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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O vendedor de greves

Esforço para livrar Lula da lei prejudica mais a democracia do que as mentiras que ele diz

Sábado, o País ficou sabendo que o presidente Temer não se intromete em assuntos do Judiciário, mas resolveu meter sua colher imprópria no julgamento de Lula, hoje, no Tribunal Federal Regional da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. À pergunta formulada em entrevista exclusiva pelos repórteres da Folha de S.Paulo Gustavo Uribe e Marcos Augusto Gonçalves sobre como vê o julgamento e se seria melhor que o réu concorresse nas eleições este ano, o presidente respondeu: “Não posso dizer uma coisa que está sob apreciação no TRF. Agora, acho que se o Lula participar, será uma coisa democrática, o povo vai dizer se quer ou não. Convenhamos, se fosse derrotado politicamente, é melhor do que ser derrotado (na Justiça) porque foi vitimizado. A vitimização não é boa para o país e para um ex-presidente”. Pois, segundo Temer, caso Lula seja impedido de se candidatar, isso vai “agitar o meio político”. Ora!

Não é o caso de aqui citar devotos, correligionários e parasitas oportunistas que sonham se coligar com Lula no pleito. Mas, sim, destacar figurões do governo e da oposição – Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, João Doria, Beto Richa, Ronaldo Caiado, Rodrigo Maia, Raul Jungmann – e vários interessados que dispararam esse mesmo truísmo absurdo e suspeito. No Estado de Direito, vigente no Brasil, não há a hipótese de candidatos escolherem que adversários preferem para a disputa. Ou há?

Eles deveriam é atentar para o pronunciamento de um eventual beneficiário da condenação do ex-líder metalúrgico hoje, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, presidenciável do PDT. Ciro disse que torce pela absolvição de Lula, mas se negou a crer que haja uma conspiração política no Poder Judiciário contra o petista. Em rara prova de lucidez, o ex-ministro do próprio disse que imaginar um complô “ofende a inteligência média do País”. E ainda advertiu que “a consequência inevitável desta constatação teria desdobramentos tão graves que a um democrata e republicano só restaria a insurgência revolucionária”. É isso aí!

Contrariando sua vocação de trânsfuga contumaz, ele é fiel ao juramento de cumprir e defender as leis do País, feito quando assumiu o governo do Ceará, em 1991. Ao contrário, o presidente e alguns citados, ainda vigente o juramento, cometem delito de lesa-pátria, rasgam a Constituição e posam de generosos e benevolentes. Segundo meu avô, de esmola grande cego desconfia. Não é o caso desses que se fingem de cegos para se dar bem no futuro, caso tenham de se submeter ao Estado de Direito, no qual todos têm de seguir a lei. Quem canoniza o réu investe no falso conceito de que voto substitui Justiça e cancela penas, como pregava Antônio Carlos Magalhães à época do mensalão. E deu no que deu!

Nisso, aliás, todos eles têm no condenado a nove anos e meio de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a mais completa síntese de campeões da patranha, celebrados nas figuras de João Grilo e Chicó na obra-prima da comédia popular brasileira O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Basta lembrar que todos manifestam temer uma convulsão social com a eventual confirmação da condenação do Pedro Malasartes dos palanques e palácios. Afinal, ele seria o mais popular líder político do Brasil em todos os tempos. É mesmo? Por que, então, Lula não viaja em aviões de carreira como os mortais comuns e só comparece a eventos controlados pela militância cega por devoção e paixão?

Lula ascendeu entre heróis nacionais como líder das greves de metalúrgicos do ABC paulista em plena ditadura militar, da qual foi vítima. Na verdade, como está explicado no meu livro O que Sei de Lula (Topbooks, 2011), ele teve no general Golbery do Couto e Silva seu propulsor no início da carreira de dirigente. O criador do Serviço Nacional de Informações usou sua liderança carismática para impedir que Brizola empolgasse os movimentos sindicais e solapasse o regime. Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, citado nas delações de 77 executivos de sua empresa e de quem Lula é o “Amigo” da tal lista, contou ao depor na delação premiada a procuradores federais da Lava Jato, a mais bem-sucedida operação policial e judicial da História, que Lula impediu greves em empresas suas, tendo recebido dinheiro para fazê-lo.

Foi nesse ínterim que Lula virou santo popular, por ter sido preso e processado após a intervenção no sindicato que presidiu nos anos 70 e 80. Mas sua passagem pela carceragem do Dops paulista à época da ditadura foi mais confortável que a de outros companheiros de cela, conforme testemunho do delegado Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça no primeiro governo Lula e filho do policial homônimo, em Assassinato de Reputações (Topbooks, 2013). Tuma relata que o falso mártir foi agente de informações do pai, a quem contava os segredos do movimento grevista. Se Odebrecht e Tuma não mentiram, em vez de vítima, o seis vezes réu de hoje foi, de fato, o que os colegas sindicalistas chamariam, à época, de “traíra” dos trabalhadores e “dedo-duro” dos militantes de esquerda, que sempre o endeusaram. Ninguém, até agora, desmentiu na Justiça os depoimentos aqui citados.

Em périplos pelo País, Lula conta lorotas que mais se acomodariam em narrativas das aventuras de grandes mentirosos do folclore. Como no caso recente em que algum intelectualoide do auditório do teatro Oi Leblon, núcleo de rebeldia juvenil na ditadura sob o nome de Casa Grande, lhe soprou que o assassino de Antônio Conselheiro foi ancestral do presidente do TRF-4, em que hoje está sendo julgado. De fato, o tio-trisavô de Thompson Flores era coronel, não general, e morreu três meses antes do beato de Canudos.

Essa foi apenas uma piada mentirosa e sem graça. Mais graves são as patranhas misericordiosas de pretensos adversários, como Temer, que põem as instituições em risco para tornar um mentiroso serial acima da lei e fora da democracia.
 
José Nêumanne - O Estado de S. Paulo 
 

sábado, 12 de março de 2016

Dilma e o doleiro - cai a última blindagem de Dilma: é incompetente mas é honesta; agora sabemos que é INCOMPETENTE e DESONESTA

O bilhete que liga o doleiro a Dilma

Em manuscrito de Alberto Youssef o nome da presidente Dilma aparece próximo a valores. Documento foi entregue pela contadora do doleiro à PF em abril de 2014, às vésperas da campanha eleitoral, e que estranhamente se mantinha incógnito até agora

No dia 29 de abril de 2014, quando começou a atuar como informante da Polícia Federal, a contadora de Alberto Youssef, Meire Poza, forneceu à Lava Jato uma série de documentos recolhidos por ela nos escritórios do doleiro. Um deles, se divulgado à época, poderia ter efeito devastador sobre a campanha à reeleição de Dilma Rousseff. Trata-se de um bilhete escrito de próprio punho pelo doleiro em que ele menciona a presidente. No alfarrábio, o nome de Dilma aparece próximo a valores.

Guardado a sete chaves pela Lava Jato, o manuscrito de Alberto Youssef atravessou a campanha presidencial incógnito e assim permaneceu até agora. ISTOÉ teve acesso com exclusividade ao documento. Na atual circunstância política, – com a presidente cada vez mais isolada e impassível diante da crise e das denúncias envolvendo sua campanha, – a anotação do doleiro renova o seu potencial explosivo. O bilhete é a principal revelação do livro Assassinato de Reputações II – muito além da Lava Jato – de autoria do delegado Romeu Tuma Jr, previsto para ser lançado nesta semana.

É a primeira vez que surge uma prova ligando Dilma ao doleiro. No manuscrito, a referência à Dilma é o segundo item abaixo do registro “1.000.000 Bsb” (um milhão Brasília). Ao lado do nome da atual mandatária do País aparece o número 17, a palavra viagem e ao que tudo indica ser um horário “16:30”. No primeiro item, Youssef refere-se a um “novo embaixador”. Na sequência, ele sugere o desembolso de alguma quantia: “1.000 – Pagar 50”. Para a secretária do doleiro, profunda conhecedora dos submundos do Petrolão, uma das explicações para o apontamento de Youssef seria “algum pagamento que deveria ser feito à Dilma”. 

De acordo com relato da contadora, ao receber o papel, em abril de 2014 na Superintendência da PF na Lapa, em São Paulo, o delegado Márcio Anselmo, da força-tarefa da Lava Jato, vibrou: “Que coisa maravilhosa”, teria dito, segundo testemunho dela que consta do livro Assassinato de Reputações II. Ao presenciar a cena, Meire pensou na hora: “Dilma estava no esquema”. Anselmo estava acompanhado do agente Rodrigo Prado. Tanto o manuscrito citando Dilma como os demais documentos entregues por Meire foram acondicionados no porta-malas de uma Range Rover Evoque, apreendida pela Lava Jato e agora a serviço da PF. 

 Dinheiro: Para Meire Poza, contadora do doleiro, anotação significa pagamento à Dilma
No dia seguinte, o agente Prado enviou um email à contadora de Youssef: Nossa conversa foi muito boa. Vamos mantendo contato por aqui”. Começava ali o trabalho de Meire Poza como uma espécie de agente infiltrada da PF. Ao longo de mais de um ano, até meados de setembro de 2015, a contadora municiou os policiais federais com uma série de informações relevantes. A maioria delas foi considerada pelos integrantes da Lava Jato na hora de produzir provas contra envolvidos no esquema de desvios na Petrobras. 
Os relatos se revelaram cruciais para a deflagração de operações que vieram a seguir. Estranhamente, o bilhete em que o doleiro menciona a presidente teve outro destino. Nunca foi incorporado às provas da Lava Jato. Além de não aparecer no e-Proc, sistema de consulta dos processos da força-tarefa, ISTOÉ apurou que o documento nunca foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) – caminho obrigatório e formal de qualquer indício ou prova envolvendo um presidente da República. “Esse manuscrito nunca apareceu por aqui”, assegurou na semana passada à reportagem de ISTOÉ um alto integrante da PGR que se debruçou sobre o material relativo ao doleiro Alberto Youssef. 

Para Romeu Tuma Jr, o episódio é um claro indicativo de que possa ter havido pressão do Planalto para abafar o caso. “É uma indicação forte de que houve uma tentativa de proteger Dilma”, afirmou Tuma Jr. à ISTOÉ. Hoje, no momento de maior fragilidade da presidente, desde a posse, em que as discussões sobre o impeachment ganham força e vigor, tanto a revelação do bilhete, escrito pelo doleiro, como as suspeitas de mais uma interferência do Planalto na Lava Jato contribuem para tornar a situação da petista ainda mais delicada. 
Na semana passada, ISTOÉ publicou com exclusividade trechos da delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS). As revelações do parlamentar sacudiram a República. Entre elas, a tentativa de ingerência de Dilma nas investigações da Lava Jato, ao nomear o ministro Marcelo Navarro, ao STJ, em troca do compromisso de soltura de empreiteiros envolvidos no Petrolão. Esta seria mais uma investida de Dilma contra a Lava Jato, desta vez no sentido de evitar a criação de embaraços para ela própria. Razões não faltavam. 
Quando o manuscrito em que o doleiro menciona a presidente chegou às mãos da PF, em 29 de abril de 2014, o País encontrava-se às vésperas da campanha eleitoral. Em 17 de março daquele ano, Alberto Youssef fora preso, acusado de ser um dos operadores do Petrolão. Em setembro, o doleiro iniciaria os seus depoimentos à PF. Perguntado, em uma das sessões, sobre o nível de comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, o doleiro afirmou: “O Planalto sabia de tudo”. Questionado pelo delegado que colhia o depoimento a quem ele se referia, Youssef respondeu: “Lula e Dilma”. 
A afirmação se tornou pública na sexta-feira 24 de outubro, antevéspera do segundo turno das eleições. No dia seguinte, o doleiro era internado. Imediatamente, surgiram versões de que ele teria sido alvo de atentado ou queima de arquivo. Oficialmente tratou-se de um infarto. O resto da história, todos sabem: Dilma reeleita por uma margem estreita de votos em relação ao senador Aécio Neves (PSDB). Difícil prever se o surgimento desse novo elemento – no caso, o bilhete de Youssef – seria capaz de mudar os rumos da eleição. É certo, no entanto, que o Planalto, tinha total interesse em manter o documento incógnito em meio ao calor da campanha. Seu vazamento era totalmente inconveniente a Dilma àquela altura.
 O livro Assassinato de Reputações II, cujo fio condutor é a trajetória da contadora Meire Poza, a ligação com Youssef e sua atuação como informante da PF, traz outra revelação importante. Por intrigante. Segundo Meire, a Lava Jato poderia ter sido deflagrada dois anos antes, em 2012, quando ela se dirigiu pessoalmente à sede da PF em São Paulo e se dispôs a colaborar com informações sobre o esquema operado por Alberto Youssef. Quem a recebeu foi o delegado Otávio Margonari Russo, lotado na Lapa de Baixo, bairro da zona oeste de São Paulo. Ela diz ter levado tudo o que tinha de indícios de Youssef associados ao PT.
O delegado prometeu investigar, mas não tomou seu depoimento. Duas semanas depois, quando Meire telefonou cobrando uma posição, o delegado, de acordo com a contadora, primeiro disse não se lembrar dela. Depois, recomendou a Meire que não ligasse mais. “Se eu estiver precisando de alguma coisa, quem liga pra você sou eu”. A ligação nunca veio. Em 26 de maio de 2014, Meire relatou esse episódio em reunião com as estrelas da promotoria da Lava Jato: Deltan Dallagnol, Andrey Borges, Carlos Fernando e Roberson Pozzebon. Também participaram do encontro Márcio Anselmo, com quem Meire costumava conversar pelo whatsapp, e Rodrigo Prado. “Minha história começou em março de 2012, quando denunciei Alberto Youssef à Polícia Federal de São Paulo e não aconteceu nada”, disse. 
Silêncio sepulcral. O primeiro a falar teria sido Dallagnol. “Como assim? Você sabia disso, Márcio?”. Ao que o delegado respondeu: “É, eu sabia. Ela esteve lá com um colega nosso, mas, putz, ele estava cheio de trabalho e não levou isso pra frente”. Anselmo foi procurado por ISTOÉ desde a terça-feira 8, mas não retornou até o fechamento desta edição. A reportagem também tentou uma audiência com a direção da PF em Brasília para tratar do tema. Sem sucesso. Numa conversa mantida em Curitiba com o agente Prado, com o qual mantinha uma relação próxima, Meire ouviu do próprio policial que, em sua avaliação, Otávio Russo, ao não investigar a denúncia formulada por ela em 2012, havia incorrido num crime: o de prevaricação.
Em 2012, Marcos Valério, o operador do mensalão, prestou um depoimento em que revelou pela primeira vez que o pecuarista José Carlos Bumlai havia intermediado um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao Banco Schahin para, com metade deste valor, conseguir comprar o silêncio do empresário de transportes, Ronan Maria Pinto. Segundo Valério, Ronan ameaçou envolver o ex-presidente Lula, e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho no assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. 
Valério tentava um acordo de delação premiada e disse ainda que, como contrapartida ao empréstimo a Bumlai, a Schahin foi recompensada com contratos bilionários na Petrobras. Em fevereiro do ano passado, ISTOÉ trouxe um documento do Banco Central atestando a ilegalidade da operação. Em dezembro, depois de ser preso, Bumlai confessou o esquema. O livro Assassinato de Reputações II – muito além da Lava Jato – traz o contrato da transferência de R$ 6 milhões a Ronan, em 2004. Ele prova que a operação clandestina narrada por Valério e confirmada por Bumlai de fato ocorreu. 
A documentação, segundo narra o livro, foi repassado à PF pela contadora Meire Poza. De acordo com a secretária de Alberto Youssef, quem lhe entregou o material foi Enivaldo Quadrado, braço-direito do doleiro. “O Enivaldo pediu para que eu guardasse como se fosse a minha vida, pois era o seguro dele contra o Lula”. Fornido dessas e outras importantes revelações, o novo livro de Romeu Tuma Jr. e Claudio Tognolli promete repetir o retumbante sucesso da primeira edição. O Assassinato de Reputações – um crime de Estado, lançado em dezembro de 2013, vendeu mais de 140 mil cópias e ficou 24 semanas na lista dos mais vendidos. 
“Demonstramos no livro que o esquema de Santo André se reproduziu em Brasília. Como ocorreu em Santo André, também tentaram abafar as denúncias de Meire Poza feitas em 2012 sobre o Petrolão. Suspeita-se que tenha sido para preservar o governo, afinal, com o andamento das investigações, tudo o que nós temos assistido sobre a Lava Jato estaria acontecendo às vésperas da eleição de 2014, vencida por Dilma”, diz Tuma Jr. no livro. 
Filho do ex-senador e diretor-geral da Polícia Federal Romeu Tuma - morto em 2010 -, Romeu Tuma Junior é delegado aposentado da Polícia Civil de São Paulo e ex-deputado estadual. Integrou a Interpol e, em 2007, durante o governo Lula, Tuminha, como é conhecido, foi nomeado secretário nacional de Justiça. No cargo, acompanhou operações importantes, como a Satiagraha. Acabou exonerado três anos depois, de maneira repentina, pelo Palácio do Planalto. Diz ter sido vítima de perseguição política.
 Fonte: Isto É

Créditos das fotos desta matéria: Guilherme Pupo; Paulo Lisboa/Brazil Photo Press; Eduardo Knapp/Folhapress