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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Anitta e o flato bovino: ainda sentiremos falta da esquerda caviar - Paulo Polzonoff Jr.

Vozes - Gazeta do Povo

"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.


O ano era 2004. Ou 2005. Infelizmente já alcancei aquela idade em que um ano a mais ou a menos não faz muita diferença para a história. De qualquer forma, era um ano de Lula como Presidente. De Zé Dirceu, de Palocci, da gerentona Dilma sendo gestada. De Gleisi Hoffmann & Cia. Depois de derrotas nos pleitos de 1989, 1994 e 1998, a esquerda estava em festa por ter eleito um operário para comandar os destinos do país.

E eu estava ali, no meio de uma festa dentro da Festa. Por razões que só a Providência explica, tinha sido convidado para o aniversário de um esquerdista notável: o escritor e cineasta Fausto Wolff. Em Copacabana, apartamento de frente para o mar. Aquele janelão descortinando a beleza do mar noturno. Aquela rodelona enorme de queijo sobre a mesa. Uísque single malt 12 anos. E a nata da intelectualidade carioca ali.




Anitta e Alessandro Molon em live sobre agronegócio: a esquerda já teve quadros mais qualificados.




Anitta e Alessandro Molon em live sobre agronegócio: a esquerda já teve quadros mais qualificados. -  Foto: Reprodução/ YouTube



Curitibano caipirão que era (os detratores dizem que ainda sou), fiquei num canto, bebendo mais uísque do que deveria (o primeiro single malt a  gente nunca esquece) e observando a fauna ao meu redor. Cambaleando seu corpanzil, Fausto Wolff veio falar comigo e me deu alguns conselhos de bêbado que, curiosamente, trago comigo até hoje. “Nunca ataque as pessoas, Paulo. Ataque as ideias”, disse ele.

Aí chegou a hora de cantar o parabéns. Fausto Wolff, que tinha uns cinco  metros de altura, mandou todo mundo calar a boca, soltou meia-dúzia de  expletivos, fez um discurso falando mal da imprensa, que se recusava a divulgar seus livros, criticou as “medidas neoliberais” de Lula e, por fim, convidou os presentes a entoarem a Internacional Comunista.
E eu ali, no meio de Ziraldos e Jaguares, me perguntando aonde é que eu tinha ido parar.

“Tudo tem muito”
Havia algo de patético na cena. Mas também algo de admirável. Eu não sabia, mas estava entre legítimos representantes da esquerda caviar retratada tão bem por meu colega Rodrigo Constantino. Uma esquerda romântica, utópica e inegavelmente talentosa (leiam À Mão Esquerda, do Fausto Wolff) e bem-sucedida. Era gente estudada, viajada e ilustrada, que não precisava dar cambalhotas (nem imitar foca) para defender a visão de mundo marxista da qual eu discordava.

Hoje me peguei lembrando dessa festa e das pessoas ali presentes com alguma nostalgia
Tudo porque assisti a um “debate” ocorrido em maio entre a funqueira Anitta, autora dos imortais versos “An an, tutudum, an na/ Vai, malandra, an na”, e o deputado federal Alessandro Molon (PSB), uma mistura de Greta Thunberg e Richard Gere com sotaque carioca. Durante a conversa, uma Anitta que afirma ter estudado para tratar do assunto diz as maiores bobagens possíveis sobre o agronegócio. “Existe mais cabeça de gado do que cabeça de pessoa [no Brasil]”, observa ela em certo momento – não o mais constrangedor.

[saibam mais sobre a 'live' dos dois gênios, clicando aqui.]

Em seguida, ela critica o consumismo e a abundância (“tudo tem muito”) para dizer que o flato das vacas é muito poluente. Anitta fala ainda sobre o uso de água na pecuária e sugere que a proteína nossa de cada dia deveria ser muito mais cara. “Aí a gente não teria um estímulo tão grande à agropecuária”, conclui ela com uma lógica capaz de causar mais estragos do que nitrato de amônia. “E os alimentos usados para alimentar as vacas poderiam alimentar a gente por muito tempo”, argumenta, por assim dizer, ela. Em seguida Anitta sugere que haja um limite para a produção de carne, desestimulando o consumo e magicamente salvando o meio ambiente.

De volta àquela festa

(........)
Mas sou obrigado a reconhecer que, a despeito da hipocrisia, dos volteios linguísticos e, em alguns casos, da devoção cega ao “metalúrgico impoluto”, a esquerda single malt, queijos finos & caviar tinha aquilo que a gente chamava de “estofo”. Ou pretendia ter. Ela também conhecia e respeitava suas próprias limitações. E havia, sim, muitos tapinhas nas costas e afagos no ego, mas isso era contrabalanceado por um espírito crítico que beirava o maldoso e por um temor reverencial que os impedia de passar ainda mais vergonha em público.

Você talvez diga que estou romantizando. Mas, sei lá, diante da Esquerda Raudério que temos hoje, essa esquerda que pede criminalização da gordofobia, promove ideologia de gênero, se acha capaz de discutir agronegócio com base em alguns minutos de estudo (leia-se: procurando sobre o assunto no Twitter), defende censura para opositores e que expressa suas melhores ideias por meio de grunhidos, rebolados ou pintando os cabelos de verde-limão, acho que ainda sentiremos falta dos Chicos, Caetanos, Faustos e Ziraldos. Da esquerda que sabia citar Maiakovski e sonhava em salvar o mundo do capitalismo malvadão enquanto esparramava uma porção generosa de caviar sobre a torradinha.

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Agora, se você não gostou, se odiou com toda a força do seu ser, considere também. 
Obrigado.]

Paulo Polzonoff Jr, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo