J.R. Guzzo
Os dois lados dizem que não existe nada de 'político' em suas posições. Mas é mentira.
A pergunta que mais interessa ao público pagante neste debate sobre a vacina contra a covid-19, ou talvez a única pergunta que realmente interessa, é a que menos está sendo feita: a vacina chinesa que o governo do Estado de São Paulo quer aplicar na população e que o governo federal não quer, é ou não é eficaz contra a infecção? A troca de desaforos, de um lado e do outro, está carregada de som, fúria e cólera – mas de ciência médica, que é bom, tem aparecido muito pouco. É um desastre que as coisas tenham chegado aí, mas é perfeitamente natural. Desde o começo da epidemia a discussão vem sendo assim: política em primeiro lugar, ciência depois. Não é agora que iria mudar.
Como em tantas outras questões que a covid-19
trouxe durante os últimos oito meses, o ponto essencial da discórdia em
torno da vacina chinesa, essa “Coronavac” que veio parar na boca de cena do debate, é o seguinte: de que lado está o presidente Jair Bolsonaro?
Não é um jeito sério de se chegar à conclusão nenhuma sobre a natureza
de qualquer remédio da farmacologia universal, mas aí é que está: na
vida real é disso, e apenas disso, que se trata. Funciona na mão e na
contramão. Bolsonaro é a favor da cloroquina;
então, para todos os que não gostam dele, a cloroquina não serve para
nada – os mais radicais, inclusive, acham melhor tomar uma dose dupla de
formicida. Bolsonaro é contra a “Coronavac”; então a vacina chinesa não
apenas é ótima, mas deveria ser obrigatória.
Os dois lados, naturalmente, dizem que não existe nada de “político” em suas posições sobre uma e outra coisa – e também sobre o “distanciamento social”, o uso de máscara na praia ou o horário de funcionamento das revendas de colchões. Mas é mentira; disso, pelo menos, o cidadão pode ter certeza. Também não adianta muita coisa perguntar para os médicos. A verdade, tristemente, é que eles não sabem sobre a covid-19, hoje, muito mais do que sabiam no dia 1.º de janeiro e a sua reação natural é repetir o que recomenda a média dos “protocolos” em vigência no momento. Confiar no que diz o médico, em suma, tornou-se problemático – mesmo porque muitos deles esqueceram a ciência e se transformaram em torcida política.
O desenvolvimento da vacina nos laboratórios da China foi monitorado, pela observação livre das pesquisas, por cientistas internacionais independentes?