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terça-feira, 11 de julho de 2017

A roda do tempo

Dos presidentes eleitos, desde a redemocratização, somente dois conseguiram passaram a faixa ao sucessor. A crise de legitimidade que está aí é obra dos próprios políticos

Tudo começou na quinta-feira 11 de julho de 2013. No início do expediente, o delegado federal Márcio Adriano Anselmo encontrou sobre a mesa de trabalho um despacho do juiz Sergio Moro autorizando a interceptação dos telefones de Carlos Habib Chater e das “empresas controladas por ele, usualmente em nome de pessoas interpostas”. No ofício, estavam ressaltadas com um “especialmente” as linhas usadas em três empresas de Brasília (Angel Serviços, Torre Comércio e Posto da Torre). Era o nono “evento” dentro de um processo (nº 5026387-13.2013.404.7000) sobre a rotina de lavagem de dinheiro num empreendimento em Volta Redonda (RJ).

Logo, fez-se um derivativo processual, a investigação de um associado de Chater, flagrado ao telefone. Era Alberto Youssef, um dos 62 doleiros que Moro mandara prender nove anos antes por lavagem de dinheiro. Em 2014, Youssef foi novamente preso, e o país soube da existência da Operação Lava-Jato. Passaram-se quatro anos. Ontem, assistiu-se na Câmara à mais recente consequência política dessa investigação, a abertura do ritual para derrubada de um presidente. Se confirmado, será o segundo governo a cair, por motivos diferentes, nos últimos 12 meses. Não é pouco para uma sociedade que retomou a vida em regime democrático há apenas três décadas. 

Dos quatro presidentes escolhidos nas urnas, desde então, somente dois (Fernando Henrique e Lula) conseguiram passar a faixa presidencial ao sucessor eleito. Outros dois foram depostos, por impeachment. Collor acabou punido pelo Congresso com a cassação dos direitos políticos, mesmo depois da renúncia ao mandato, mas foi absolvido no Supremo por falta de provas sobre os crimes imputados. Dilma, impedida por fraude nas contas de um governo marcado pela crise aberta pela Lava-Jato, acabou preservada da punição por uma vírgula inexistente no texto constitucional, criada pelos então presidentes do Supremo, Ricardo Lewandovski, e do Senado, Renan Calheiros. 

Agora, julga-se Michel Temer, duas vezes colhido por Dilma como vice, com apoio de Lula, e cuja ascensão ao Palácio do Planalto, no ano passado, foi respaldada pelo PSDB de Fernando Henrique. A base é a própria voz de Temer em gravação com um empresário corruptor, numa espécie de confissão extrajudicial. O cenário que está aí foi descrito há exatos 13 anos, num artigo publicado sobre o que ocorrera na Operação Mãos Limpas, realizada na Itália no início dos anos 90: “A independência judiciária, interna e externa, a progressiva deslegitimação de um sistema político corrupto e a maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais foram, portanto, as condições que tornaram possível o círculo virtuoso gerado [pelas investigações].” 

Quem escreveu foi o juiz federal Sergio Fernando Moro. Acabara de mandar prender seis dezenas de doleiros em uma dúzia de cidades, entre eles Youssef. As prisões desses lavadores de dinheiro afetaram o fluxo de financiamentos para candidatos a prefeito e vereador nas eleições municipais de 2004. Alguns dos favoritos perderam nas urnas, por inanição monetária. Dos que sobreviveram, muitos agora estão enredados na Lava-Jato, junto a Temer, Dilma e Lula. Na roda do tempo, a crise de legitimidade política que está aí é obra dos próprios políticos

Fonte: José Casado, jornalista - O Globo
 
 

sábado, 12 de março de 2016

Dilma e o doleiro - cai a última blindagem de Dilma: é incompetente mas é honesta; agora sabemos que é INCOMPETENTE e DESONESTA

O bilhete que liga o doleiro a Dilma

Em manuscrito de Alberto Youssef o nome da presidente Dilma aparece próximo a valores. Documento foi entregue pela contadora do doleiro à PF em abril de 2014, às vésperas da campanha eleitoral, e que estranhamente se mantinha incógnito até agora

No dia 29 de abril de 2014, quando começou a atuar como informante da Polícia Federal, a contadora de Alberto Youssef, Meire Poza, forneceu à Lava Jato uma série de documentos recolhidos por ela nos escritórios do doleiro. Um deles, se divulgado à época, poderia ter efeito devastador sobre a campanha à reeleição de Dilma Rousseff. Trata-se de um bilhete escrito de próprio punho pelo doleiro em que ele menciona a presidente. No alfarrábio, o nome de Dilma aparece próximo a valores.

Guardado a sete chaves pela Lava Jato, o manuscrito de Alberto Youssef atravessou a campanha presidencial incógnito e assim permaneceu até agora. ISTOÉ teve acesso com exclusividade ao documento. Na atual circunstância política, – com a presidente cada vez mais isolada e impassível diante da crise e das denúncias envolvendo sua campanha, – a anotação do doleiro renova o seu potencial explosivo. O bilhete é a principal revelação do livro Assassinato de Reputações II – muito além da Lava Jato – de autoria do delegado Romeu Tuma Jr, previsto para ser lançado nesta semana.

É a primeira vez que surge uma prova ligando Dilma ao doleiro. No manuscrito, a referência à Dilma é o segundo item abaixo do registro “1.000.000 Bsb” (um milhão Brasília). Ao lado do nome da atual mandatária do País aparece o número 17, a palavra viagem e ao que tudo indica ser um horário “16:30”. No primeiro item, Youssef refere-se a um “novo embaixador”. Na sequência, ele sugere o desembolso de alguma quantia: “1.000 – Pagar 50”. Para a secretária do doleiro, profunda conhecedora dos submundos do Petrolão, uma das explicações para o apontamento de Youssef seria “algum pagamento que deveria ser feito à Dilma”. 

De acordo com relato da contadora, ao receber o papel, em abril de 2014 na Superintendência da PF na Lapa, em São Paulo, o delegado Márcio Anselmo, da força-tarefa da Lava Jato, vibrou: “Que coisa maravilhosa”, teria dito, segundo testemunho dela que consta do livro Assassinato de Reputações II. Ao presenciar a cena, Meire pensou na hora: “Dilma estava no esquema”. Anselmo estava acompanhado do agente Rodrigo Prado. Tanto o manuscrito citando Dilma como os demais documentos entregues por Meire foram acondicionados no porta-malas de uma Range Rover Evoque, apreendida pela Lava Jato e agora a serviço da PF. 

 Dinheiro: Para Meire Poza, contadora do doleiro, anotação significa pagamento à Dilma
No dia seguinte, o agente Prado enviou um email à contadora de Youssef: Nossa conversa foi muito boa. Vamos mantendo contato por aqui”. Começava ali o trabalho de Meire Poza como uma espécie de agente infiltrada da PF. Ao longo de mais de um ano, até meados de setembro de 2015, a contadora municiou os policiais federais com uma série de informações relevantes. A maioria delas foi considerada pelos integrantes da Lava Jato na hora de produzir provas contra envolvidos no esquema de desvios na Petrobras. 
Os relatos se revelaram cruciais para a deflagração de operações que vieram a seguir. Estranhamente, o bilhete em que o doleiro menciona a presidente teve outro destino. Nunca foi incorporado às provas da Lava Jato. Além de não aparecer no e-Proc, sistema de consulta dos processos da força-tarefa, ISTOÉ apurou que o documento nunca foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) – caminho obrigatório e formal de qualquer indício ou prova envolvendo um presidente da República. “Esse manuscrito nunca apareceu por aqui”, assegurou na semana passada à reportagem de ISTOÉ um alto integrante da PGR que se debruçou sobre o material relativo ao doleiro Alberto Youssef. 

Para Romeu Tuma Jr, o episódio é um claro indicativo de que possa ter havido pressão do Planalto para abafar o caso. “É uma indicação forte de que houve uma tentativa de proteger Dilma”, afirmou Tuma Jr. à ISTOÉ. Hoje, no momento de maior fragilidade da presidente, desde a posse, em que as discussões sobre o impeachment ganham força e vigor, tanto a revelação do bilhete, escrito pelo doleiro, como as suspeitas de mais uma interferência do Planalto na Lava Jato contribuem para tornar a situação da petista ainda mais delicada. 
Na semana passada, ISTOÉ publicou com exclusividade trechos da delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS). As revelações do parlamentar sacudiram a República. Entre elas, a tentativa de ingerência de Dilma nas investigações da Lava Jato, ao nomear o ministro Marcelo Navarro, ao STJ, em troca do compromisso de soltura de empreiteiros envolvidos no Petrolão. Esta seria mais uma investida de Dilma contra a Lava Jato, desta vez no sentido de evitar a criação de embaraços para ela própria. Razões não faltavam. 
Quando o manuscrito em que o doleiro menciona a presidente chegou às mãos da PF, em 29 de abril de 2014, o País encontrava-se às vésperas da campanha eleitoral. Em 17 de março daquele ano, Alberto Youssef fora preso, acusado de ser um dos operadores do Petrolão. Em setembro, o doleiro iniciaria os seus depoimentos à PF. Perguntado, em uma das sessões, sobre o nível de comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, o doleiro afirmou: “O Planalto sabia de tudo”. Questionado pelo delegado que colhia o depoimento a quem ele se referia, Youssef respondeu: “Lula e Dilma”. 
A afirmação se tornou pública na sexta-feira 24 de outubro, antevéspera do segundo turno das eleições. No dia seguinte, o doleiro era internado. Imediatamente, surgiram versões de que ele teria sido alvo de atentado ou queima de arquivo. Oficialmente tratou-se de um infarto. O resto da história, todos sabem: Dilma reeleita por uma margem estreita de votos em relação ao senador Aécio Neves (PSDB). Difícil prever se o surgimento desse novo elemento – no caso, o bilhete de Youssef – seria capaz de mudar os rumos da eleição. É certo, no entanto, que o Planalto, tinha total interesse em manter o documento incógnito em meio ao calor da campanha. Seu vazamento era totalmente inconveniente a Dilma àquela altura.
 O livro Assassinato de Reputações II, cujo fio condutor é a trajetória da contadora Meire Poza, a ligação com Youssef e sua atuação como informante da PF, traz outra revelação importante. Por intrigante. Segundo Meire, a Lava Jato poderia ter sido deflagrada dois anos antes, em 2012, quando ela se dirigiu pessoalmente à sede da PF em São Paulo e se dispôs a colaborar com informações sobre o esquema operado por Alberto Youssef. Quem a recebeu foi o delegado Otávio Margonari Russo, lotado na Lapa de Baixo, bairro da zona oeste de São Paulo. Ela diz ter levado tudo o que tinha de indícios de Youssef associados ao PT.
O delegado prometeu investigar, mas não tomou seu depoimento. Duas semanas depois, quando Meire telefonou cobrando uma posição, o delegado, de acordo com a contadora, primeiro disse não se lembrar dela. Depois, recomendou a Meire que não ligasse mais. “Se eu estiver precisando de alguma coisa, quem liga pra você sou eu”. A ligação nunca veio. Em 26 de maio de 2014, Meire relatou esse episódio em reunião com as estrelas da promotoria da Lava Jato: Deltan Dallagnol, Andrey Borges, Carlos Fernando e Roberson Pozzebon. Também participaram do encontro Márcio Anselmo, com quem Meire costumava conversar pelo whatsapp, e Rodrigo Prado. “Minha história começou em março de 2012, quando denunciei Alberto Youssef à Polícia Federal de São Paulo e não aconteceu nada”, disse. 
Silêncio sepulcral. O primeiro a falar teria sido Dallagnol. “Como assim? Você sabia disso, Márcio?”. Ao que o delegado respondeu: “É, eu sabia. Ela esteve lá com um colega nosso, mas, putz, ele estava cheio de trabalho e não levou isso pra frente”. Anselmo foi procurado por ISTOÉ desde a terça-feira 8, mas não retornou até o fechamento desta edição. A reportagem também tentou uma audiência com a direção da PF em Brasília para tratar do tema. Sem sucesso. Numa conversa mantida em Curitiba com o agente Prado, com o qual mantinha uma relação próxima, Meire ouviu do próprio policial que, em sua avaliação, Otávio Russo, ao não investigar a denúncia formulada por ela em 2012, havia incorrido num crime: o de prevaricação.
Em 2012, Marcos Valério, o operador do mensalão, prestou um depoimento em que revelou pela primeira vez que o pecuarista José Carlos Bumlai havia intermediado um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao Banco Schahin para, com metade deste valor, conseguir comprar o silêncio do empresário de transportes, Ronan Maria Pinto. Segundo Valério, Ronan ameaçou envolver o ex-presidente Lula, e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho no assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. 
Valério tentava um acordo de delação premiada e disse ainda que, como contrapartida ao empréstimo a Bumlai, a Schahin foi recompensada com contratos bilionários na Petrobras. Em fevereiro do ano passado, ISTOÉ trouxe um documento do Banco Central atestando a ilegalidade da operação. Em dezembro, depois de ser preso, Bumlai confessou o esquema. O livro Assassinato de Reputações II – muito além da Lava Jato – traz o contrato da transferência de R$ 6 milhões a Ronan, em 2004. Ele prova que a operação clandestina narrada por Valério e confirmada por Bumlai de fato ocorreu. 
A documentação, segundo narra o livro, foi repassado à PF pela contadora Meire Poza. De acordo com a secretária de Alberto Youssef, quem lhe entregou o material foi Enivaldo Quadrado, braço-direito do doleiro. “O Enivaldo pediu para que eu guardasse como se fosse a minha vida, pois era o seguro dele contra o Lula”. Fornido dessas e outras importantes revelações, o novo livro de Romeu Tuma Jr. e Claudio Tognolli promete repetir o retumbante sucesso da primeira edição. O Assassinato de Reputações – um crime de Estado, lançado em dezembro de 2013, vendeu mais de 140 mil cópias e ficou 24 semanas na lista dos mais vendidos. 
“Demonstramos no livro que o esquema de Santo André se reproduziu em Brasília. Como ocorreu em Santo André, também tentaram abafar as denúncias de Meire Poza feitas em 2012 sobre o Petrolão. Suspeita-se que tenha sido para preservar o governo, afinal, com o andamento das investigações, tudo o que nós temos assistido sobre a Lava Jato estaria acontecendo às vésperas da eleição de 2014, vencida por Dilma”, diz Tuma Jr. no livro. 
Filho do ex-senador e diretor-geral da Polícia Federal Romeu Tuma - morto em 2010 -, Romeu Tuma Junior é delegado aposentado da Polícia Civil de São Paulo e ex-deputado estadual. Integrou a Interpol e, em 2007, durante o governo Lula, Tuminha, como é conhecido, foi nomeado secretário nacional de Justiça. No cargo, acompanhou operações importantes, como a Satiagraha. Acabou exonerado três anos depois, de maneira repentina, pelo Palácio do Planalto. Diz ter sido vítima de perseguição política.
 Fonte: Isto É

Créditos das fotos desta matéria: Guilherme Pupo; Paulo Lisboa/Brazil Photo Press; Eduardo Knapp/Folhapress

 

sábado, 18 de abril de 2015

Petista André Vargas estudo acordo de delação premiada e apavora a petralhada

André Vargas estuda colaborar com as investigações da Lava-Jato

O ex-deputado André Vargas (ex-PT-PR) avisou a investigadores da Operação Lava-Jato na quinta-feira (16/4) que estuda fazer um acordo de colaboração. Ele analisa se faz uma delação premiada, na qual assina um “contrato” sobre os temas que irá revelar e obtém a promessa por escrito de que o Ministério Público pedirá ao juiz uma redução da pena.0

O ex-vice-presidente do Congresso, cassado do cargo, avalia ainda se simplesmente presta uma colaboração espontânea, apurou o Correio. Nesse caso, ele faria como fez o vice-presidente da Engevix, Gérson Almada, que pediu para prestar um depoimento, revelou suas ligações com operadores e com o ex-ministro José Dirceu e, na sequência, pediu liberdade ao juiz Sérgio Moro. Até o momento, o executivo continua preso.

Na quinta-feira, Vargas prestou seu primeiro depoimento na Superintendência da Polícia Federal, mas preferiu não dizer nada.  A advogada do ex-deputado é Nicole Trauczynski, que defendeu o operador Enivaldo Quadrado na Lava-Jato, também investigado no mensalão. Quadrado colaborou com os investigadores e já obtém os benefícios disso.

Para os investigadores, uma colaboração de Vargas pode evitar que ele seja o único culpado no esquema de desvios de dinheiro da Petrobras ou de lavagem por meio do doleiro Alberto Youssef. Por outro lado, isso poderia envolver mais gente ligada ao PT e ao governo de Dilma Rousseff.  A advogada Nicole não pôde atender a reportagem no início da tarde desta sexta-feira (17/4). O Correio enviou perguntas sobre o caso a ela duas vezes hoje. Nenhuma foi respondida até o fechamento deste texto. 

Fonte: Correio Braziliense

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Kakay, advogado criminalista das estrelas, pergunta: "Algum juiz vai ter coragem de não homologar a delação?"



Antonio Carlos de Almeida Castro, o advogado criminalista das estrelas, diz que o ministro Teori Zavascki está ratificando as delações premiadas da Operação Lava Jato sob pressão do Ministério Público
Quando a Operação Lava Jato foi deflagrada, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos criminalistas mais requisitados do Brasil, foi procurado pelo doleiro Alberto Youssef para defendê-lo nos Tribunais Superiores. Kakay desistiu da causa após saber que Youssef decidira fazer um acordo de delação premiada com o Ministério Público para contar o que sabe sobre a corrupção na Petrobras. 

Nesta entrevista, feita em seu escritório no centro de Brasília, Kakay fez duras críticas ao instrumento jurídico hoje tão em evidência no país – na mesma tarde em que a Justiça Federal divulgou  os termos da delação de Youssef. Para o advogado, falta à delação premiada sustentação legal.

ÉPOCA – O senhor disse que o Brasil corre o risco de parar caso as empreiteiras investigadas por corrupção na Petrobras sejam consideradas inidôneas. Acredita realmente nisso?
Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay) –
Num primeiro momento, minha declaração causou espécie, mas depois outras pessoas deram voz ao que eu disse. Hoje, reitero o que disse. Essa situação mereceria uma reflexão, evidentemente numa postura republicana, com pensamento institucional. Essas empresas empregam milhares de funcionários diretos e indiretos. Elas não param só as obras do PACo (Programa de [des] Aceleração do Crescimento, do governo federal). Até mesmo aeroportos podem parar de operar. Olha só a gravidade das consequências dessa ação.

ÉPOCA As empreiteiras nacionais não podem ser substituídas por empresas estrangeiras?
Kakay –
É impossível que empresas do exterior venham a assumir contratos em fase adiantada. O juiz Sergio Moro (da Justiça Federal em Curitiba e responsável pelas investigações) foi prudente quando tornou indisponíveis os bens dos diretores, e não das empresas. Exatamente para não inviabilizar a vida das empresas. Imagina a Petrobras parar porque elas foram declaradas inidôneas.

ÉPOCA – Mas houve várias irregularidades e milhões de reais foram desviados da Petrobras com a participação de políticos, diretores da estatal e executivos dessas empreiteiras.
Kakay – É importante que a investigação seja feita em sua íntegra. O Ministério Público faz o papel correto dele, a Polícia Federal faz o papel constitucional dela, mas seria mais interessante que advogados, Ministério Público e Judiciário se sentassem juntos para pensar não numa forma de abafar o caso, mas de impedir que as empresas quebrem. É uma lástima. Muitas dessas empresas são multinacionais, que atuam também fora do Brasil. São orgulho do país.

ÉPOCA – Os procuradores que atuam no caso rechaçaram a ideia de sentar com representantes das empreiteiras para buscar uma saída coletiva. Agora, preparam ações de improbidade administrativa contra essas empresas, caso a caso. 
Kakay – O Ministério Público, na verdade, está inovando. Ele está fazendo delações premiadas que não têm previsão legal. Vi, estarrecido, um parecer de um integrante do MP defendendo a prisão para efeito de obter uma delação premiada. Isso é absolutamente inconstitucional, ilegal, não republicano. Numa dessas delações premiadas (a do ex-diretor Paulo Roberto Costa) constou que aquela pessoa que estava presa teria direito a uma prisão domiciliar. Não existe previsão legal para isso. Quem decreta prisão é o Judiciário. Só o Judiciário pode revogar essa prisão. Os procuradores não têm poder para isso. No momento em que o MP coloca na delação que o sujeito terá direito a uma prisão domiciliar, ele está substituindo o Poder Judiciário. Ele não pode fazer isso.

ÉPOCA – Mas o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, homologou essa delação premiada.
Kakay – O MP apresenta uma delação que diz ter coisas gravíssimas contra algumas das principais pessoas da República, senadores, governadores, deputados, grandes empreiteiras. Algum juiz terá coragem de não homologar? Duvido. Infelizmente, eu duvido.

ÉPOCA – O ministro homologou sob pressão?
Kakay – Você faz uma investigação desse porte, faz pequenos vazamentos de nomes de pessoas importantes, em que não se sabe em que contexto foram citadas. Isso tomou uma dimensão tal que, para um ministro, simplesmente não homologar essa delação é difícil.

ÉPOCA – Sem considerar aspectos legais?
Kakay – No amadurecer dessa investigação e do próprio instituto da delação premiada, vamos começar a fazer como outros países fazem. Muitos acordos não são homologados. Uma delação que demorou 30 e tantos dias, com oito horas de depoimento por dia, com vários delegados e vários procuradores, e uma homologação é feita em apenas 24 horas? Houve um procedimento formal para saber se aquilo foi voluntário? Não. É um ato voluntário você,  com pressão, forçar as pessoas a delatar?

ÉPOCA – O senhor desistiu da defesa do doleiro Alberto Youssef por discordar da delação premiada. Explique, por favor.
Kakay – Sou contra a delação premiada sob todos os aspectos. Tenho uma formação humanista. Em minha família, quando alguém estava fazendo algo errado, ninguém ia lá apontar: “Foi o fulano”. O delator entrega quem ele quer, da forma que ele quer. Ele delata quem tem responsabilidade e quem não tem também. Basta ele falar um nome qualquer que essa pessoa estará manchada. Além disso, o Estado deixa de investigar para fazer uma barganha.
"Se um Tribunal derrubar uma decisão (do Sergio Moro), passa
por leniente"

ÉPOCA – Essa barganha não se justifica para punir criminosos poderosos que historicamente saem impunes nos casos de corrupção?
Kakay – O Estado tem de se estruturar para fazer investigações de forma científica seja contra quem for. Temos hoje no país, sem delação premiada, alguns dos principais políticos do país cumprindo pena (referindo-se ao escândalo do mensalão).

ÉPOCA – O senhor foi procurado por políticos citados na Lava Jato e que, eventualmente, serão alvos de investigação no Supremo? O que disse a eles?
Kakay – Tenho clientes, políticos, que foram pretensamente citados e me procuraram. Tiveram os nomes expostos. Não se sabe em que circunstâncias foram citados. Estamos esperando chegar o mês de fevereiro para ver o que acontecerá. Essas pessoas foram citadas através do efeito dessa tal delação. Ninguém tem acesso a isso. É assim que está funcionando. É através da pressão e do medo. Os decretos de prisão são muito frágeis. Há necessidade de algumas pessoas ainda estarem presas?

ÉPOCA – O juiz Sergio Moro, responsável pelo caso, tem recebido elogios na condução dos trabalhos, inclusive de advogados.
Kakay – No Judiciário de primeira instância, quando você pega um juiz que é sério e competente, mas é voluntarioso e julga ser o salvador da pátria, ele comete uma série de atos completamente desnecessários e duros, mas vira o homem do ano de todas as revistas. Se um Tribunal derrubar uma decisão, passa por leniente.

ÉPOCA – Um dos elogios a Sergio Moro é a transparência.
Kakay – Você conhece as delações premiadas? Alguém conhece? Como se faz a defesa de um cliente sendo que há uma delação premiada e você não a conhece?

ÉPOCA – Apesar de suas críticas, o senhor considera que a delação premiada se consolidará no Brasil como instrumento de auxílio às investigações?
Kakay – Houve um momento no Brasil que tudo era escuta telefônica. É um instrumento importante na luta contra o crime organizado, mas você não pode começar uma investigação com escuta telefônica. Está na lei. Mas a escuta virou uma praga, um flagelo. Até que os Tribunais começaram a fazer esse enfrentamento necessário. Eu tenho a certeza de que o Brasil fará em muito pouco tempo – o mundo jurídico, num primeiro momento – uma revisão desse louvor à delação premiada. Isso aconteceu na Itália. Lá, a delação também parecia uma panaceia, a salvação do mundo. Depois, começaram a anular processos por causa de acusações falsas. No caso da Lava Jato, os advogados dos investigados não conhecem as delações premiadas. Estamos vivendo um momento obscurantista.

ÉPOCA – Onde está a luz, então? 
Kakay – É preciso que exista a paridade de armas. Não podemos ter uma investigação que corre durante anos de forma sigilosa e, de repente, é deflagrada, sem que o advogado tenha acesso à plenitude dela. A sociedade tem de refletir sobre isso. É assim que ela quer que a defesa seja feita? Ao ser julgado nos Tribunais Superiores, esse caso terá uma capilaridade enorme. Ele atingirá os prefeitos das cidades, o homem comum no interior do país. A sociedade tem de pensar o que ela quer
[indubitavelmente, a sociedade quer que os políticos ladrões, a petralhada, parem de roubar os cofres públicos e os que roubaram sejam implacavelmente punidos.]

Fonte: Revista Época

 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Mensageiro noturno

Justiça federal considerou ameaça a testemunha como um dos motivos para manter encarcerados os dirigentes de empresas envolvidas em corrupção na Petrobras

Era noite quando um advogado de empreiteiras entrou no escritório paulistano da contadora Meire Poza, que trabalhou para Alberto Youssef, personagem central dos casos de corrupção na Petrobras. A conversa, gravada, faz parte do processo público. Alguns trechos:
— Dona Meire, eu quero que a senhora entenda que faz parte de um grupo fechado.
— Imagina... (Risos)
— Faz parte, faz parte, faz, faz, faz, sim.
— Nem do grupo da Igreja eu faço parte.
— Sabe, essas pessoas se ajudam, ? São poucas pessoas, privilegiadas, que se ajudam.
— É, mas eu não nesse grupo. Eu posso garantir que eu não nesse grupo.
— E nós nos ocupamos integralmente desse caso. Além do que a senhora faz parte de um dos principais... núcleos. Então, a gente não pode deixar que a senhora não aceite essa ajuda.
— Mas eu não vou aceitar, doutor (...)
— É uma ajuda. Eu quero que a senhora entenda isso. Não tem como ser recusado, sabe.
— Tem, doutor. Eu recusando. Eu não quero ajuda (...)
— Agora, não dá pra sair assim, sabe? Ninguém quer ser prejudicado.
— Tô começando a não gostar dessa conversa (...)
— Dona Meire, o importante é não falar demais.
— Doutor, eu sou burra. Vocês me acham esperta, mas eu sou burra pra caramba. É a segunda vez que a gente fala, e eu tô com a sensação... achando que vocês estão me ameaçando.
— A senhora pode, sem querer, ir contra grandes empresas, políticos, construtoras, as maiores do país, a senhora entendeu? (...)
— Doutor, eu entendi. Deixa eu falar uma coisa... Não põe a mão em mim, por favor, porque eu não gosto. Deixa eu falar uma coisa...
— Desculpa.
, desculpado. Tem três coisas que me irritam profundamente e até agora você fez as três: você falou da minha filha...
— Não, não, você tá nervosa.
— Não, não nervosa. Você falou da minha filha. Vocês estão me pressionando, ameaçando.
— Não, não existe pressão (...)
— Doutor, deixa eu te falar uma coisa? Nós não vamos conversar mais, eu não quero (...)
— Não, não, calma. Toma mais uma água.
— Não, não quero água. Olha, vamos parar por aqui. Eu não quero a ajuda de vocês. Eu já falei que eu não quero dinheiro, deixei isso claro. A única coisa que eu quero é esquecer tudo isso e tocar a minha vida (...)
— A gente precisa conversar.
— Não. Obrigada por ter vindo, doutor (...)
— Desculpa, não era essa a intenção.
— Não, não era... Antes que eu me esqueça, o senhor vai me fazer uma outra gentileza: o senhor provavelmente vai estar lá com os seus clientes, com a Camargo, com a UTC, Constran, com a OAS...
— Pois não, pois não, ok.
— Manda todo mundo ir tomar ***.
— Não, não faz isso...

Aconteceu há três meses, na quarta-feira 24 de setembro. A Justiça considerou a gravação uma prova de ameaça a testemunha, e um dos motivos para manter presos dirigentes de empreiteiras envolvidas em corrupção. Juízes dizem que o país mudou, mas algumas empresas e seus advogados ainda não perceberam.

Por: José Casado, jornalista

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O ano começou com uma boa notícia



A melhor informação de 2015 veio nos últimos dias de 2014: a Petrobras suspendeu novos negócios com as 23 empreiteiras apanhadas na Operação Lava-Jato
A melhor notícia de 2015 veio nos últimos dias de 2014: a Petrobras suspendeu novos negócios com as 23 empreiteiras apanhadas na Operação Lava-Jato e abriu uma investigação nas contas da Transpetro, da BR Distribuidora e no fundo de pensão Petros. Com quase um ano de atraso, o comissariado partiu para o ataque, se é que partiu. Nesse período, a empresa perdeu 37% do seu valor de mercado e danificou sua credibilidade. [com o barril de petróleo abaixo de US$50, só resta à Petrobras deixar a ex-salvação quieta no fundo do mar – cada barril que teimar em extrair é um prejuízo extra de no mínimo US$ 50.]

Assim como sucedeu com a seleção brasileira na Copa, a defesa da Petrobras sofreu um apagão. No início de 2014, sabia-se que estourara um escândalo nas suas operações com a companhia holandesa SBM, que lhe alugara sete navios-plataforma. Falava-se de um pagamento de comissões que chegavam a US$ 139 milhões. A doutora Graça Foster poderia ter soado algum alarme. Deu-se o contrário. Uma delegação da empresa foi a Amsterdam e concluiu que nada houvera de errado. Em novembro, a SBM foi multada, na Holanda, em US$ 240 milhões pelas propinas que distribuiu mundo afora. 

As petrorroubalheiras tinham três vértices: o comissariado, funcionários corruptos e empresas corruptoras. Durante todo o ano o governo e as empresas acreditaram que prevaleceria algum tipo de código de silêncio. O “amigo Paulinho” não contaria o que sabia. Muito menos Alberto Youssef, seu operador financeiro. Empreiteiras? Nem pensar, isso jamais acontecera. 

Em março, a doutora Graça Foster anunciou que a Petrobras investigaria as roubalheiras, e “não ficará pedra sobre pedra”. Parolagem. A essa época, a Polícia Federal e o Ministério Público já puxavam os fios da meada das roubalheiras, e, paralelamente, sabia-se que o fundo da Petros fechara 2013 com um rombo de R$ 7 bilhões, corrigido para R$ 2,8 bilhões. O comissariado e as empreiteiras acreditavam que ninguém desafiaria seus poderes, e seria possível conter as denúncias brandindo-se o santo nome da Petrobras. Lula chegou a marcar um fracassado ato público em frente à sede da empresa.

A casa começou a cair em agosto, quando o “amigo Paulinho” passou a colaborar com as investigações. Num de seus depoimentos, ele mencionou uma propina de US$ 23 milhões da empreiteira Odebrecht. Foi rebatido pelo presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, que classificou a afirmação como “denúncia vazia de um criminoso confesso”. O ano terminou com pelo menos nove “criminosos confessos”, entre os quais, pela primeira vez, havia uma empreiteira, a Toyo Setal. 

Documentos apreendidos pela polícia revelaram a estratégia de defesa dos envolvidos. Tratava-se de conseguir um acordo com o Ministério Público e de tirar o processo das mãos do juiz Sérgio Moro. Afinal, mexer com as empreiteiras significaria “parar o país”. Um escritório fixou seus honorários em R$ 2 milhões, mais R$ 1,5 milhão caso o estratagema fosse bem-sucedido. Como no fatídico jogo do Brasil contra a Alemanha, deu tudo errado. 

A doutora Dilma disse que a Petrobras “já vinha passando por um aprimoramento de gestão”. Cadê? Durante todo esse tempo o governo e a Petrobras foram agentes passivos da crise. Paulinho, Youssef e Pedro Barusco, um felizardo do segundo escalão que entesourara R$ 252 milhões, eram velhos conhecidos da rede petista, mas fazia-se de conta que eram marcianos. Durante quase um ano as poucas iniciativas tomadas pela Petrobras foram provocadas por fatores externos, sobretudo depois da abertura das investigações e processos nos Estados Unidos.

A decisão de Graça Foster ao final do ano passado pode significar uma mudança de comportamento. Em vez de jogar com uma defesa bichada, a empresa partiria para o ataque contra as roubalheiras. A entrada do fundo Petros no elenco pode ser um sinal disso, desde que se coloque mercadoria na vitrine. A doutora Dilma disse que “vou investigar a fundo, doa a quem doer”. Dor mesmo, seu governo só deu aos acionistas da empresa, que perderam uma parte de seus investimentos. Ela assumiu seu segundo mandato dizendo que é preciso defender a Petrobras dos “inimigos externos”. Doze anos de poder petista mostraram que Lula e ela cevaram “predadores internos”. 

O último palanque da doutora
Tomara que os dois discursos de Dilma Rousseff durante as cerimônias de sua posse tenham sido os últimos lances de uma campanha eleitoral que acabou no ano passado. Se não fossem tão longos e defensivos, poderiam ser atribuídos ao marqueteiro João Santana. Prova da sua falta de assunto foi a enésima defesa de uma reforma política (há um projeto no Congresso, cuja discussão é obstruída pelo PT). “Pátria educadora” é um slogan ruim, que parece ter saído dos versos oitocentistas do Hino Nacional. 

O comissariado acusa a oposição de não ter saído do palanque. Viu-se em Brasília que quem não quer deixá-lo é o governo. Repetindo o Lula de 2003, apropriou-se da agenda econômica dos tucanos, no que pode ter feito bem. Quem falou aos brasileiros como presidente da República foi a representante de uma facção, porta-voz dos “nossos governos” (o dela e o de Lula). Tudo bem, mas a partir de amanhã ela e seus 39 ministros terão um serviço para tocar. 

Lei da Anistia
Foram para o fundo do mar as possibilidades de qualquer revisão da Lei da Anistia. As chances de que o Supremo Tribunal Federal mexesse na questão eram quase nulas, mas uma discreta movimentação dos comandantes militares, somada ao desinteresse do Planalto, tornaram-nas inexistentes.

Fonte: Elio Gaspari – O Globo