Bebê terá documento sem identificação de sexo para 'decidir gênero quando crescer'
Um bebê canadense de oito
meses é provavelmente o primeiro caso no mundo de um recém-nascido com um documento
oficial em que seu gênero não é identificado. O cartão de saúde da
criança, batizada como Searyl Atli, foi emitido pelo governo da Província de
Colúmbia Britânica com a letra U no espaço reservado para "sexo", o
que pode ser interpretado em inglês como undetermined (indeterminado) ou
unassigned (não atribuído).
Esse fato - que parece ser
inédito no mundo, segundo a imprensa canadense- era uma demanda de Kori Doty,
que é pai/mãe de Searyl. Kori é transgênero, se
identifica como uma pessoa "não binária" -classificação usada por
pessoas que não se consideram homem ou mulher- e deseja que o filho descubra
por conta própria seu gênero quando for mais velho.
Kori tenta omitir o gênero
da criança também da certidão de nascimento. Isso é negado pelas autoridades
até o momento. Atualmente, as certidões de nascimento de Colúmbia Britânica só
permitem que sejam designados os gêneros "masculino" e
"feminino". Por isso, Kori move uma
ação contra a Agência de Estatísticas Vitais Colúmbia Britânica, órgão
responsável pela emissão de registros civis. Em meio a essa disputa, no
entanto, o cartão de saúde da criança foi enviado no mês passado pelo governo
da Província sem a identificação de gênero.
A advogada da família,
Barbara Findlay, que prefere escrever seu nome sem maiúsculas, disse ao site
Global News que "a designação de gênero nesta cultura é feita quando um
(a) médico (a) abre as pernas e olha para os genitais de um bebê".
"Mas nós sabemos que a identidade de gênero do bebê só será desenvolvida
alguns anos após o nascimento."
'Inspeção visual'
Searyl nasceu em novembro
passado na casa de um amigo de Kori, justamente para a criança não ter seu
gênero determinado por um médico após o parto. Kori argumenta que essa
inspeção visual na hora do nascimento não é capaz de determinar o gênero de
alguém e que uma pessoa não necessariamente se identificará ao longo da vida
com o gênero que foi atribuído a ela neste momento -como foi o seu caso, que
era considerada uma mulher. "Quando nasci, médicos
olharam para meus genitais e fizeram suposições sobre quem eu seria, e essas
suposições me perseguiram ao longo da vida. Essas suposições estavam erradas, e
eu acabei tendo que fazer vários ajustes desde então. Não quero fazer o mesmo
agora."
Kori se refere à criança
por "they", pronome em inglês para se referir a pessoas e objetos no
plural e que não tem gênero - pode ser traduzido tanto como "eles" ou
"elas" em português. "Estou criando Searyl
de modo que até que tenha senso de si e capacidade de vocabulário para me dizer
quem é, tento dar todo o amor e apoio para que seja a pessoa mais inteira que
puder fora das restrições que vêm com o rótulo menino ou o rótulo menina",
disse à rede de TV CBC News.
Kori trabalha com educação
comunitária e integra a Coalizão de Identidade sem Gênero, ONG que defende que
a categoria "sexo" seja retirada de todos o documentos oficiais dos
cidadãos. Argumenta que quem não se
identifica com o gênero oficial enfrenta vários problemas ao tentar mudar seus
documentos mais tarde na vida. Kori é uma das oito pessoas
envolvidas em uma ação levada ao Tribunal de Direitos Humanos de Colúmbia
Britânica que pede a omissão do gênero em documentos emitidos em todo o Canadá.
Debate
Atualmente, o tema já é
alvo de debate em outras Províncias do país, como Ontário e Alberta, onde estão
sendo revistas políticas para incluir uma terceira possibilidade, uma opção de
gênero não binário, em documentos oficiais. Kori não considera a
criação de uma terceira opção a solução ideal, mas avalia como uma saída viável
para o problema.
Segundo a advogada Findlay,
um argumento recorrente contra a omissão do gênero em documentos é que isso é
necessário para gerar estatísticas sobre a população. Ela diz que a omissão não
implica que esse dados não serão coletados, mas sim que isso será feito
anonimamente e sem ligação com a identidade de uma pessoa. "Nossa cultura é
obcecada em saber se (um bebê) é menino ou menina, mas não cabe ao governo
certificar essa informação sem saber se isso é verdade", disse Findlay.
Fonte: http://trib.al/EgZIBY2