Presidente dos EUA teve início turbulento de governo marcado por discussão sobre eventual destituição, mas especialistas acham procedimentos legais improváveis
O
fantasma do impeachment ronda os corredores da Casa Branca e do Capitólio. As
longas novelas que colocaram em xeque as Presidências de Richard Nixon e Bill
Clinton podem voltar a acontecer com um presidente contestado desde o início de
seu mandato. Donald Trump e seu círculo próximo são o alvo do avanço de
investigações sobre um possível conluio da campanha republicana de 2016 com
emissários do governo russo.
Mesmo hoje sem provas conclusivas de qualquer
conspiração para prejudicar a adversária Hillary Clinton e vencer as eleições, o
governo tem prontas equipes de defesa contra um amplo inquérito do FBI liderado
pelo procurador especial Robert Mueller. Caso evidências de algum crime
cometido sejam encontradas, há ainda um longo caminho para que a denúncia possa
ser levada adiante: a acusação precisa ter força suficiente para romper o apoio
de um Congresso majoritariamente republicano a um presidente do mesmo partido —
mesmo que ele seja um “estranho no ninho” da legenda. Especialistas ouvidos
pelo GLOBO advertem que uma destituição de Trump é hoje muito difícil, mas
ajudam a explicar como um eventual processo de impeachment aconteceria.
- O QUE É?
- POR QUE SE DEBATE IMPEACHMENT PARA TRUMP?
- COMO ACONTECE O PROCESSO DE IMPEACHMENT?
- DE QUE OUTROS MODOS O PRESIDENTE PODERIA CAIR?
- TRUMP CONSEGUIRIA SE SALVAR DAS ACUSAÇÕES?
- O QUE ACONTECERIA NO FIM DO PROCESSO?
O QUE É?
Na
teoria, o conceito de impeachment nos EUA é indiciar um funcionário público
eleito pela conclusão de que ele teria cometido algum crime de responsabilidade
ou infração grave como improbidade administrativa. No caso do presidente, um
impeachment é aprovado pela maioria simples da Câmara dos Representantes
(deputados federais), que oficializa o indiciamento. A fase seguinte é o
julgamento político, realizado pelo Senado e só aprovado se contar com dois
terços dos votantes.
POR QUE SE DEBATE IMPEACHMENT PARA TRUMP?
Durante a
corrida à Casa Branca, a Rússia vinha sendo acusada de tentar interferir na
sucessão presidencial: ciberataques contra partidos e políticos, campanhas
midiáticas e tentativas de hackear sistemas eleitorais foram monitorados pelas
agências de Inteligência do país. Na principal das interferências, está a
invasão nos computadores do Comitê Nacional Democrata, mostrando que o partido
agiu para beneficiar Hillary Clinton em detrimento do senador socialista Bernie
Sanders, minando o apoio da base democrata à ex-secretária de Estado. As
evidências de que Moscou teria tido papel direto nas ações motivaram o início
de investigações pelo FBI e pelas duas casas do Congresso para apurar qual o
grau das tentativas do Kremlin de prejudicar o processo, além de motivar novas
sanções do então governo de Barack Obama a Moscou. A interferência externa nas
eleições é proibida por lei.
A
simpatia do então candidato republicano Donald Trump ao governo de Vladimir
Putin — habitualmente antagonista de ambos os grandes partidos — e contatos
suspeitos de assessores da campanha do magnata nova-iorquino com emissários
ligados a Moscou ganhariam manchetes na imprensa e críticas dos democratas
(estes, em minoria tanto na Câmara quanto no Congresso). Quando cada vez mais
surgiam mais evidências de contatos inadequados de seus funcionários —
incluindo de seu filho Donald Jr. e seu genro e assessor Jared Kushner — com os
russos e possíveis crimes financeiros, Trump demitiu de surpresa em março o
diretor do FBI, James Comey, gerando suspeitas formais de obstrução de Justiça
e forçando a indicação de um promotor especial, Robert Mueller (ex-diretor da
agência), para comandar o processo.
COMO ACONTECE O PROCESSO DE IMPEACHMENT?
Na
prática, o processo contra o presidente tem a Câmara como promotor e o Senado
como júri. Ele começa quando a Comissão Judiciária da Câmara analisa evidências
que acompanham pedidos de impeachment, acompanhada de análise do mérito do
pedido pela Comissão de Regras e Procedimentos da Câmara. As acusações levadas
às comissões podem tanto ser acolhidas por deputados quanto serem originadas de
investigações prévias pelo Congresso ou do FBI. Com isso, começa um processo
que pode ser longo, contando com depoimentos de testemunhas e entregas de
documentos oficiais.
— Não há
um período definido. Há muita pressão para que o Congresso avance rápido, mas
ele pode tomar quanto tempo julgar necessário para considerações — diz
Gerhardt.
Se a
maioria da Comissão Judiciária decide que há base para o avanço do impeachment
por determinado motivo, escreve um texto com a acusação formal contra o alvo do
processo — no caso, o presidente. A proposta (ou diferentes propostas, caso a
comissão tenha encontrado evidências de diferentes crimes) é então debatida por
toda a Câmara, que pode decidir se analisa cada artigo ou reúne tudo em uma só
resolução. Se a maioria simples vota a favor da moção proposta, o impeachment
(oficialmente, o indiciamento) é aprovado.
Com o
processo aprovado, cabe ao Senado julgar as acusações. Os debates de
julgamentos pelo Senado são geralmente chefiados pelo presidente dele (nos EUA,
o vice-presidente do país é presidente do Senado), mas no caso de um
impeachment presidencial, a função cabe ao presidente da Suprema Corte. Os
“promotores” são deputados envolvidos na aprovação do processo, e o funcionário
que é alvo é defendido por uma equipe própria de advogados.
Após o
Senado deliberar em privado, como um júri, a Constituição prevê que a
condenação só pode vir se aprovada por ao menos dois terços dos senadores (se
forem cem, são 67). Assim, o acusado é removido do cargo. — Imagino
que um processo no Congresso poderia avançar rapidamente se, por exemplo,
Mueller relatasse sérias acusações. O impeachment e julgamento de Bill Clinton
foram concluídos apenas poucos meses depois da publicação do relatório do
promotor especial independente (Ken Starr) — recorda Keith Whittington,
professor de Ciências Políticas da Universidade de Princeton e um dos
principais especialistas nos processos de impeachment nos EUA.
...