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domingo, 25 de outubro de 2020

Vacina x cloroquina - Estadão

J.R. Guzzo

Os dois lados dizem que não existe nada de 'político' em suas posições. Mas é mentira.

A pergunta que mais interessa ao público pagante neste debate sobre a vacina contra a covid-19, ou talvez a única pergunta que realmente interessa, é a que menos está sendo feita: a vacina chinesa que o governo do Estado de São Paulo quer aplicar na população e que o governo federal não quer, é ou não é eficaz contra a infecção? A troca de desaforos, de um lado e do outro, está carregada de som, fúria e cólera – mas de ciência médica, que é bom, tem aparecido muito pouco. É um desastre que as coisas tenham chegado aí, mas é perfeitamente natural. Desde o começo da epidemia a discussão vem sendo assim: política em primeiro lugar, ciência depois. Não é agora que iria mudar. 

Como em tantas outras questões que a covid-19 trouxe durante os últimos oito meses, o ponto essencial da discórdia em torno da vacina chinesa, essa Coronavac” que veio parar na boca de cena do debate, é o seguinte: de que lado está o presidente Jair Bolsonaro? Não é um jeito sério de se chegar à conclusão nenhuma sobre a natureza de qualquer remédio da farmacologia universal, mas aí é que está: na vida real é disso, e apenas disso, que se trata. Funciona na mão e na contramão. Bolsonaro é a favor da cloroquina; então, para todos os que não gostam dele, a cloroquina não serve para nada – os mais radicais, inclusive, acham melhor tomar uma dose dupla de formicida. Bolsonaro é contra a “Coronavac”; então a vacina chinesa não apenas é ótima, mas deveria ser obrigatória. 

Os dois lados, naturalmente, dizem que não existe nada de “político” em suas posições sobre uma e outra coisa – e também sobre o “distanciamento social”, o uso de máscara na praia ou o horário de funcionamento das revendas de colchões. Mas é mentira; disso, pelo menos, o cidadão pode ter certeza. Também não adianta muita coisa perguntar para os médicos. A verdade, tristemente, é que eles não sabem sobre a covid-19, hoje, muito mais do que sabiam no dia 1.º de janeiro e a sua reação natural é repetir o que recomenda a média dos “protocolos” em vigência no momento. Confiar no que diz o médico, em suma, tornou-se problemático – mesmo porque muitos deles esqueceram a ciência e se transformaram em torcida política. 

A questão-chave sobre a “Coronavac” envolve uma das palavras de melhor reputação no dicionário social em uso no momento – “transparência”, virtude exigida com o máximo rigor dos homens públicos, dos departamentos de marketing das empresas e do VAR nos jogos de futebol. Então: qual é a verdadeira transparência da vacina chinesa que está dividindo Bolsonaro e o governador João Doria? É isso o que a população precisa saber. 
O desenvolvimento da vacina nos laboratórios da China foi monitorado, pela observação livre das pesquisas, por cientistas internacionais independentes? 
Quantos países de primeiro mundo, com um histórico consistente de sucesso na pesquisa médica, já adotaram a Coronavac? 
Há cerca de uma dezena de vacinas sendo trabalhadas hoje por universidades e por laboratórios farmacêuticos que estão aí há mais de 100 anos, nos Estados Unidos e na Europa. Como elas se comparam, do ponto de vista puramente científico, com a vacina chinesa? 
Em vez disso, discute-se com paixão se está certo adotar uma vacina que vem, selada e lacrada, de uma ditadura – ou, ao contrário, se a adoção vai ajudar as exportações para a China
A vacina dá voto ou tira voto? 
Que tal mais um impeachment? 
O que querem as “redes sociais”? 
O que informa o Ibope? 
Bolsonaro e Doria não saberiam dizer o que é um Melhoral – mas estão no comando de um debate vital para a saúde pública do Brasil. Está na cara que não pode dar certo.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Bolsonaro ameaça o país com um golpe, mas recorre à Justiça - VEJA - Blog do Noblat


Magnífico dia, o de ontem, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para brincar de marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso pro quartel. Ameaçou desatar uma crise institucional com a desobediência a uma ordem da justiça. No fim, recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão de um dos seus ministros. Operou o prodígio de unir os ministros contra ele. [Não existe nenhum demérito, nem motivo para constrangimento  recorrer ao Poder Judiciário.
Quando recorremos à Justiça, buscamos JUSTIÇA.
Se algum inconveniente surgir na relação cidadão x Justiça - seja um cidadão anônimo ou o presidente da República - será quando o cidadão indignado, ofendido, maltratado, vilipendiado em seus direitos, receber justiça da Justiça, que, neste caso, se apequena.
O presidente da República ao buscar Justiça no Poder Judiciário, demonstra sua vocação natural para estadista, meta rumo a qual deu mais um passo.] 

No seu caso, bravata é um mal de família. Eduardo, deputado federal, bravateou no passado que bastariam um cabo e dois soldados para fechar o Supremo. Anteontem, ao lado de dois blogueiros investigados pela fabricação de falsas notícias, que “o momento da ruptura” é só uma questão de tempo. Não faz tanto tempo assim que o vice-presidente batizou o rapaz de Eduardo Bananinha. Por sua vez, Carlos, o vereador, boca suja igual a do pai, inaugurou seu novo celular mandando o PSOL e demais partidos de esquerda para aquele lugar… [para o BEM do BRASIL, torcemos para que tenham ido.] O mais calado dos três zeros, parceiro de Queiroz na expropriação de parte dos salários de seus funcionários, Flávio calou-se. Havia celebrado a operação policial de cerco ao governador do Rio. A nova operação foi para cima dos seus amigos. Um pai miliciano e seus três pivetes tumultuam o Brasil com seus delírios. E logo no dia em que o país registrou um total de 26.754 mortos e de 438.238 pessoas contaminadas pelo Covid-19. Já morreu mais gente só no Rio do que na China inteira, berço do vírus. [o governador Witzel foi um dos governadores empoderado pela decisão do STF, dando aos governadores e prefeitos supremos poderes para decidir sobre medidas de combate ao coronavírus - o que torna impossível, e estúpido, qualquer gesto tentando acusar o presidente Bolsonaro, pela inépcia dos chefes do Poder Executivo dos estados e municípios.] O desemprego cresceu 12,6% no primeiro trimestre do ano. Agora são quase 13 milhões de pessoas em busca de trabalho.

De nada disso falou o presidente da República no seu encontro diário com devotos à saída do Palácio da Alvorada. “Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza: foi o último dia triste”, começou ele. “Repito: não teremos outro igual ao de ontem. Chega. Chegamos no limite”. Em seguida, alvejou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, com sua bílis. Não disfarçou a fúria. A operação da Polícia Federal contra fabricantes de falsas notícias espalhadas por robôs para enfraquecer a democracia foi autorizada por Alexandre. Bolsonaro não citou o ministro. Mas não precisava. “Acabou, porra! Me desculpem. Acabou! Não dá mais para admitir atitudes de certas pessoas individuais”, como se fosse possível existirem pessoas coletivas. Pessoa é algo muito pessoal…
“Ordens absurdas não se cumprem”, disse, sem dizer se ordens absurdas partidas dele não deverão mais ser obedecidas. “E nós temos que botar limites nessas questões”. Aproveitou a ocasião para elogiar blogueiros, empresários e deputados bolsonaristas intimados a depor na Polícia Federal. E num rasgo de sinceridade, exclamou: “Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor”.

O fantasma do golpe causou assombro [falso, fingido] no Congresso virtual e para além dos estreitos limites da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. 
Mas para que haveria um golpe? 
Para salvar a família Bolsonaro dos seus apertos? 
Golpe com o apoio de quem? 
Dos 30% dos brasileiros fiéis a Bolsonaro contra os 70% que não são? 
É verdade que os 30% se comportam como se fossem 70%, e vice-versa. 
Golpe para livrar o país de quais perigos? 
Do perigo do comunismo? Não há mais comunismo fora da China e da Coreia do Norte. 
De Cuba que exporta revolução? Essa Cuba não existe mais e seu carismático ditador, aqui recepcionado pela fina flor da sociedade carioca no começo dos anos 60 do século passado, está enterrado. 
Perigo de inflação descontrolada? Ela nunca foi tão baixa.
Golpe para empossar qual dos generais da ativa? 
Como é mesmo o nome deles? [de todas as perguntas adequadamente apresentadas pelo articulista, a antepenúltima é a única merecedora de a merece um SIM como resposta.
Fundamentado no fato de que o Poder Legislativo está coagindo o Poder Executivo a assumir encargos que pertencem aos estados e municípios.
O Brasil não tem recursos suficientes para isto e, infelizmente, vai ter que colocar em funcionamento a máquina de imprimir dinheiro = hiperinflação  descontrolada + recessão (consequência inevitável da pandemia) + queima de reservas = situação igual ou até pior que a herdada por Itamar Franco:  o verdadeiro CAOS CAÓTICO.
Se conselho fosse bom não era grátis, mas aqui vai um: conveniente  lembrar de Márcio Moreira Alves - ex´deputado carioca.]

Sim, porque generais com comando de tropas não dariam um golpe para seguir batendo continência para um ex-capitão. E Bolsonaro não é qualquer um ex-capitão. Foi promovido a capitão para evitar maiores problemas depois de ter sido afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética. Capitão de triste memória. Em breve, o Supremo Tribunal Federal responderá ao recurso de Bolsonaro em favor da sua tropa de meliantes digitais. E o que ele fará se a resposta for negativa? Cartas para a redação. Ou melhor: comentários abaixo.

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista


quinta-feira, 14 de maio de 2020

A liberdade de expressão exige tolerância a ideias que detestamos, mas qual o limite? - Folha de S. Paulo

Fernando Schüler

Ministro Celso de Mello lembra em decisão que é preciso garantir o direito aos piores


Em tempos de fúria, passou um tanto despercebida uma decisão do decano do STF, ministro Celso de Mello, na última semana. Ocorre que um desses grupos muito estranhos que andam por aí, e não é de hoje, marcou uma passeata em Brasília, na qual prometiam "dar cabo à patifaria estabelecida no país e representada pela casa maldita do STF, com seus 11 gângsteres". E por aí afora.

O líder do PT na Câmara dos Deputados acionou o Supremo pedindo que a passeata fosse proibida e os envolvidos presos. O ministro Celso de Mello negou o pedido. Orientou o parlamentar a procurar o Ministério Público, se desejasse, mas o importante veio depois, quando enfrentou o tema delicado do direito de reunião e de expressão em um país marcado pela polarização quase doentia.  A posição do ministro é clara: não cabe a uma República que se dê ao respeito a "proibição estatal do dissenso". Pluralismo político é um valor fundamental na democracia e o direito à livre expressão de ideias é garantido pela Constituição.

Seu raciocínio volta a abril de 1919, quando Ruy Barbosa foi conduzido por uma massa popular até o teatro Politeama, em Salvador, e só pôde fazer o seu comício amparado por um habeas corpus dado pelo STF, relatado por Edmundo Lins.

Ruy foi saudado nas ruas de Salvador como "o maior dos brasileiros" e não haveria muita dúvida sobre seu direito de fazer uso da palavra. A pergunta crucial, um século depois, é bem mais complicada: o direito à palavra de ideias autoritárias e desprezíveis, como a tese de "fechar o Supremo", também deveria ser protegido pelas leis da República? Celso sinaliza uma resposta quando cita a clássica expressão do juiz da Suprema Corte americana Oliver Holmes, segundo o qual a liberdade de pensamento não é feita para aqueles com os quais concordamos, mas para "a liberdade do pensamento que nós odiamos".

O princípio é indispensável em uma sociedade pluralista, na qual se exige a imparcialidade do Estado, mas ainda não resolve a questão. O ponto é: quais seriam os limites para as "ideias que odiamos"? Ideias que atentem contra os próprios fundamentos da República e da democracia, por exemplo, estariam incluídos? Karl Popper deu uma resposta negativa, ainda que bastante genérica, a esta pergunta. Marcado pela ascensão do ódio, no processo que levaria à Grande Guerra, Popper formulou o seu "paradoxo da tolerância": temos direito, em nome da tolerância, de não tolerar os intolerantes.

A ideia é elegante, tanto quando a regra de Holmes, mas de difícil aplicação. Como transformar o Estado em juiz do que são ou deixam de ser ideias intolerantes? A Constituição de 1946 incluía um dispositivo proibindo partidos que contrariassem o regime democrático, e isto serviu de base para fechar o PCB. Os americanos resolveram esta questão, na tradição da Primeira Emenda, fazendo uma distinção entre a defesa genérica de ideias odiosas ou contrárias à lei e o discurso que leva claramente a uma "ação iminente e ilícita".

No Brasil, diria que esta é uma questão em aberto. No conhecido caso Ellwanger, que julgava a concessão de habeas corpus a um autor revisionista e antissemita, o STF decidiu negativamente. Marco Aurélio Mello claramente defendeu a distinção entre a defesa de uma tese e a chamada à ação, mas foi vencido.

Confesso não ter uma resposta cabal a esta questão. Intuo que nossa Suprema Corte logo se debruçará sobre o tema desses movimentos que desafiam a democracia e nos quais parece haver de tudo. Gente defendendo ideias sem nenhum cabimento e gente instigando a ação antidemocrática, em geral no mundo do faz de conta.

Neste mundo confuso, é bom ler a decisão de Celso de Mello. Ao citar Ruy Barbosa para tratar da passeata dos insensatos, ele nos lembra que a liberdade frequentemente se faz garantindo o direito aos piores, de modo que todos os demais estejam da mesma forma protegidos pelo direito.

Fernando Schüler, professor do Insper 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Se prenderem Lula, tudo bem



Entre petistas de alto calibre e ministros do governo, circula a informação extraída de uma pesquisa de opinião pública mantida sob segredo onde ficou comprovado:
a maioria dos brasileiros não reagiria negativamente a uma eventual prisão de Lula por conta das investigações da Lava-Jato.

É isso o que tem aumentado o nervosismo de Lula. Ele está com medo até de dormir em casa.

A fúria tomou conta dele por causa da ação da Polícia Federal contra um dos seus filhos, suspeito de envolvimento com a compra de Medidas Provisórias assinadas por Lula quando era presidente. E com a intimação para depor pelo mesmo motivo de Gilberto Carvalho, ex-chefe do seu gabinete.

Seu reencontro, em São Paulo, com Dilma, durante a festa dos seus 70 anos, foi indisfarçavelmente frio. Eles dividiram uma mesa com mais quatro pessoas e mal conversaram. Mas a insatisfação de Lula com Dilma e José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça, não é tão grande como pode parecer.

A insatisfação é maior com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente Teori Zavaski, relator da Lava-Jato, que estariam tomando decisões que complicam sua vida. Lula não entende como pode enfrentar problemas com pessoas que lhe devem a indicação para os cargos que ocupam.

Na conta dos dissabores amargados por Lula, está também o comportamento de ministros indicados por ele para o Tribunal de Contas da União - TCU, que recentemente recomendaram ao Congresso a rejeição das contas do governo de 2014. Ele os considera uns ingratos.

Lula tomou da Polícia Federal uma bola pelas costas ao se descobrir investigado no âmbito da Operação Zelotes, que antes mirava apenas os de agentes da Receita Federal subornados por empresários devedores de impostos. A Zelote está interessada também no favorecimento à indústria automobilística.

Fonte: Blog do Noblat - Ricardo Noblat