Na gravação, Saud diz que já estaria "ajeitando" a situação do grupo J&F, controlador da JBS, com Miller, e que o então procurador estaria "afinado" com eles.
Em pronunciamento à imprensa convocado
de última hora, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou
que determinou abertura de investigação de indícios de omissão de
informações sobre práticas de crimes no acordo de executivos da JBS. Janot assinou portaria que instaura um
procedimento de revisão dos acordos com três dos sete executivos do
grupo: Joesley Batista, um dos donos do frigorífico, Ricardo Saud e
Francisco de Assis.
O problema surgiu, segundo ele, após os
delatores da JBS entregarem à PGR (Procuradoria-Geral da República), na
semana passada, novas gravações de áudio. Em uma delas, uma conversa de cerca de
quatro horas entre Joesley e Saud –que não sabiam que estavam se
gravando–, há indícios de crimes cometidos por agentes da PGR e do STF
(Supremo Tribunal Federal). A gravação foi feita em 17 de março, dez
dias depois de Joesley ter gravado o presidente Michel Temer no Palácio
do Jaburu e dias antes de assinarem o acordo com a PGR.
O áudio não é um dos que foram
recuperados do gravador de Joesley pela Polícia Federal, segundo a PGR,
mas foi entregue espontaneamente pelos delatores na semana passada junto
com outros materiais. A delação firmada em maio dava 180 dias para a
JBS entregar o material complementar –prazo que terminou na última
quinta (31). “Áudios com conteúdo gravíssimo foram
obtidos na quinta-feira [31]. A análise de tal gravação revelou diálogo
entre dois colaboradores com referências indevidas à PGR e ao Supremo
Tribunal Federal”, disse Janot.
“Tais áudios também contêm indícios,
segundo esses dois colaboradores, de conduta em tese criminosa atribuída
ao ex-procurador Marcelo Miller, que ao longo de três anos foi auxiliar
do gabinete do procurador-geral. Se descumpriu a lei no exercício de
suas funções, deverá pagar por isso”, afirmou.
“Não há ninguém que republicanamente
esteja a salvo da aplicação da lei. O Ministério Público tem uma mãe que
é a Constituição e a lei, e sob esse manto atuamos, independentemente
de quem tenha agido.”
Pelo diálogo entre Joesley e Saud, Janot
suspeita que Miller tenha ajudado a JBS a confeccionar uma proposta de
acordo de delação. “Tal conduta configuraria, em tese, crime e ato de
improbidade administrativa [praticados pelo então procurador]”, segundo a
PGR.
CARNE FRACA
Na gravação, Saud diz que já estaria
“ajeitando” a situação do grupo J&F, controlador da JBS, com Miller,
e que o então procurador estaria “afinado” com eles. Quando comentam
sobre a Operação Carne Fraca, deflagrada no início deste ano, um dos
delatores diz que Miller enviou “extensa mensagem” para Francisco de
Assis, diretor jurídico da J&F, tentando justificar a situação.
Em um dado momento, os delatores falam
que esperavam que Miller facilitasse o caminho junto à PGR “inclusive
sugerindo futura sociedade em escritórios de advocacia em troca no
processo de celebração dos acordos de colaboração premiada”, informou a
Procuradoria.
Miller pediu sua exoneração da PGR em
fevereiro e saiu em 5 de abril. Logo depois, foi trabalhar como sócio no
escritório Trench, Rossi e Watanabe, em São Paulo, que foi contratado
para fazer o acordo de leniência (de pessoa jurídica) da J&F.
No pronunciamento desta segunda (4),
Janot disse que “o MPF atuou na mais absoluta boa-fé nesse acordo”. “Se
ficar provada qualquer ilicitude, o acordo poderá ser rescindido, poderá
chegar até a rescisão. A eventual rescisão não invalida as provas até
então oferecidas”, disse.
De acordo com Janot, mesmo que os
benefícios dados aos executivos da JBS venham a ser revistos, as
informações apresentadas não inviabilizam a apresentação de novas
denúncias –inclusive a que se espera contra o presidente Michel Temer,
que não foi citado nominalmente. Conforme a lei, segundo o
procurador-geral, se a culpa do colaborador ensejar a rescisão do
acordo, ele perde todos ou alguns dos benefícios, mas o Estado pode
utilizar as provas em processos.
Além dos novos áudios, Janot destacou que Saud apresentou agora uma conta não declarada em um banco no Paraguai.
PRÓXIMOS PASSOS
Janot disse que os delatores da JBS
terão de depor até sexta-feira (8) para esclarecer o áudio. Questionado
se eles podem ser presos, o procurador-geral disse que “tudo é
possível”.
“Eles têm imunidade uma vez que o acordo
esteja hígido. Se o acordo ruir, essa imunidade não existirá mais. É
bom que esse caso seja exemplar para que todo o mundo entenda que o
colaborador tem o compromisso de acompanhar todo o processo penal
contribuindo na obtenção da prova”, disse Janot.
Os novos áudios da JBS foram remetidos pela PGR ao STF para que os ministros da corte decidam sobre a manutenção do sigilo. O procurador-geral disse que só não
divulgou os áudios até o momento –uma vez que o acordo da JBS não está
sob sigilo– porque eles têm trechos que envolvem “direito à
personalidade e à intimidade” de agentes da PGR e do STF. “Se [o áudio]
não tiver que ser [entregue à imprensa] inteiro, que seja por decisão do
Supremo”, afirmou.
Questionado sobre quem é o agente do STF
citado nas conversas, Janot respondeu apenas que ele “tem foro”, sem
especificar se se trata de um ministro. Janot enviou o procedimento de revisão
da delação ao ministro do STF Edson Fachin, relator do caso, que também
avaliará o sigilo. A PGR convocou Miller e o escritório de advocacia em
que ele trabalhou para prestar esclarecimentos.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo