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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

A estridência do silêncio - Augusto Nunes

Revista Oeste

Sem sair de casa, o Brasil decente mostrou no Sete de Setembro que a rua lhe pertence

  

  Janja e Lula durante o desfile de Sete de Setembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF, 7/9/2023) | Foto: Ricardo Stuckert / PR [está faltando alguma coisa ??? lembramos: FALTA O POVO]
 

Em 1982, o presidente João Figueiredo anunciou a criação de um Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e instalou o general Danilo Venturini na sala no terceiro andar do Palácio do Planalto reservada ao chefe desse filhote de mamute administrativo. 
Intrigado, o ex-presidente Ernesto Geisel quis saber de um jornalista com quem conversava frequentemente quais seriam as atribuições do novo ministro. Ouviu em resposta que Figueiredo, por gostar de aconselhar-se com Venturini em momentos especialmente complicados, resolveu ter o consultor preferido a poucos metros de distância. “Entendi”, disse Geisel. “O Venturini vai assumir a chefia do Ministério para Ficar Perto de Mim.” Perfeito. Ir direto ao ponto é isso aí. 

 

 
7 de setembro de 2022, o maior da história! Nós nunca desistiremos do Brasil! 
 
 
O consórcio da imprensa conseguiu enxergar uma “reforma ministerial” nos arranjos concebidos por Lula e Arthur Lira para convencer parlamentares do centrão a aprovar sem favores adicionais projetos fabricados pelo governo. Quem vê as coisas são entendeu que, com a substituição da ex-jogadora de vôlei Ana Moser pelo deputado André Fufuca, recordista maranhense na modalidade não olímpica salto sobre o Orçamento, o nome certo do Ministério do Esporte seria Ministério para Alugar o PP. 
 
O Ministério de Portos e Aeroportos saiu das mãos de Márcio França e agora é chefiado pelo deputado Sílvio Costa Filho, especialista em pousos e decolagens nas imediações de cofres públicos, certo? Por que não rebatizar essa fatia do bolo federal de Ministério para Arrendar Republicanos?

Na live deste 3 de setembro, Lula avisou que estava em trabalho de parto o caçula do primeiro escalão. “Vamos criar o ministério da pequena e média empresa, das cooperativas e dos empreendedores individuais, para que tenha um ministério específico para cuidar dessa gente que precisa de crédito e de oportunidade”, explicou o palanque ambulante

Dois dias depois, nasceu o Ministério do Empreendedorismo, Inovação e Economia Criativa. Podem chamá-lo de Ministério para Amansar o PSB que ele atende. O 38º galho do mais frondoso primeiro escalão da história estava desde janeiro no quintal do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, comandado pelo tucano convertido em socialista Geraldo Alckmin. Foi podado e mudou de árvore para que nele se pendurasse o companheiro despejado da gerência de portos e aeroportos. Márcio França disse a Lula que só não se sentirá rebaixado se o novo ministério for vitaminado pela incorporação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e alguma diretoria com microcrédito do BNDES. O presidente ficou de pensar.

Cretinice é desdenhar do povo, ensinaram no Sete de Setembro as ruas desertas, o desaparecimento dos brasileiros agredidos pela ignorância arrogante e, sobretudo, o estridente silêncio nacional

Em democracias adultas, políticos profissionais aprendem ainda no berçário que governar é escolher. Escolher prioridades, escolher caminhos, sobretudo escolher pessoas. 
Bons governantes recorrem aos critérios da meritocracia para alojar nos lugares certos o homem certo ou a mulher certa. 
Nestes trêfegos trópicos, um estadista de galinheiro transformou o primeiro escalão num balaio em que se amontoam companheiros desempregados pelas urnas, a irmã de Marielle Franco cujo currículo tem como único item ser irmã da vereadora assassinada, um zero com louvor em economia no comando do Ministério da Economia, uma ex-adversária que se dispensa de planejar o que fará porque o futuro a Deus pertence, um caso de polícia que ao ser nomeado já era menor que a própria capivara, um comunista que precisou de poucos meses no Ministério da Justiça e da Segurança Pública para virar Rei Momo do Carnaval no Clube do Cafajestes, perfeitas cavalgaduras e assombrosas nulidades, fora o resto.
 
Mas as coisas nunca estiveram tão bem, jurou o presidente no pronunciamento transmitido para todo o país na noite de 6 de setembro. 
O Brasil Maravilha de Lula só não chegou à perfeição porque teve de dedicar muitos dias ao esforço de restaurar o respeito do mundo inteiro pela nação que voltou a presidir. 
Faltou-lhe tempo para prender Jair Bolsonaro, ferrar Sergio Moro com a cassação do mandato de senador, induzir o Supremo a adotar o voto secreto e cuidar de meia dúzia de relevantes miudezas
Fora isso, Lula só vê motivos para festas. O PIB cresceu, a inflação caiu, os pobres regressaram à classe média, o desemprego está perto de zero, sobra comida para todos, os inadimplentes pagaram o que deviam, foi restabelecida a harmonia entre os Três Poderes e a praga do golpismo foi erradicada pelo Judiciário, e o casamento com Janja esbanja solidez. 
Pelo que disse o único deus da seita, se melhorar, estraga. 
 
A discurseira reiterou que, aos olhos do poderoso patife, o Brasil é habitado por um vasto aglomerado de idiotas. 
Cretinice é desdenhar do povo, ensinaram no Sete de Setembro as ruas desertas, o desaparecimento dos brasileiros agredidos pela ignorância arrogante e, sobretudo, o estridente silêncio nacional. 
 Até os napoleões de hospício entenderam o recado: o Brasil decente não comemora o Dia da Independência sob um governo infestado de liberticidas. 
Não houve plateia nos festejos organizados por quem sonha com o assassinato das liberdades democráticas.  
Nem haverá, avisam os vídeos que eternizaram o mais constrangedor momento do Sete de Setembro em Brasília: de pé no carro presidencial, o primeiro casal acena para ninguém.

Milhões de brasileiros ficaram longe da festa porque quiseram. Sem sair de casa, o país que presta mostrou que as ruas, praças e avenidas lhe pertencem.

Leia também O promotor deveria ter ouvido o juiz”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Alto risco: policiais grávidas de São Paulo participam de operações e condução de presos - O Globo


sábado, 11 de fevereiro de 2023

O peso da História - Alon Feuerwerker

Análise Política

Um paradoxo assombra a política e a análise política. Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores elegeram-se porque conseguiram atrair por gravidade o apoio de um segmento minoritário da direita não bolsonarista. Um setor que participara ativamente da ofensiva antilulista e antipetista no dito mensalão, na Lava-Jato, no impeachment de Dilma Rousseff e na inelegibilidade e prisão de Lula.

Decorre também desse paradoxo o cenário curioso, mas analiticamente bem decifrável, em que Lula está obrigado a fazer um governo de coalizão com o “centro”, pois não detém maioria parlamentar própria, está longe disso, enquanto busca a todo momento e em todos os terrenos fortalecer seu campo político, programática e organicamente, e enfraquecer esse centro. Tem lógica, mas é uma linha algo diferente da do outro presidente Lula, aquele do passado.

Todo líder e grupo político buscam o poder. Se estão nele, a preocupação central é como mantê-lo. No caso de Lula e do PT, o cálculo delicado parece buscar o ponto ótimo em que a direita centrista estará com o governo para evitar sua queda, mas não ficará forte o suficiente para nutrir realisticamente ambições próprias. Ou, pior, voltar a flertar com o bolsonarismo que apoiou em 2018.

Enquanto oferece recompensas a esse grupo, ou conjunto de grupos, precisa também submetê-lo. É o que no PT se chama de “fazer a disputa”. No momento, Lula e o PT não estão “fazendo a disputa” somente contra Jair Bolsonaro, que afinal continua sendo o dono da esmagadora maioria do voto antipetista, mas também, e talvez principalmente, contra os companheiros ocasionais de viagem.

No passado, houve momentos em que Lula pareceu atraído pela possibilidade de as alianças táticas ganharem caráter estratégico. Entre 1989 e 1994, PT e PSDB foram partidos quase irmãos, ou pelo menos primos, nutridos ambos na luta contra o que se chamava de “corrupção e fisiologismo” da Nova República. O namoro acabou quando Fernando Henrique Cardoso se juntou ao PFL (hoje União Brasil) para derrotar Lula.

Depois, ao longo de seus 14 anos no Planalto, Lula pareceu progressivamente atraído pela possibilidade de uma união estável com o "centro democrático". O momento-chave foi quando buscou uma aliança com o então PMDB de Michel Temer na eleição da presidência da Câmara dos Deputados em 2007, o que abriu caminho para Temer ser o vice de Dilma em 2010. O mesmo Temer que viraria o pivô da deposição dela em 2016.

É verdade que em algum momento parte do PT calculou ser melhor para o futuro do partido a abreviação do governo Dilma. Outra verdade: na véspera do desfecho, Lula buscou os velhos aliados do MDB com um apelo dramático pela permanência de Dilma, mas bateu num muro de gelo. Ali já estava em pleno trabalho de parto o projeto de poder da aliança PMDB-PSDB.  Que depois foi atropelado pela revolução bolsonarista com quem o centro se abraçara em 2015-16.

A eleição de 2022 e os fatos recentes vêm ressuscitando o discurso da “frente ampla em defesa da democracia”, graças também à ajuda de Bolsonaro. Mas essa tentativa de repetição da história traz boa dose de artificialidade, pois, se é verdade que o PT nunca fez a autocrítica que os adversários lhe exigiram, também é fato que, no olhar de Lula e do PT, os hoje aliados são os mesmos que ontem os esfaquearam.

A História pesa. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

As lições de 1940 para 2023 - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Muitos passaram por eventos muito piores e a vitória veio em algum momento, porque estavam do lado certo da história. Como nós estamos 

Gary Oldman, como Winston Churchill, no filme <i>Darkest Hour</i> | Foto: Divulgação

Gary Oldman, como Winston Churchill, no filme Darkest Hour | Foto: Divulgação 
 
Não foi apenas todo o ano de 2022 do brasileiro que foi conturbado, o final do ano foi um caos.  
Eleições nada transparentes, sistema eleitoral comprometido com juízes ativistas que, claramente, favoreceram um candidato corrupto, inconstitucionalidades sendo chanceladas por ministros com o “novo normal jurídico”…  
A lista de absurdos no Xandaquistão aumenta em uma velocidade alarmante. Sem contar as semanas de “Sobe a rampa. Não sobe a rampa”.
 
Mas e aí? Como entraremos em 2023? Sento-me para escrever o último artigo de 2022 e penso: esta edição sairá no dia 30 de dezembro de 2022, mas o que será do dia 31? O ex-presidiário vai subir a rampa?  
O presidente Bolsonaro acionará algum artigo constitucional para restabelecer as leis e a ordem no país, destruídas por militantes da Suprema Vergonha?

Ninguém sabe. Ok, mas então o que podemos levar para o ano que está para nascer já com medo de nascer velho, se não sabemos o que esperar desse parto? Creio que entraremos em rota de inúmeros medos e também certezas que são de arrepiar. Aquelas que, se concretizadas, trarão o período mais nefasto da nossa história. A pior gangue política que o Brasil, quiçá o mundo, já viu e agora de volta à cena do crime com requintes de crueldade e vingança.

Saio do computador. Faço um café e volto. Não posso encerrar o ano escrevendo um texto “para baixo”, apesar do cenário devastador sendo pintado — com ou sem rampa para o ex-presidiário. Mesmo nesse tabuleiro do medo sendo formado, precisamos arrancar as lições de tudo o que passamos até aqui, de tudo o que foi dito e feito desde 2018. Um ciclo presidencial se fecha automaticamente, e as lições agora se abrem para o aprendizado. E elas não são poucas.

Seria impossível desenrolar todas as nuances dos eventos dos últimos quatro anos e tocar em suas cicatrizes, para o bem ou para o mal. Nesta semana, a conexão do que passamos no Brasil foi me apresentada através de uma obra do cinema que retratou páginas inesquecíveis da história da humanidade. É impressionante como exemplos de líderes em certos eventos, até cronologicamente distantes do mundo atual, podem ressoar de maneira profunda até hoje.

O espírito divino
O filme O Destino de uma Nação (Darkest Hour, 2017) é uma daquelas obras a que você pode assistir três, quatro, cinco vezes. Toda vez que sentarmos diante dessa obra, vamos notar alguma coisa que pode ter passado de maneira tímida ou até despercebida, mas que, por alguma razão, vai saltar aos olhos no último repeteco como se você nunca tivesse visto o filme antes.

Recentemente, escrevi sobre a histórica operação em Dunquerque, batizada oficialmente de “Operação Dynamo”, quando 200 mil soldados britânicos e 140 mil soldados franceses e belgas foram salvos numa evacuação maciça das praias e do Porto de Dunquerque, na França, com a ajuda de centenas de embarcações navais e civis. O filme Dunkirk, um sucesso do cinema que nasceu com etiqueta de clássico, retrata com maestria as aflições humanas em meio a uma guerra, e a beleza do espírito divino que pode se manifestar em todos nós diante do medo e do horror.

Às vezes, esse espírito se manifesta organicamente, sem uma liderança específica, como uma ferramenta de sobrevivência das massas. Às vezes, ele é despertado por almas pinçadas a dedo no espectro especial na humanidade para que lições de liderança se eternizem — e os bons prosperem. Dunkirk é espetacular, assim como Darkest Hour, ou como poderíamos chamar, “Os bastidores de Dunkirk”. A performance de Gary Oldman como Winston Churchill foi agraciada com inúmeras premiações e sua atuação foi também coroada com o Oscar de melhor ator em 2018.

Darkest Hour oferece o lado diplomático do que vemos em Dunkirk. A história se desenrola com o drama da ascensão do primeiro-ministro britânico Winston Churchill ao poder durante a invasão nazista da França, em maio de 1940. O antecessor de Churchill, Neville Chamberlain, havia perdido a confiança do povo inglês e do governo britânico. Sua fracassada tentativa de uma conciliação com Adolf Hitler e os desastrosos primeiros nove meses da Segunda Guerra Mundial pareciam ter feito a Grã-Bretanha perder todas as possibilidades de vitória no conflito.

“Você não pode argumentar com um tigre quando sua cabeça está na boca dele”

Churchill, mesmo não sendo o nome preferido dentro do Partido Conservador, foi convidado a se tornar primeiro-ministro no mesmo dia em que Hitler invadiu a França, a Bélgica e a Holanda. Os exércitos das três democracias, que juntos eram maiores do que as forças militares da Alemanha, entraram em colapso em poucas semanas. Cerca de 200 mil soldados britânicos foram milagrosamente salvos pela ousada decisão de Churchill de arriscar evacuá-los pelo Mar de Dunquerque, para onde a maior parte do que restava da Força Expedicionária Britânica havia recuado. Mas o maior problema de Churchill não era apenas salvar o Exército britânico, mas enfrentar a realidade de que, com a conquista alemã da Europa, o Império Britânico não teria aliados. A União Soviética quase se juntou à Alemanha de Hitler sob o infame “Pacto de Não Agressão” de agosto de 1939, e os Estados Unidos estavam determinados a permanecer neutros a todo custo. O triste telefonema de Churchill com o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, retrata a sinuca entre os líderes: FDR garante a Churchill que, em teoria, ele queria ajudar, embora na verdade não havia nada que ele pudesse fazer, já que o Congresso Americano havia votado pela neutralidade.

Com Hitler espalhando o terror pela Europa com suas violentas conquistas territoriais, um paralisante temor se espalhou por todo o governo britânico. Membros do novo gabinete de guerra de Churchill queriam pedir a paz. Chamberlain e Edward Wood (conhecido como Lord Halifax) acreditavam que Churchill estava desordenado por acreditar que a Grã-Bretanha poderia sobreviver à barbárie de Hitler. Ambos os apaziguadores acreditavam que o ditador italiano Benito Mussolini poderia ser persuadido a implorar a Hitler que cancelasse sua planejada invasão da Grã-Bretanha. Eles queriam acreditar que Mussolini poderia salvar um fragmento da dignidade inglesa por meio de uma rendição britânica arranjada. Mas Churchill, não.

Diferentemente de Dunkirk, com cenas apenas ao ar livre, Darkest Hour ocorre quase exclusivamente em ambientes fechados durante as sessões do Parlamento, reuniões privadas e cenas entre Churchill e sua igualmente brilhante esposa, Clementine. Os diálogos são fascinantes, e as atuações soberbas. E foi em uma cena de uma reunião com seu gabinete de guerra no bunker britânico que um diálogo saltou aos meus olhos nessa quarta ou quinta vez assistindo ao filme.

Perigo mortal
Naquele dia, havia apenas um tópico a ser discutido entre os presentes: a abordagem sugerida para que a Itália fosse uma intermediária de um acordo de paz. Lord Halifax, que demonstrava veemente oposição aos planos de Churchill de continuar lutando na guerra, precisava mostrar força a um gabinete acuado, sugerindo que o papel da Itália como mediadora entre o Reino Unido e a Alemanha em um acordo de paz com Hitler seria a melhor opção para os britânicos. A troca entre Halifax e Churchill em 1940 nunca foi tão útil e preciosa em 2022. Empenhado em desafiar Churchill e mostrá-lo como um arrogante e irresponsável, Halifax inicia o discussão:

Primeiro-ministro, a questão das conversações de paz.

— Devemos segurar nossos nervos. Sinalizar apenas que pretendemos lutar até o fim. Uma oferta de paz telegrafa nossa fraqueza.  — Churchill responde.

E continua de maneira mais enfática:

— E, mesmo que fôssemos derrotados, não estaríamos em situação pior do que estaríamos se abandonássemos a luta. Se o pior acontecer, não seria uma coisa ruim para este país cair lutando por outros países que foram vencidos pela tirania nazista. Evitemos, portanto, ser arrastados pela ladeira escorregadia com conversas sobre paz negociada!

“Ladeira escorregadia”? A única ladeira escorregadia é…

Churchill, esbravejando, então interrompe Hallifax:

— Lord Halifax, a abordagem que você propõe não é apenas fútil, mas nos envolve em um perigo mortal.

Halifax mostra que não está disposto a desistir de sua estratégia:

O perigo mortal aqui é essa fantasia romântica de lutar até o fim. Qual é o fim? Se não a destruição de todas as coisas! Não há nada de heroico em cair lutando se isso puder ser evitado! Nada remotamente patriótico em morte ou glória, se as probabilidades estiverem firmes no primeiro. Nada inglório em tentar abreviar uma guerra que estamos claramente perdendo!

Churchill tenta argumentar que não estão perdendo e que a Europa… Quando é interrompido por Halifax que grita:

— A Europa está perdida!! E antes que nossa força seja completamente aniquilada, agora é a hora de negociar, a fim de obtermos as melhores condições possíveis! Hitler não insistirá em termos ultrajantes. Ele conhecerá sua fraqueza. Ele será razoável.

Churchill permanece em silêncio, se ajeita na cadeira depois de uma breve pausa e, enfurecido, explode diante de todos:

— Quando a lição será aprendida?!

E com um murro na mesa, repete:

— Quando a lição será aprendida?! Quantos ditadores mais deverão ser cortejados, saciados, com imensos privilégios concedidos antes de aprendermos?!

E em uma brilhante frase, resume o que devemos levar para inúmeras situações da vida:

— Você não pode argumentar com um tigre quando sua cabeça está na boca dele!!

Sozinho, Churchill viu um caminho para a vitória contra todas as adversidades. Como observa o filme, Hitler poderia ter tido o maior Exército do mundo na primavera de 1940, mas ainda não tinha como transportá-lo através do Canal da Mancha, devido ao domínio naval britânico esmagador. Churchill assumiu que, se a Grã-Bretanha e seu império ultramarino pudessem resistir, um Hitler frustrado poderia se voltar para outro lugar — e assim ganhar novos inimigos, e os britânicos, novos aliados.

E foi exatamente isso o que aconteceu em junho de 1941, um Hitler frustrado invadiu a União Soviética. Mais tarde, ele declararia guerra aos Estados Unidos e, em dezembro de 1941, a Alemanha estava em guerra contra a maior economia do mundo (americana), a maior marinha (britânica) e o maior Exército (soviético) ao mesmo tempo.

Neste final de semana, quero convidá-los a preparar um futuro além de 2023. Peguem as crianças já em idade escolar capazes de entender a história mundial, tirem os adolescentes do TikTok, comprem pipoca, limonada e sentem para ver Dunkirk e Darkest Hour juntos. Além da especial maratona cinematográfica juntos, nada substitui um tempo com a família e amigos. Podemos — e devemos! — colocar sementes importantes nesses jovens corações para que eles entendam o sacrifício a que homens e mulheres se submeteram para que a atual liberdade pudesse ser desfrutada.

O magistral Churchill do ator Gary Oldman lembra a uma geração de jovens globais amnésicos que, há mais de 80 anos, o desafio obstinado de um inglês resmungão de 66 anos e com pouco mais de 1,50 metro salvou a civilização ocidental da barbárie nazista. E que tudo, absolutamente tudo sobre aquela geração, pode — e deve! — ser aproveitado em 2023.

Para nós, adultos, exauridos com tudo a que fomos submetidos neste ano, eu sei, estamos cansados. Foi uma pancada atrás de pancada e a sensação de derrota é acachapante e dolorida demais. Mas vamos olhar a história: no final da batalha de Dunquerque, 235 navios foram perdidos, com pelo menos 5 mil soldados. Os alemães conseguiram capturar 40 mil soldados. Embora a operação milagrosa tenha sido considerada uma “derrota” militar, a retirada com pesadas baixas e o resgate de quase meio milhão de soldados de Dunquerque passaram a ser uma das vitórias mais importantes e inspiradoras da guerra — e podem muito bem ter mudado seu resultado de tudo. Dunquerque foi o começo do fim do Terceiro Reich.

Esperança! Muitos passaram por eventos muito piores e a vitória veio em algum momento, porque estavam do lado certo da história. Como nós estamos.

Obrigada pela preciosa companhia de todos toda semana aqui em nossa Revista Oeste durante mais um ano de parceria e confiança. Vamos seguir mais firmes do que jamais estivemos.

Leia também “Um Natal na cozinha, e não nas redes sociais”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 


segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Vamos imaginar uma historinha? - Jacornélio M. Gonzaga

Era uma vez um médico anestesista que, após suspeitas de médicos e enfermeiros de determinado hospital, foi preso em flagrante por estupro de vulnerável, depois de enfiar seu pênis na boca da paciente sedada durante a realização do parto.

Para confirmar as suspeitas, enfermeiras trocaram a sala de cirurgia e colocaram um celular para filmar a situação, onde pôde se constatar que o médico usou 7 vezes mais sedação que o necessário e após o nascimento do bebê, pediu que o pai se retirasse da sala, momento em que coloca seu pênis na boca da paciente desacordada e após minutos ejacula em sua boca, tudo sendo registrado pela câmera do celular de uma das enfermeiras.

O médico foi preso em flagrante, sofrendo consequências penais e administrativas. Foi expulso pelo Conselho Regional Medicina; foi condenado em primeira e segunda instância na esfera criminal.        Em âmbito de Tribunal Superior também foi condenado. Cabe destacar que durante todo o processo a defesa entrou com inúmeros recursos para tentar reverter a sua situação.

Não vamos considerar a amizade que esse médico tem com alguns juízes das cortes superiores, mas em dado momento a sua defesa entra com um habeas corpus com a tese de que o meio utilizado para comprovar o estupro fora obtido de maneira ilegal. 
Este Habeas corpus foi negado por meio de decisão monocrática de um Ministro do Supremo, onde este ressaltou que esta matéria fora discutida por mais de 10 vezes durante o curso do processo.

O seu advogado entrou com embargos de declaração e em seguida agravo regimental, sendo tal matéria remetida ao plenário do Tribunal, onde, além de ministros mudarem o seu voto e o entendimento da própria corte, outro se emociona com a galhardia e afinco na atuação do advogado, declarando por decisão dividida (7x2) que houve de fato uma falha processual e que o vídeo não pode ser utilizado como prova, reformando todas as decisões baseadas naquela prova, inclusive em âmbito do Conselho de Medicina, liberando o Médico Anestesista para voltar ao centro cirúrgico.

Tem gente que mesmo vendo tudo que aconteceu, mesmo olhando as imagens acreditam realmente que a questão processual inocentou o médico anestesista.
Para estes eu recomendo que marquem qualquer tipo de cirurgia com esse tipo de médico, afinal de contas ele é inocente.
Ah! Mas se algo se repetir, não reclame, quem quis fazer a cirurgia com esse médico anestesista foi você.

Transcrito do Site do Puggina - Jacornélio M. Gonzaga

 

sábado, 11 de dezembro de 2021

Fronteira demarcada - Revista Oeste

Câmara dos Deputados | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Câmara dos Deputados | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 
Há um recurso pronto para decolar rumo ao STF assim que se consuma uma derrota no Congresso da Rede e seus comparsas
Um projeto de lei, uma medida provisória, uma proposta de emenda à Constituição, qualquer pretexto serve. 
O presidente da República nomeou alguém que não merece o cargo? Acione-se o Supremo. A instauração de uma CPI parece lenta? Recorra-se ao Supremo. 
Tudo está sob a vigilância do senador Randolfe Rodrigues e seus asseclas fantasiados de Pai da Pátria: paletó azul comprido demais com botões explodindo no ventre (eles sempre se acham mais altos e menos gordos do que são), calça com a barra derramada sobre sapatos pretos de bico fino, camisa azul-piscina e gravata vermelha. Desde o início do governo Bolsonaro, esse uniforme tem sido visto com maior frequência nos arredores do STF do que no local do emprego da turma.
 
Foi um recurso encaminhado pela Rede, por exemplo, que animou o ministro Luís Roberto Barroso a ordenar a instauração da CPI da Covid, um palanque pilotado por Renan Calheiros que deu em nada
Mas foi também açulada pela mesma bancada que a ministra Rosa Weber tentou invadir outros territórios governados pelo Legislativo. A reação dos parlamentares mostrou que o STF pode muito, mas não pode tudo. 
Não pode, por exemplo, desafiar o corporativismo da Câmara com uma decisão que afetaria o patrimônio politico-eleitoral dos deputados federais. A colisão deixou claro que o Poder Moderador do tribunal só existe na cabeça do ministro Dias Toffoli. A Comissão Mista de Orçamento aprovou o relatório do deputado Hugo Leal (PSD-RJ) na segunda-feira 6, que será referendado pelo plenário do Congresso Nacional até o fim deste mês. O texto reserva mais de R$ 90 bilhões para as chamadas emendas parlamentares.

Na mesma segunda-feira, Rosa Weber desistiu da perigosa ideia de barrar a votação. Nas semanas anteriores, ela fora pressionada por partidos de oposição e pela imprensa velha. Prontos para debitá-lo na conta de Jair Bolsonaro, os redatores de manchetes esperaram com avidez o nascimento do que foi batizado deOrçamento secreto”, ainda que todos os números sejam publicados no Diário Oficial da União. O escândalo não sobreviveu aos trabalhos de parto.

O que seria essa contabilidade criminosa? Resumo da ópera: o relator separa uma fatia do bolo que é liberada sem identificar o autor da emenda. A proposta foi previamente debatida por líderes de partidos e consultores legislativos. Avançava sem sobressaltos até que os jornais resolveram que se tratava de uma trama urdida por aliados do presidente Jair Bolsonaro no centrão — e que esse dinheiro seria usado para a compra de apoio na sucessão de 2022.

Num país como o Brasil, tudo parece roubalheira. Nem sempre é. Emenda é um pedaço do Orçamento que cada congressista decide livremente como aplicar. Quando o valor é muito alto, os parlamentares eleitos pelo mesmo Estado se juntam e apresentam uma “emenda de bancada”. Esses recursos serão usados para construir uma ponte num município de Minas Gerais, reformar uma praça no Paraná, asfaltar uma estrada municipal em Mato Grosso ou comprar equipamentos hospitalares para a Santa Casa de Murici.

“É preciso separar o que pode ser considerado imoral do que é corrupção”, afirma Alexandre Ostrowiecki, fundador do Ranking dos Políticos, que avalia o desempenho de deputados e senadores em atividade. “Embora não seja ilegal, as emendas parlamentares não deveriam existir, porque servem de ‘toma lá, dá cá’. Esse é o jogo que o Congresso sabe fazer.”

A polêmica das emendas
A polêmica da vez gira em torno das emendas do relator — as RP9, em congressês. O responsável por elas é o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), a quem caberá monitorar a divisão de R$ 16,2 bilhões. Esse dinheiro não levará a assinatura do autor formal, mas, sim, a dele, e precisa obrigatoriamente ser usado para melhorias em saúde, saneamento básico e desenvolvimento regional.

No mês passado, Rosa Weber submeteu a análise do recurso ao plenário, que acolheu a tentativa de empurrar o jogo para o tapetão por 8 votos a 2. O pagamento das emendas foi proibido. Nesta semana, contudo, atendendo aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a ministra recuou. Disse ter compreendido que há “risco de prejuízo com a paralisação da execução orçamentária à prestação de serviços essenciais à coletividade”. [não pode ser olvidado que os recursos serão usados "obrigatoriamente para melhorias em saúde, saneamento básico e desenvolvimento regional".]

Na prática, nada vai mudar na forma de distribuição do Orçamento. No máximo, as emendas do relator passarão a levar o carimbo de mais gente em 2022. E só. Mas Rosa Weber decerto entendeu o recado de Lira e Pacheco: é mais sensato não colocar a colher na sopa dos parlamentares.

Depois do recuo de Rosa Weber, segundo o site Contas Abertas, R$ 100 milhões já foram “empenhados” (palavra que significa um compromisso de pagamento ainda não efetivado). Desse montante, um terço foi para o Piauí (Estado de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil), outro terço foi repartido entre a Bahia (maior colégio eleitoral do Nordeste) e Minas Gerais (o segundo do país). A fatia restante ficou com os demais Estados e o Distrito Federal.

Morreu sem ter nascido o “escândalo das emendas secretas”.

Leia também “A primeira derrota do STF”, um artigo de J.R. Guzzo

Silvio Navarro, colunista - Revista OESTE


sábado, 16 de outubro de 2021

Delação fantasiada de jornalismo - Revista Oeste

Augusto Nunes

Folha atropela a Constituição e viola o sigilo da fonte alheia 

Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso entraram emparelhados na reta final da corrida pela prefeitura de São Paulo. A votação ocorreria no dia 15, uma sexta-feira, e me cabia cuidar da reportagem de capa da revista Veja, que incluiria obrigatoriamente o ainda imprevisível desfecho do duelo. Para redigir o texto eu teria parte da noite de sexta e a madrugada de sábado. O problema era a foto. Como a capa da edição requeria cuidados que consumiam cerca de 48 horas, a imagem teria de ser produzida até o dia 13. E havia uma complicação adicional: o ex-presidente e o senador deveriam posar para a câmera — separadamente, claro — sentados na cadeira então ocupada pelo prefeito Mário Covas. Jânio nem quis conversa. Mandou um assessor avisar que não confiava em nenhum jornalista e encerrou o assunto. Bem mais gentil, Fernando Henrique aceitou de imediato a proposta da revista: se não vencesse a eleição, receberia tanto as fotos reveladas quanto os negativos. Na tarde da quarta-feira, a sucessão de cliques se aproximava do fim quando uma assessora do candidato entrou no gabinete para transmitir-lhe a insatisfação de duas duplas, compostas de um repórter e um fotógrafo, acampadas na sala de espera.

Os coleguinhas estão enciumados — informou a assessora, referindo-se aos jornalistas do Estadão e da Folha de S.Paulo. — Acham que a Veja tem tratamento privilegiado.

Depois de alguns segundos de silêncio, Fernando Henrique quis saber se me opunha à entrada dos queixosos. — O senhor é quem decide — saí pela tangente. — Mas acho bom deixar claro que as fotos estão embargadas até o encerramento da apuração.

Os quatro jornalistas concordaram sem hesitação com os termos do acordo. No dia seguinte, descobrimos que a Folha resolvera antecipar-se à Veja e ao Estadão: lá estava a foto embargada arrendando um latifúndio de papel na primeira página. O repórter alegou mais tarde que o editor de Política se limitara a lembrar aos dois subordinados que nenhum deles estava autorizado a fechar acordos em nome do jornal. Ainda hoje a foto é apresentada como prova do presunçoso açodamento de um poço de vaidade. Tremenda fake news. Fernando Henrique foi vítima de mais uma prova contundente de que a Folha não tem palavra.

Entrevistado pelo programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, o jornalista Alexandre Garcia resgatou outro episódio exemplar. Ele era subsecretário de Imprensa Nacional do governo João Figueiredo quando foi encarregado de escalar o grupo de colegas que testemunhariam um encontro entre o presidente da República e o cardiologista Euryclides Zerbini. A pedido de amigos e parentes de Figueiredo, o médico famoso tentaria publicamente convencer o chefe de governo a abandonar o cigarro. Foi o que fez quando a conversa ia chegando ao fim. Zerbini insistiu em saber o que impedia o anfitrião de livrar-se do vício. A resposta emergiu já com cara de manchete: “Doutor, eu não paro de fumar porque não tenho caráter”. Garcia assustou-se: “Imaginei o Hélio Fernandes afirmando na primeira página da Tribuna da Imprensa que Figueiredo finalmente havia reconhecido que não tem caráter”, contou Garcia, que foi à luta: por telefone, repetiu aos participantes do encontro, um por um, o mesmo pedido escoltado pelo mesmo argumento. “Não use aquela frase, por favor. No Rio Grande do Sul, não ter caráter quer dizer que a pessoa não tem força de vontade.” Todos prometeram atender ao apelo, inclusive o enviado pela Folha. Todos cumpriram a promessa, menos a Folha, que incluiu na reportagem a frase que atribuía o tabagismo à falta de caráter.

Entre leitores capazes de assoviar e caminhar ao mesmo tempo, esses registros na folha corrida podem ter abrandado a surpresa, mas não o assombro provocado pela manchete da edição deste 7 de outubro, uma quinta-feira: BLOGUEIRO BOLSONARISTA USA DE INFORMANTE ESTAGIÁRIA DO STF. 
Sete palavras e uma sigla resumem a reportagem, torpe na forma e sórdida no conteúdo, que se baseou em diálogos telefônicos grampeados pela Polícia Federal para concretizar uma façanha e tanto. Simultaneamente, a Folha conseguiu reduzir a farrapos bandeiras que vive hasteando ao som de tambores e clarins, violentar a Constituição com o estupro do sigilo da fonte e consumar o parto do jornalismo de delação.

“Blogueiro bolsonarista” foi a expressão escolhida para esconder a atividade profissional de Allan dos Santos, que comanda o portal Terça Livre e é tão jornalista quanto qualquer condecorado com um crachá da Folha. A palavra “informante”, pinçada do jargão policial, tentou transferir para uma fonte o papel que a Folha desempenhou: dedo-duro. As patéticas trucagens se completaram com o termo “estagiária”, que confere ares de jovem avoada à brasileira Tatiana Garcia Bressan, de 45 anos, que trabalhou por 18 meses no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski. Essas piruetas semânticas tentaram camuflar a verdade vergonhosa: a Folha pariu a imprensa delatora para transformar em casos de polícia um jornalista e uma funcionária que o ajudara a ver o Supremo como o Supremo é. Nada do que Tatiana revela surpreende quem conhece o Pretório Excelso. Num dos trechos destacados pelo jornal, por exemplo, Tatiana diz que se espantou ao constatar que os ministros mudam frequentemente de ideia quando políticos de estimação necessitam de ajuda. Ganha uma viagem só de ida para a Venezuela quem ainda não sabia disso.

O que seriam “jornalistas de verdade”? Os formados por faculdades de comunicações?

A delação pareceu funcionar. Na edição seguinte, a Folha noticiou que o ministro Alexandre de Moraes anexara a “informante” ao inquérito das fake news (podem chamá-lo de “inquérito do fim do mundo”; ele atende). A medida incorporou a delatada ao elenco de depoentes na mira da Polícia Federal. Previsivelmente, redes sociais trataram de fechar a Allan dos Santos os espaços que ocupa. Mas o jornal que faz o diabo para derrubar o presidente fora longe demais. Dois dias depois da feérica entrada em cena, o caso caiu fora da Folha à francesa — e não voltou a dar as caras sequer nas páginas internas. O jornalista Nelson Rodrigues provavelmente teria sugerido que os autores da ignomínia sentassem no meio-fio, chorando lágrimas de esguicho, até se sentirem prontos para a expiação da torpeza numa seção “Erramos” de página inteira. Em vez disso, os envolvidos no espetáculo da infâmia andam murmurando por aí que só jornalistas de verdade têm direito ao sigilo da fonte.

O que seriam “jornalistas de verdade”? Os formados por faculdades de comunicações? De jeito nenhum, garante o editorial da edição de 19 de junho de 2009, que exaltou o Supremo Tribunal Federal por ter abolido a exigência do diploma para o exercício da profissão. Trecho: “O que nunca se justificou — e vai se tornando cada vez mais anacrônico diante da proliferação do jornalismo pela internet — é restringir-se apenas aos detentores de diploma específico uma atividade que só se beneficia quando profissionais de outras áreas — médicos, biólogos, historiadores, filósofos — encontram lugar nas redações.” Outro parágrafo ensina que esse tipo de impedimento, “desconhecido na ampla maioria dos países democráticos, é incompatível com o direito à informação, com a liberdade profissional e com a realidade, cada vez mais complexa, do jornalismo contemporâneo”.

Coerentemente, vagas na redação e cargos de chefia estão ao alcance de gente que nunca viu de perto um professor de jornalismo. O próprio Otavinho Frias preparou-se para fundar a Folha moderna na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. É natural que tenha dispensado da apresentação de diplomas os originários de outras ramificações do conhecimento humano que hoje integram o primeiro escalão, como Gustavo Patu, Uirá Machado e Hélio Schwartsman. Erros cometidos por algum deles não podem ser atribuídos à formação profissional. Não foi por falta de estudos específicos, por exemplo, que Schwartsman confessou torcer pela morte do presidente da República. O que falta é parafuso. Ou juízo. Ou caráter. E o que sempre sobra é a vontade de fazer bonito nos bares da Vila Madalena frequentados pelos rapazes da imprensa. Allan dos Santos não é menos jornalista que carrascos homiziados em colunas de papel. O problema é que não deseja morte de nenhum adversário político. Pior: não apoia o impeachment de Jair Bolsonaro. Pior ainda: convive muito bem com o presidente da República.

O jornalista alvejado pela Folha decidiu processar Alexandre de Moraes pela quebra do sigilo da fonte
É mais uma evidência de que não houve nada de ilegal nas relações com Tatiana. 
Ainda que houvesse, ele seria beneficiário do precedente aberto por Glenn Greenwald. Suspeito de envolvimento no roubo de mensagens trocadas entre juízes e procuradores federais engajados na Operação Lava Jato, Glenn foi socorrido pelo ministro Gilmar Mendes, que proibiu qualquer tipo de investigação contra o advogado norte-americano que a Folha, em nome da coerência, deveria qualificar de “blogueiro lulista”. Caso alguém insistisse em investigá-los, Allan e Tatiana poderiam incorporar aos argumentos da defesa a montanha de artigos e reportagens que a Folha publicou em louvor da inviolabilidade do sigilo da fonte.

Já que vai processar Alexandre de Moraes, Allan poderia interpelar a Folha e a Polícia Federal sobre o vazamento das conversas que teve com a funcionária do STF. Quem entregou a qual jornalista a transcrição dos diálogos telefônicos? Vai ser divertido ver a Folha, no esforço para livrar-se de enrascadas judiciais, recorrer ao sigilo da fonte que acabou de estuprar.

Leia também “As soberbas lições de Sobral Pinto”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

''Um herói nacional'', diz Bolsonaro sobre Ustra,[" condenado"] por tortura

Correio Braziliense

Fala ocorreu após presidente ser questionado sobre a agenda que cumpre hoje ao receber a senhora Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, viúva do militar

O presidente Jair Bolsonaro celebrou o falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Nesta quinta-feira (8/8), o chamou de “herói nacional”, ao ser questionado sobre a agenda que cumpre hoje ao receber a senhora Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, viúva do militar. Ele foi o primeiro oficial das Forças Armadas condenado pela Justiça em ação declaratória por sequestro e tortura durante a ditadura militar, em 2008. [apesar do intenso esforço de parte da imprensa, dos militontos, de algumas ONGs de direitos humanos (direito dos manos, define melhor) e membros do MP, Ustra foi absolvido em vários processos, outros não chegaram a termo, e uma condenação que recebeu - a ação declaratória, citada - não transitou em julgado.

Assim, não teve, não e não terá, o valor de uma condenação transitada em julgado - uma sentença condenatória de primeiro grau, só passa a condenação após confirmada em segunda instância.]

A viúva de Ustra foi revisora do livro escrito por ele, A Verdade Sufocada. O presidente disse que ela é uma mulher que tem “histórias maravilhosas” para contar sobre presidiárias em São Paulo “envolvidas com a guerrilha”. “Tudo o que ela fez no tocante ao bom tratamento a elas, a enxoval, dignidade, parto. E conta uma história bem diferente daquela que a esquerda contou pra vocês. Tem um coração enorme. sou apaixonado por ela”, declarou Bolsonaro. [recomendamos também o livro do coronel Ustra, 'Rompendo o Silêncio' - os dois livros são dignos de leitura atenta e releitura.]

O presidente disse, em um primeiro momento, ter dito “muito contato” com Ustra. Depois, se corrigiu, afirmando ter tido “alguns contatos” com o militar enquanto estava vivo. “(É) um herói nacional, que evitou que o Brasil caísse naquilo que a esquerda hoje em dia quer. A história, a verdade, acabei de botar no meu Facebook. A definição da Comissão da Verdade que dei, em 2014. Vale a pena assistir, na tribuna da Câmara, cheia de parlamentares”, destacou.
 
Política - Correio Braziliense 
 



 

domingo, 2 de junho de 2019

Elas querem (mais) sexo

Pesquisa encomendada por VEJA com mais de 3 000 mulheres em relações estáveis revela o que elas pensam sobre o parceiro na cama


J., produtora, 37 anos, em um relacionamento há seis anos
“Falta a faísca, falta fogo. Quando eu era solteira, gostava muito de sexo e tinha sempre vontade de fazer. A rotina, o stress do trabalho e a mesmice deixaram o meu relacionamento morno. Tenho medo de dizer o que sinto e acharem que sou muito mandona ou castradora. Evito falar de sexo por medo de assustar ou de afastar meu companheiro ainda mais.”

As mulheres casadas estão insatisfeitas na cama. Eis o resultado, sem meias palavras, de uma pesquisa feita para VEJA pela sexóloga brasiliense Cátia Damasceno, animadora do mais popular canal do YouTube a respeito da sexualidade feminina, com mais de 4 milhões de inscritos, autoridade no assunto. Foram ouvidas 3 172 mulheres de todas as regiões do país, de 18 a 45 anos, em relacionamentos estáveis. A principal revelação: seis em cada dez afirmam querer relacionamentos sexuais mais frequentes e de melhor qualidade. Apenas 30% disseram estar felizes.

Quase a metade sonha ver o companheiro se comportar como no início da união, “com romance, surpresas e jantares” (acompanhe os resultados detalhados no gráfico abaixo). “Vivemos num momento de conquistas em que nos sentirmos desejadas e termos orgasmos passou a ser tão decisivo quanto buscar um espaço no mercado de trabalho ou na divisão justa das tarefas domésticas”, diz Cátia.

VEJA encomendou o levantamento ao perceber, no espaço eletrônico de Cátia e em outros endereços das redes sociais, um crescimento explosivo de reclamações femininas. Já não há dúvida: acabou o estereótipo do homem de apetite sexual inesgotável e da companheira que, para evitá-lo, alega a famosa “dor de cabeça” e vira de lado. É um tabu que aos poucos vem sendo superado. Elas querem mais, elas exigem mais, definitivamente, ainda que permaneça viva alguma barreira de vergonha, de incômodo — por isso, talvez, as personagens ouvidas por VEJA pediram anonimato (leia os depoimentos ao longo desta reportagem).

Ainda hoje, diz Carmita Abdo, psiquiatra e sexóloga da Universidade de São Paulo (USP), “algumas mulheres preferem o rótulo de baixa libido a ter de explicar para o marido que as preliminares dele não são mais tão interessantes”. O homem, como sempre, fica perdido e inseguro — e a falta de comunicação vira sinônimo de falta de sexo. Convém ressaltar que já foi muito pior, e que a bravura de pioneiras abriu as portas. Até meados dos anos 1970, o corpo da mulher era um tema secreto: a palavra clitóris, pensavam os supostamente bem informados, era proparoxítona — e palavrão. Foi apenas com a publicação do Relatório Hite, da sexóloga americana Shere Hite, em 1976, que o orgasmo feminino passou a existir nos jornais, nas revistas, nos programas de televisão e rádio. O volume de 400 páginas, construído a partir de longas conversas, chegou a ser proibido, inclusive no Brasil. O Relatório foi como uma senha de que algo muito grande fora rompido, e bastaria olhar um pouquinho para trás, no tempo. Em dezembro de 1966, uma edição especial da revista Realidade, publicada pela Editora Abril, foi recolhida das bancas, depois triturada, por trazer capítulos sobre prazer, aborto e fotos de um parto. No despacho, o juiz de menores que ordenou a censura e autorizou o recolhimento dos exemplares pela Delegacia de Costumes de São Paulo foi claro ao dizer que a publicação continha “algumas reportagens obscenas e profundamente ofensivas à dignidade da mulher, ferindo o pudor e a moral comum, com graves inconvenientes e incalculáveis prejuízos para a moral e os bons costumes”.

P., advogada, 28 anos, em um relacionamento há três anos
“Parece que o sexo é uma responsabilidade minha, apenas. Tenho de pensar na roupa, comprar uma lingerie, seduzir o meu parceiro e convidá-lo para o sexo. A parte dele é só aceitar. Não acho que ele tem essa preocupação de quebrar a rotina, inovar, pensar em como me atrair ou me seduzir. No começo de tudo, era ótimo. Fazíamos sexo pelo menos três vezes na semana. Hoje, só uma vez. Talvez fosse apenas o calor da novidade. Quando transamos, eu sinto prazer. Não é esse o problema. A falta de iniciativa dele é que me frustra.”

Não há mais hipótese de aparecerem reações autocráticas desse tipo, e, se surgirem, serão expelidas. A revolução sexual venceu, com feridas no caminho. E, no entanto, mesmo com os avanços, há ainda uma longa estrada a ser atravessada. Hoje, apesar da liberdade e da diluição de preconceitos, as mulheres lutam por um novo passo: anseiam por qualidade entre quatro paredes, querem ser ouvidas, querem diálogo — por gosto, porque é bom, mas também em razão de necessidades biológicas e comportamentais.

Uma pesquisa publicada recentemente na revista científica Social Psychological and Personality Science revelou que os casais que fazem sexo pelo menos uma vez por semana são mais felizes com seu relacionamento do que aqueles que o fazem com menos frequência. A explicação vai além do romance. O sexo aumenta a imunidade e melhora o humor, diminuindo os níveis de stress. Chegar a um orgasmo estimula ainda mais esses mecanismos, com a descarga de ocitocina e de endorfina, substâncias ligadas ao prazer e ao relaxamento. E, no entanto, psicólogos e sexólogos tentam minimizar a relevância da quantidade de sexo. Há uma ideia consensual: a frequência boa é aquela em que os dois estão satisfeitos e ponto. Um casal pode funcionar muito bem se fizer sexo três vezes por semana. Outros combinam perfeitamente se as relações ocorrerem duas vezes por mês. O problema acontece quando cada parte do casal deseja uma rotina diferente — e daí surge a insatisfação. “A única definição de sexo bom ou sexo normal é o sexo que você gosta, que você aproveita”, disse a VEJA a psicóloga americana Emily Nagoski, autora do best-­seller A Revolução do Prazer — Como a Ciência Pode Levar Você ao Orgasmo. “Não importam as estatísticas de sexo. Tem a ver com você e com a sua vida sexual, o seu prazer, o seu relacionamento e o seu corpo.”

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Na equação da rotina sexual é preciso ter em mente determinadas variáveis que mudam as regras do jogo. A principal delas, fundamental: o tempo de relacionamento. Algumas pesquisas já mostraram que o período da paixão e da conquista acaba após cerca de dois anos, quando o fogo inaugural se apaga. Depois desse tempo, é preciso aprender a conciliar segurança e previsibilidade com o desejo. Essa conta nem sempre fecha se não houver esforço das duas partes. E o que as mulheres parecem desejar, apontam as respostas obtidas no levantamento de VEJA, é a mudança dentro do quarto, a chance de reacenderem a flama. Nas ruas, nas últimas décadas, houve vitória parcial, e ela deve ser celebrada. No mercado de trabalho, apesar de ainda existir um fosso, o salário da mulher começa a se aproximar do recebido pelo homem. Movimentos como o americano #MeToo, contra o assédio sexual, espalham-se como necessidade, jogando na lata de lixo da história ironias como a de Millôr Fernandes, que a certa altura, no início dos anos 1970, escreveu que “o melhor movimento feminino ainda é o dos quadris”. Há machismo, sim, mas a sociedade tem anticorpos para debelá-lo.

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MATÉRIA COMPLETA, VEJA


Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637