado, que o governo ainda não conseguiu entregar.  Grande potencial têm também os investimentos em exploração e produção de petróleo e gás. Mas é importante que o governo impeça que seu reflorescimento seja atrofiado pela imposição de exigências de conteúdo local, como voltou a ser agressivamente defendido pelos lobbies de praxe. Ceder a tais pressões seria péssimo sinal. 

O que está em jogo é muito mais que o investimento no setor de petróleo e gás. É a própria perspectiva de avanço do delicado círculo virtuoso de quebra do pessimismo e reflorescimento do investimento na economia como um todo.

Por: Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio - O Globo

domingo, 15 de novembro de 2015

Prazo de validade

Ter um ministro da Fazenda enfraquecido pelos constantes ataques internos e por frequentes derrotas agrava a crise econômica. E é esse caminho que o governo e o PT escolheram. Lula, a sombra de Dilma, acha que Henrique Meirelles será a solução dos aflitivos problemas da economia brasileira. Ninguém tem o poder de sozinho tirar o país do buraco em que este governo o colocou.

O equívoco mais um — do ex-presidente Lula é achar que ministro tem prazo de validade e que o de Joaquim Levy acabou. Então compre-se um remédio novo na farmácia chamado Henrique Meirelles. É o que Lula está determinando que a presidente em exercício, sua criatura, faça. Ela mais cedo ou mais tarde obedecerá ao seu criador.  Joaquim Levy deveria ter saído do governo, por sua própria vontade, quando foi enviado ao Congresso o orçamento deficitário. De todas as vezes que ele não foi ouvido, aquele momento foi o pior. 

Primeiro, porque a decisão foi tomada pela presidente com os ministros Aloizio Mercadante e Nelson Barbosa, enquanto ele cumpria missão de defesa da CPMF junto a empresários. Chamado às pressas a Brasília ele entrou em reunião que já havia decidido enviar aquele orçamento. Levy sabia, e alertou, que a decisão levaria ao rebaixamento do Brasil. E foi o que aconteceu. Naquele momento ele deveria ter deixado o governo, mas ficou e foi seguidas vezes ignorado. Um ministro que não é ouvido pelo governo e cujas propostas o Congresso rejeita ajuda pouco a tirar o país da crise. Pelo contrário, os sinais contraditórios de uma situação como esta aumentam a incerteza e agravam a turbulência.

Nos últimos dias a presidente o ouviu e recuou da decisão de aceitar novos truques na meta. Essa coisa de meta com desconto é também uma forma de manipulação de números. A meta é ou não é. Essa pequena vitória de Levy foi uma forma de a presidente livrar-se da convicção de que ela faz o que o seu mestre manda. Como se intensificaram os ataques de Lula a Levy, ela lhe concedeu uma pequena vitória para simular independência.

A grande questão é se Henrique Meirelles, hoje na presidência da holding do JBS, seria solução para o nosso dilema de uma economia com inflação alta, recessão forte, desordem nas contas públicas e aguda falta de confiança do investidor. Meirelles foi visto como boa opção pelo mercado, tanto que ao circular seu nome a cotação do dólar caiu. Agradou também ao empresariado que o recebeu como quase-ministro na Confederação Nacional da Indústria.

Meirelles tem muitas qualidades e ajudou o país a atravessar um momento de dificuldade e desconfiança que começou com a posse de Lula. O momento atual é muito pior e nada do que ele fez garante que repetirá o mesmo desempenho agora. No começo do governo Lula, o país estava com contas ajustadas, a alta da dívida tinha sido efeito da desvalorização cambial que foi revertida com a nomeação de uma equipe determinada a defender a estabilidade. A crise de confiança foi dissolvida com a nomeação daquela equipe em que Meirelles contava com diretores do período de Armínio Fraga, e o então ministro Palocci havia nomeado Marcos Lisboa, Joaquim Levy e Murilo Portugal. O mundo vivia o início do boom de commodities.

Com a recuperação da confiança na economia, muitos dólares entrando e a unidade na equipe econômica foi mais fácil virar o jogo. Depois Meirelles enfrentou maiores dificuldades quando Guido Mantega assumiu. Muitas vezes houve tentativa de interferência do PT na política monetária. Meirelles teve que várias vezes lembrar ao presidente Lula que ao receber o convite pedira carta branca e recebera essa garantia. Todas as vezes que o então presidente do Banco Central lembrou a Lula daquele compromisso, o ex-presidente recuou da tentativa de interferência no BC.

E agora, ele teria essa autonomia? Não teria. Por temperamento, a presidente Dilma centraliza e interfere em tudo, e está convencida de que sabe economia por ser economista. Seu [des]conhecimento do tema nos trouxe à inflação de dois dígitos e à pior recessão desde o Plano Collor. Um Meirelles sozinho não fará verão. Se ele receber convite “concreto” que se lembre de que a história não se repete.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - O Globo