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quarta-feira, 27 de maio de 2020

Sinais de alerta - Merval Pereira

O Globo

Planalto sabia da operação

Operação contra Witzel traz desconfiança de uso político da PF

A operação policial no Palácio Laranjeiras, residência oficial dos governadores do Rio, faz parte de um amplo mosaico de combate à corrupção que é bem vindo, mas traz consigo a desconfiança de que a Polícia Federal esteja sendo usada para objetivos políticos depois da mudança de chefia recente. 

O fato de que esta é a segunda vez em pouco tempo que um governador do Rio recebe a visita da Polícia Federal em sua casa - o outro, Pezão, foi levado preso de lá - diz muito sobre a deterioração da política do Estado, onde milicianos e trambiqueiros de diversos naipes dominam os serviços terceirizados, especialmente os da Saúde, numa perversão que não parou no governo Sergio Cabral.

Os trambiqueiros são os mesmos, Mario Peixoto tinha ligação antiga com o governo anterior, e já na campanha sua presença no entorno de Witzel foi denunciada pelo também candidato Romário. Milícias disputam os poderes entre si, federal e estadual. Os indícios contra o governador do Rio, Wilson Witzel, sempre foram muito fortes desde o inicio, quando ele desmontou o sistema unificado de polícias do Rio na Secretaria de Segurança organizado pelo militares durante a intervenção, e voltou a aceitar indicações políticas para o comando de batalhões, segundo informações das autoridades da época. O interventor foi o General Braga Neto, que hoje ocupa o Gabinete Civil da presidência de Bolsonaro.
[com o indispensável pedido de vênias, discordamos:
- a Política Federal cumpre seu papel e investiga e com isso obtém indicações seguras da existência de crimes e da autoria.
Se o criminoso, ou suspeito - com provas concretas - é governador ou é um desabrigado, é DEVER da PF prender em flagrante.
Caso não haja flagrante a PF encaminha para o Poder Judiciário, que se entender pertinente, expedido mandado de prisão ou busca e apreensão ou os dois.  
A Polícia Federal tem o DEVER de cumprir tais mandados - e os cumpre.
Em que momento a PF está sendo usada políticamente?] 

Mas o presidente Bolsonaro festejar com risadas e dar os parabéns à operação da Polícia Federal tem o mesmo efeito dos cumprimentos e elogios ao procurador-geral da República, Augusto Aras, ao visita-lo de surpresa para elogiar de corpo presente os “formidáveis” membros do Ministério Público. [é pacífico que o estilo do presidente Bolsonaro é de elogiar ostensivamente, quando elogios são merecidos, e partir até para o deboche quando o adversário escorrega.
É seu estilo e vão ter que engolir.]

Com atitudes como essas, Bolsonaro pressiona publicamente órgãos de Estado que são autônomos e precisam demonstrar essa condição em situações delicadas, como, por exemplo, recolher o celular de uma autoridade. Ontem, os celulares e computadores do governador do Rio Wilson Witzel foram confiscados pela PF com a autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por que então é considerado pelo governo federal uma ofensa a simples menção à possibilidade de confiscar o celular do presidente da República, a ponto de o General Augusto Heleno dar-se ao desplante de soltar nota oficial, respaldada pelo ministro da Defesa, ameaçando com uma crise institucional “de consequências imprevisíveis”? [o Presidente da República que é JAIR BOLSONARO - para desgosto de muitos - é a autoridade máxima da Nação, Chefe do Poder Executivo e não pode ser constrangido por um ato monocrático de um ministro do STF ou qualquer outra autoridade.
É até passível de aceitação que tal constrangimento ocorra por decisão majoritária do plenário da Suprema Corte - mais deglutível  se  unânime, com um quórum de no mínimo dez ministros.] 
O mesmo General, juntamente com seus colegas de farda Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos, sentiu-se ofendido quando o mesmo ministro Celso de Mello convocou-os para deporem como testemunhas e, no documento de convocação, havia o aviso de praxe [?] de que se não comparecessem no dia marcado poderiam ser levados a depor coercitivamente debaixo de vara.

Todo cidadão brasileiro recebe intimações nesses termos, por que os generais não poderiam também serem tratados como cidadãos comuns? Sentem-se “mais iguais que os outros”, lembrando George Orwell na Revolução dos Bichos? Essas suspeitas tornam nubladas operações que podem ser corretas, no meio de uma confusão política enorme. Que o Palácio do Planalto sabia da operação no fim de semana parece não haver mais dúvidas, e não apenas porque a deputada Carla Zambelli deu com a língua nos dentes e antecipou em entrevista operações contra governadores.

 Assessores próximos do presidente da República comentaram com amigos a possibilidade de prisão de Witzel no sábado. A suspeita de que a nova direção da Polícia Federal está satisfazendo a “curiosidade” do presidente Bolsonaro, especialmente no Rio de Janeiro, é o efeito colateral dessa ação, o que pode ser mortal para a nossa democracia. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, soltou ontem uma nota oficial sóbria mas enérgica, cujo núcleo é a defesa da tese democrática de que ordem judicial se cumpre, e que a relação entre os poderes não pode estar ameaçada por sentimentos espúrios. [no Brasil tudo que diga respeito ao Poder Executivo Federal é vítima de exigências de transparência.
Chegam ao ponto de protestar exigindo que o presidente da República faça consultas para assuntos banais.
Mas, quando o presidente da República reclama de não receber informações, por canais oficiais, inerentes a sua condição de maior autoridade da Nação, protestam.
Hoje mesmo, foi noticiado que está sendo realizada uma obra de rotina em um parque de Brasília (Sudoeste - área nobre) - devidamente autorizada pelo IBRAM - DF.
Só que surgiu uma associação de proteção do parque, exigindo que as obras parem já que não foi consultada. Pode?]

É preciso decifrar em que pé está a interferência de Bolsonaro diretamente na Polícia Federal, especialmente no Rio. Muita coincidência que tudo em primeiro lugar aconteça no Rio. A primeira decisão do novo diretor da PF foi a troca do superintendente do Rio, a primeira operação foi aqui também. É preocupante imaginar que o presidente esteja constrangendo Polícia Federal, procuradoria-geral da República e Ministério Público. Pode ser perigoso para a democracia.    [nenhum desses órgãos aceitariam qualquer constrangimento - no mínimo, colocariam a boca no trombone.]

Merval Pereira, jornalista - O Globo