A capitã do navio de africanos expôs o risco político do radicalismo xenófobo de Matteo Salvini
[os governantes tem como dever primeiro defender os seus governados e a capitã fez um ato que para ele pode ter sido exibicionismo, fanfarronice, bravata, mas, de fato foi um ATO DE GUERRA e a embarcação agiu como os piratas da Somália.
Ainda que desesperadora a situação dos 40 africanos, a capitã poderia ter escolhido outro porto, outro país; próximo ao porto invadido a brava capitã dispunha de portos em outros países que abrigam refugiados - qual a razão dela escolher o de um país que está dando preferência a cuidas dos seus naturais.
Aqui mesmo no Brasil, cada emprego que é dado a um venezuelano é um emprego a menos para um brasileiro.]
O retumbante Matteo Salvini, ministro do Interior da Itália, aprendeu
uma lição. Quando o barco Sea Watch 3 entrou à força no porto de
Lampedusa com 40 refugiados líbios, ele anunciou a prisão da capitã
Carola Rackete com a teatralidade do radicalismo fanfarrão. A entrada do
navio no porto teria sido um "ato de guerra" praticado por uma
embarcação "pirata".
Os 40 africanos que haviam sido resgatados pelo Sea Watch em alto-mar
seriam mais um lote de desesperados e Carola Rackete, mais uma ativista
dessas ONGs que azucrinam os poderes estabelecidos. Nunca se sabe quando
o vento da história sopra em cima de um poderoso da ocasião. O vento
soprou em cima de Salvini.
O Sea Watch tem a bandeira holandesa e Carola Rackete é alemã. O
ministro das Relações Exteriores de Berlim, Heiko Maas, pediu a
libertação da marinheira: "Quem salva vidas não pode ser chamado de
criminoso" —exatamente o que achou a juíza que ordenou sua soltura nesta
terça (2). O governo da França classificou o ato de "histeria" e o
presidente italiano recomendou que se baixasse a bola. Duas vaquinhas
internacionais arrecadaram mais de 1 milhão de euros para ajudar a ONG
do Sea Watch. [independentemente da bandeira do navio e da nacionalidade da comandante, o Sea Watch desrespeitou a soberania de um país, invadiu um porto. Com certeza esse um milhão de euros seria bem mais útil ajudando ao refugiados, do que ser doado a mais uma ONG.]
Os refugiados não precisam ficar na Itália e não era razoável que 40
pessoas ficassem à deriva no Mediterrâneo. As leis italianas pretendem
conter o êxodo de refugiados africanos, na defesa dos interesses do
país, e quando a marinheira desceu no cais de Lampedusa, populares
chamaram-na de "vendida". Um deles gritou que ela devia ser estuprada
pelos negros que transportou. Coisa dos tempos de hoje. No século
passado os europeus fizeram coisas piores e em 1944 o governo italiano
colou cartazes mostrando um soldado simiesco com o uniforme americano
saqueando obras de arte. Deixar barcos em alto mar, chamando os
tripulantes de piratas metidos em atos de guerra, é um triste retorno, e
Salvini percorreu-o.
Isso era o que acontecia em 1947. O governo inglês capturava navios com
judeus que seguiam para a Palestina. Depois, quando a saga do navio
Exodus (com Paul Newman no papel principal) tornou-se um marco na vida
de Israel, tiraram o corpo fora. Por trás do Sea Watch e das ONGs há uma rede de apoios e cumplicidades. A
tripulação do barco tinha jovens franceses, holandeses e espanhóis.
Nada de novo: havia uma rede clandestina e multinacional por trás de
navios como o Exodus. (Nela militava Samy Cohn, que se tornou banqueiro e
morreu no Brasil.) Há diferenças entre os refugiados judeus de 1947
querendo ir para a Terra Santa e os africanos de hoje querendo entrar na
Europa, mas o ministro alemão que defendeu a libertação de Carola
Rackete foi ao essencial: "Quem salva vidas não pode ser chamado de
criminoso". Os líbios do Sea Watch poderiam ter morrido no Mediterrâneo
e, segundo a capitã, ameaçavam jogar-se ao mar, como faziam os africanos
dos navios negreiros do século 19. Calcula-se que neste ano 600
africanos afogaram-se no Mediterrâneo.
As falas de Salvini, repudiadas na terça pela juíza, foram uma
fanfarronice demagógica. O ministro tinha motivos para saber que a
marinheira, uma "fora da lei", segundo ele, não ficaria muito tempo
presa. Sendo alemã, poderia ser deportada. Sabia também que os africanos
não ficarão em Lampedusa. Jogou para sua plateia, mas subestimou a
reação de outros países e das próprias instituições italianas. Nos dias
de hoje, isso é comum.
Elio Gaspari, jornalista - O Globo e Folha de S. Paulo